Estenose da Artéria Renal

A estenose da artéria renal (EAR) consiste no estreitamento de uma ou de ambas as artérias renais, causado habitualmente por doença aterosclerótica ou displasia fibromuscular. Se a estenose for grave o suficiente causa diminuição do fluxo sanguíneo renal, ativando o sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA) e levando à hipertensão renovascular (HRV), que representa apenas uma pequena fração de todos os casos de hipertensão. A hipertensão renovascular pode estar associada a sopros abdominais, insuficiência renal ou a atrofia renal progressiva. O diagnóstico é realizado através da apresentação clínica seguida de exames de imagem, incluindo a ecografia com doppler, a angiografia por ressonância magnética (AngioRM), a angiografia por tomografia computadorizada (AngioTC) e, por vezes, a angiografia por cateter. A revascularização é geralmente reservada para os casos em que a terapêutica médica falhou.

Última atualização: Oct 24, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Epidemiologia e Etiologia

Epidemiologia

  • A estenose da artéria renal (EAR) é responsável por < 2% dos casos de hipertensão.
  • 2 tipos principais de EAR:
    • Aterosclerótica:
      • 80% dos casos de EAR
      • Forte associação com a presença de aterosclerose noutras partes do corpo
      • A maioria dos doentes tem > 45 anos; homens > mulheres
      • Mais comum em caucasianos do que em negros
      • Presente em 10%–40% dos doentes com hipertensão aguda, grave ou refratária.
      • A doença bilateral está presente em 23% a 54% dos doentes (é raro ambos os lados apresentarem o mesmo grau de estenose).
    • Associada a displasia fibromuscular (DFM) :
      • 20% dos casos de EAR
      • 90% dos casos em adultos são em mulheres.
      • A maioria dos doentes são mulheres < 50 anos, mas todas as idades podem ser afetadas.
      • Pode estar associada à DFM das artérias carótidas e vertebrais

Etiologia

  • Tipo aterosclerótico: geralmente está presente aterosclerose difusa, mas pode ser isolada.
  • Tipo associado a DFM: etiologia desconhecida, mas acredita-se que a genética desempenha um papel importante.
  • Causas raras de EAR (aproximadamente 1% dos casos):
    • Compressão extrínseca: geralmente por tumor
    • Disseção da íntima: causada por trauma ou intervenção endovascular.
    • Tromboembolismo: causado por fontes locais (por exemplo, trauma, vasculite) ou por êmbolos distantes (por exemplo, da aurícula esquerda ou embolia gorda a partir de fraturas).
    • Causas iatrogénicas: migração e/ou colocação de um stent aórtico endovascular sobre os orifícios das artérias renais.

Fisiopatologia

  • Patogénese de todos os casos de EAR:
    • Diminuição significativa do lúmen ≥ 70% (menos de 30% patente) com um gradiente pós-estenótico → a pressão arterial é afetada.
    • Hipoperfusão renal → ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA) → aumento da renina, angiotensina e aldosterona → aumento da retenção de sódio (Na) e da resistência vascular periférica.
    • O resultado é a hipertensão renovascular (HVR; secundária) → afeta tanto os rins como os restantes órgãos-alvo.
  • EAR causada por aterosclerose:
    • Geralmente envolve o orifício aórtico ou a artéria renal principal proximal.
    • Sem tratamento, 50% dos casos evoluem, por vezes para obstrução completa.
  • EAR causada por displasia fibromuscular:
    • A fibrodisplasia da média consiste na lesão displásica mais comum, no entanto, também ocorrem a fibrodisplasia da íntima e a hiperplasia fibrosa da adventícia.
    • Envolve, tipicamente, as porções média ou distal da artéria renal principal ou os seus ramos intrarrenais.
    • A perda focal da lâmina elástica interna, com a hiperplasia fibromuscular intercalada, resulta na aparência típica em “colar de contas” na angiografia.
    • Raramente leva à obstrução completa.
Renal artery stenosis

Fisiopatologia da estenose da artéria renal

Imagem por Lecturio.

Apresentação Clínica e Diagnóstico

Sinais clínicos e história médica

  • A maioria dos doentes é assintomática, apenas com efeitos hemodinâmicos ligeiros, se o lúmen estiver < 70% ocluído.
  • Deve-se suspeitar de HRV e iniciar a sua investigação se houver algum dos seguintes achados:
    • Desenvolvimento abrupto de hipertensão diastólica num doente <30 anos ou >50 anos.
    • Hipertensão de novo ou previamente estável que agrava rapidamente.
    • Hipertensão muito grave: sistólica ≥ 180 e/ou diastólica ≥ 120 mmHg.
    • Hipertensão com função renal em agravamento ou refratária ao tratamento farmacológico.
    • Elevação da creatinina sérica dentro de 1 semana após início de um inibidor da enzima conversora da angiotensina (IECA), antagonista do recetor da angiotensina II (ARA) ou de um inibidor direto da renina.
    • Sopro abdominal unilateral
    • História de trauma ou dor aguda nas costas ou flanco com ou sem hematúria (sugestivo de lesão arterial)
    • Tamanho renal assimétrico (> 1cm de diferença) descoberto incidentalmente por imagiologia.
    • Episódios recorrentes e inexplicáveis de edema agudo do pulmão ou insuficiência cardíaca.
  • EAR tipo aterosclerótico:
    • > 50 anos
    • Forte associação com outras patologias cardiovasculares
    • Apresenta-se frequentemente com doença renal de pequenos vasos concomitante
    • A estenose bilateral das artérias renais está associada a doença aterosclerótica mais disseminada, a níveis mais elevados de creatinina sérica e a maior mortalidade que a doença unilateral.
  • EAR tipo DFM:
    • Principalmente em mulheres na pré-menopausa entre os 15 e os 50 anos de idade.
    • Suspeitar fortemente se ocorrer hipertensão numa criança
    • Normalmente é um achado incidental em exames de imagem.
    • Apenas 50% dos casos de DFM apresentam um sopro sistólico-diastólico no epigastro.

Exames complementares de diagnóstico

Podem ser necessários estudos diagnósticos adicionais nos seguintes casos:

  • Após exclusão de outras causas de hipertensão secundária.
  • Se for necessária confirmação devido à incerteza diagnóstica
  • Se houver indicação para procedimentos de revascularização terapêutica

No entanto, estes exames são caros e podem ter efeitos secundários graves, especialmente se houver insuficiência renal.

  • Exames não invasivos — menos confiáveis para a DFM, associada a lesões localizadas distalmente:
    • Ecodoppler
    • Angiografia por tomografia computadorizada (AngioTC)
    • Angiografia por ressonância magnética (AngioRM)
    • Renograma de captopril: renografia de radionucleotídeos com captopril, um IECA, usado principalmente para determinar a função relativa de cada rim
  • Exames invasivos — angiografia intra-arterial:
    • Gold standard para avaliar a EAR
    • Realizar somente após a realização dos exames não invasivos.
    • Implica um risco de ateroembolismo

Exames laboratoriais

  • Análises de rotina para avaliar a função renal através da taxa de filtração glomerular estimada (TFG, calculada a partir da creatinina sérica) e análise de urina.
  • Outros estudos laboratoriais:
    • Hemograma completo
    • Níveis séricos de eletrólitos (sódio, potássio, cloreto e dióxido de carbono total)
    • Azoto ureico no sangue (BUN, pela sigla em inglês)
    • Painel lipídico e glicemia em jejum
  • Achados:
    • Na EAR ligeira, insuficiente para afetar a pressão arterial → sem alterações analíticas.
    • Se a EAR for grave o suficiente para afetar a pressão arterial (diminuição do lúmen ≥ 70%, com gradiente pós-estenótico), estudos específicos têm valor limitado (baixa sensibilidade ou especificidade):
      • A atividade da renina plasmática (ARP) está elevada em apenas 50%–80% dos doentes com hipertensão renovascular.
      • Os doseamentos de renina da veia renal têm muitos falsos positivos e negativos.

Tratamento

Terapêutica médica

  • Bloqueio do sistema renina-angiotensina-aldosterona (IECA, ARA)
  • Controlo da pressão arterial (bloqueadores dos canais de cálcio, diuréticos, betabloqueadores)
  • Mudanças no estilo de vida: cessação tabágica
  • Estatinas na EAR aterosclerótica
  • Antiagregação plaquetária

Procedimentos invasivos

  • A revascularização é geralmente reservada para os casos em que a terapêutica médica falhou.
  • Complicações major ocorrem em 5 a 9% dos casos, mesmo com operadores experientes.
  • Os procedimentos incluem a angioplastia renal transluminal percutânea ou a cirurgia de bypass aortorrenal.
  • A nefrectomia terapêutica é aconselhada em doentes com hipertensão não controlada e oclusão renovascular unilateral, especialmente se os rins estiverem a funcionar mal (< 15% da TFG total).

Diagnóstico Diferencial

Hipertensão primária (“essencial”)

É a forma mais comum de hipertensão, cuja etiologia é desconhecida. Em 2017, o American College of Cardiology/American Heart Association (ACC/AHA) reformulou as suas definições, que poderão variar entre os diferentes países:

  • Pressão arterial normal: sistólica < 120 mmHg e diastólica < 80 mmHg
  • Pressão arterial elevada: sistólica 120–129 mmHg e diastólica < 80 mmHg
  • Hipertensão estadio 1: sistólica 130–139 mmHg ou diastólica 80–89 mmHg
  • Hipertensão estadio 2: sistólica de pelo menos 140 mmHg ou diastólica de pelo menos 90 mmHg

Causas secundárias de hipertensão

Cinco a dez por cento de todos os casos de hipertensão incluem as seguintes doenças:

  • Doença renal primária: suspeitar se concentração de creatinina sérica elevada e/ou alterações na análise de urina. A doença renal crónica apresenta tipicamente uma redução persistente e progressiva da TFG, mas o diagnóstico diferencial da HRV pode ser difícil.
  • Aldosteronismo primário: é causado habitualmente por um adenoma produtor de aldosterona na glândula suprarrenal ou por hiperplasia bilateral das suprarrenais. As pistas diagnósticas incluem a hipocaliemia e o aumento do rácio da aldosterona plasmática em relação à atividade da renina plasmática.
  • Síndrome da apneia do sono: caraterizada por episódios repetidos de apneia durante a noite devido ao colapso passivo dos músculos faríngeos durante a inspiração. Geralmente ocorre em homens obesos que ressonam alto enquanto dormem. Podem apresentar ainda hipertensão, cefaleias, arritmias cardíacas, sonolência diurna e fadiga, confusão, alterações de personalidade e depressão.
  • Anticoncecionais orais: podem elevar a pressão arterial para valores hipertensivos.
  • Feocromocitoma: tumor secretor de catecolaminas das células cromafins da medula suprarrenal ou dos gânglios simpáticos. Ocorrem elevações paroxísticas da pressão arterial, com a tríade clássica de sintomas de cefaleia latejante, palpitações e sudorese.
  • Síndrome de Cushing: causada pelo excesso de corticosteroides, que podem ser exógenos ou endógenos, geralmente a partir de um adenoma suprarrenal benigno. Os doentes apresentam-se com face cushingoide, obesidade central, fraqueza muscular proximal e equimoses.
  • Coartação da aorta: uma das principais causas de hipertensão secundária em crianças pequenas, mas pode ser diagnosticada inicialmente na idade adulta. Causa hipertensão nos membros superiores, pressão arterial baixa nos membros inferiores e pulsos femorais diminuídos ou atrasados (“atraso braquio-femoral”). Pode auscultar-se um “sopro mecânico” da aorta no tórax posteriormente.
  • Hipotiroidismo: sintomas de hipotiroidismo (fadiga, sensibilidade ao frio, aumento de peso, obstipação, depressão, dores musculares e cãibras) com níveis séricos elevados de hormona estimulante da tiroide (TSH).
  • Hiperparatiroidismo primário: devido a um adenoma da paratiroide e associado a hipercalcémia e a níveis elevados de hormona da paratiroide (PTH).
  • Ateroembolismo renal: também chamados êmbolos de cristais de colesterol, geralmente afetam doentes idosos com aterosclerose erosiva difusa. Os ateroêmbolos renais ocorrem quando determinadas porções de uma placa aterosclerótica se rompem e embolizam distalmente. Podem afetar os rins ou outros órgãos.
  • Agentes de quimioterapia: lesão renal farmacológica por microangiopatia trombótica ou pela inibição das vias de sinalização do fator de crescimento endotelial vascular (VEGF).

Referências

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