Reto e Canal Anal: Anatomia

O reto e o canal anal são os componentes mais terminais do trato GI inferior/cólon que formam uma unidade funcional e controlam a defecação. A incontinência fecal pode ocorrer se esta função for perturbada. A continência fecal é mantida por várias estruturas anatómicas importantes, incluindo pregas retais, válvulas anais, músculo puborretal do tipo sling e os esfíncteres anais interno e externo. As ondas peristálticas da muscular retal, o relaxamento involuntário do esfíncter anal interno (controlado pelo SNA) e o relaxamento voluntário do esfíncter anal externo (controlado pelo córtex cerebral) são essenciais para que ocorra a defecação. O rico plexo de veias em redor do canal anal pode evoluir para hemorroidas se dilatado.

Última atualização: Jan 15, 2024

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Desenvolvimento

  • Reto e canal anal superior: derivados da endoderme do intestino posterior do tubo intestinal primitivo
  • Porção inferior do canal anal (incluindo o esfíncter anal externo (EAS, pela sigla em inglês)): derivada da ectoderme
  • A junção do canal anal superior e inferior resultante de diferentes origens embriológicas é denominada linha pectínea (também conhecida como linha denteada).

Anatomia Geral

Anatomia macroscópica do reto e canal anal

Anatomia macroscópica do reto e canal anal

Imagem por Lecturio.

Reto

  • Estrutura tubular reta, na cavidade pélvica
  • Localizado entre o cólon sigmoide e o canal anal
  • Comprimento: aproximadamente 15 cm
  • Relação do reto com o peritoneu:
    • 1/3 superior: coberto anterior e lateralmente pelo peritoneu
    • 1/3 médio: coberto anteriormente (apenas) pelo peritoneu
    • 1/3 inferior: não coberto pelo peritoneu(completamente abaixo da cavidade pélvica)
  • Junção retossigmoide:
    • Ponto entre o cólon sigmoide e o reto
    • Definida pela perda de taenia coli do cólon
  • O reto tem 2 flexuras:
    1. Flexura sacral: curva côncava dorsal à medida que o reto cursa anterior ao sacro
    2. Flexão anorretal:
      • Curva convexa ventral que representa a transição entre o reto acima e o canal anal abaixo
      • Formada pelo músculo puborretal (parte do complexo elevador do ânus), que envolve os ossos púbicos anteriormente, como um sling em redor do anorreto posterior
  • Dobras retais (válvulas de Houston):
    • 3 pregas submucosas transversais de tecido que se projetam para o lúmen:
      1. Superior
      2. Intermédio
      3. Inferior
    • Para criar “prateleiras” que ajudem a guardar as fezes
    • Ajudam a separar as fezes sólidas dos gases
  • Ampola retal:
    • Porção terminal do reto
    • Presente no topo do diafragma pélvico
    • Capaz de se expandir para servir como reservatório de fezes

Canal anal

  • Estrutura tubular reta no final do trato GI
  • Conecta o reto ao ânus (abertura externa)
  • Comprimento: aproximadamente 3‒4 cm
  • Completamente extraperitoneal (conhecido como “subperitoneal”)
  • Colunas anais (também chamadas colunas de Morgagni):
    • Aproximadamente 6 a 10 dobras verticais da mucosa, submucosa e camada muscular circular
    • Encontradas na metade superior do lúmen do canal anal
  • Seios anais (seios retais):
    • Sulcos no canal anal que separam as colunas anais umas das outras
    • Terminam em pequenas dobras, semelhantes a válvulas (válvulas anais)
  • Válvulas anais:
    • Pequenas dobras, semelhantes a válvulas, nas extremidades inferiores dos seios anais, no canal anal
    • Juntam-se nas extremidades inferiores das colunas anais
    • As válvulas e os seios formam a linha pectínea.
  • Linha pectínea (também conhecida como linha dentada):
    • Divide o canal anal em ⅔ superiores e ⅓ inferior
    • Múltiplas diferenças neurovasculares e histológicas superior versus inferiormente a esta linha
  • O canal anal tem 2 esfíncteres anais:
    • Esfíncter anal interno (IAS, pela sigla em inglês):
      • Sob controlo involuntário
      • Circunda os ⅔ superiores do canal anal
      • Formado a partir de um espessamento do músculo liso circular na parede do intestino
    • EAS:
      • Sob controlo voluntário
      • Circunda os ⅔ inferiores do canal anal (sobrepõe-se ao IAS)
      • Consiste em várias partes: subcutânea, superficial e profunda

Relações anatómicas

O reto é o órgão visceral mais posterior da cavidade pélvica.

  • Anterior ao reto e canal anal estão:
    • Nos homens:
      • Bexiga
      • Vesículas seminais
      • Próstata
    • Nas mulheres:
      • Útero
      • Colo do útero
      • Vagina
  • Posterior ao reto e canal anal:
    • Sacro inferior: S3‒S5
    • Cóccix (unido ao reto pelo ligamento anococcígeo)

Anatomia Microscópica

Da mesma forma que em outros segmentos do trato GI, as camadas da parede anorretal (do lúmen interno para fora) são mucosa → submucosa → camada muscular → serosa. Não existem vilosidades ou dobras circulares na parede anorretal como seria de esperar no intestino delgado.

Mucosa

  • Consiste em 3 subcamadas:
    1. Epitélio (revestimento interno):
      • Acima da linha pectínea: epitélio colunar
      • Abaixo da linha pectínea: epitélio escamoso estratificado não queratinizado
    2. Lâmina própria (contém pequena vasculatura)
    3. Muscular mucosa (camada fina de músculo liso)
  • Criptas intestinais de Liberkühn/glândulas mucosas anais:
    • Poros que se abrem em glândulas tubulares
    • Semelhantes às criptas no intestino delgado, mas mais profundas
    • Contêm várias células caliciformes secretoras de muco, que ajudam a lubrificar as fezes e facilitar a passagem das fezes
Imagem histológica da mucosa retal (corte longitudinal)

Imagem histológica da mucosa retal (corte longitudinal):
As criptas retais com epitélio colunar simples são visíveis e o estroma (lâmina própria) é visto a envolver as criptas.

Imagem: “Histological image of the rectal mucosa (longitudinal section)” por Y. Gao and D. F. Katz. Licença: CC BY 4.0

Submucosa

  • Tecido conjuntivo laxo
  • Contém vasos maiores

Camada muscular

Composta por 2 camadas de músculo liso:

  • Camada circular (camada interna)
  • Camada longitudinal (camada externa): a taeniae coli do cólon coalesce para formar uma camada externa contínua.
  • Plexo mioentérico (de Auerbach):
    • Gânglios do SNA que controlam a camada muscular
    • Localizado entre as 2 camadas de músculo liso

Serosa

  • Composta por tecido conjuntivo
  • Une-se com o peritoneu, anteriormente, nas regiões superiores do reto
  • Torna-se uma camada fibrosa mais espessa nas regiões subperitoneais

Vídeos recomendados

Neurovasculatura

Suprimento sanguíneo arterial

  • Acima da linha pectínea (incluindo o reto e o canal anal superior): artéria retal superior (ramo da artéria mesentérica inferior)
  • Abaixo da linha pectínea :
    • Artéria retal média (ramo da artéria ilíaca interna)
    • Artéria retal inferior (ramo da artéria pudenda interna)

Drenagem venosa

  • A anastomose portossistémica existe em redor da linha pectínea.
  • Acima da linha pectínea:
    • Drenagem para o sistema portal
    • Plexo hemorroidário interno → veia retal superior → veia mesentérica inferior (VMI)
  • Abaixo da linha pectínea:
    • Drenagem para as veias sistémicas (veia cava inferior)
    • Plexo hemorroidário externo → veias retais média e inferior → veia pudenda interna → veia ilíaca interna

Drenagem linfática

  • Acima da linha pectínea: gânglios ilíacos internos
  • Abaixo da linha pectínea: gânglios inguinais superficiais

Inervação

  • Acima da linha pectínea:
    • Inervação autonómica/visceral via plexo hipogástrico inferior (contém fibras simpáticas e parassimpáticas)
    • As fibras parassimpáticas relaxam o IAS.
    • As fibras simpáticas mantêm a contração tónica do IAS.
    • Sob controlo involuntário
  • Abaixo da linha pectínea: inervação somática
    • Ramo retal inferior do nervo pudendo
    • Sob controlo voluntário
Diferenças na neurovasculatura anal acima e abaixo da linha pectinada

Diferenças na neurovasculatura anal acima e abaixo da linha pectínea:
AMI: artéria mesentérica inferior
VMI: veia mesentérica inferior
LN, pela sigla em inglês: gânglios
VCI: veia cava inferior

Imagem por Lecturio.

Funções

Funções gerais

As funções primárias do reto e do canal anal envolvem a defecação controlada.

  • O reto é capaz de armazenar fezes até que a defecação seja conscientemente desejada.
  • Os esfíncteres anais estão em estado de contração tónica, impedindo a expulsão fecal.
    • Esfíncter interno: músculo liso sob controlo involuntário
    • Esfíncter externo: músculo esquelético sob controlo voluntário
  • A defecação requer:
    • Peristaltismo dos músculos retais
    • Relaxamento involuntário do IAS
    • Relaxamento voluntário do EAS

Reflexo de defecação

O reto contém recetores de estiramento que estimulam o reflexo de defecação, quando o reto começa a encher-se de fezes.

  • Recetores de estiramento ativados no reto →
  • As fibras nervosas sensitivas transportam sinais para a medula espinhal sacral →
  • Sinapses com fibras motoras parassimpáticas →
  • Envia sinais de ondas peristálticas para o plexo nervoso mioentérico, nas camadas musculares do:
    • Cólon descendente
    • Cólon sigmoide
    • Reto
    • IAS
  • As contrações peristálticas no cólon e no reto movem as fezes inferiormente.
  • O IAS relaxa.
  • A defecação ocorre apenas se o EAS estiver voluntariamente relaxado simultaneamente, devido a impulsos motores do córtex cerebral.
  • Se a defecação for conscientemente suprimida, as contrações peristálticas cessam em poucos minutos.
O reflexo de defecação

Reflexo de defecação:
1. As fezes estiram o reto e estimulam os recetores de estiramento a transmitir o sinal para a medula espinhal.
2. Um reflexo espinhal envia sinais motores parassimpáticos ao plexo nervoso mioentérico, resultando na contração dos músculos lisos do reto, empurrando as fezes inferiormente.
3. O mesmo reflexo espinhal também envia sinais motores parassimpáticos para relaxar o esfíncter anal interno.
4. Os impulsos voluntários do cérebro impedem a defecação, mantendo o esfíncter anal externo contraído. A defecação ocorrerá se os sinais voluntários permitirem que o esfíncter anal externo relaxe.

Imagem por Lecturio.

Relevância Clínica

  • Incontinência fecal: exteriorização involuntária de fezes sólidas ou líquidas. Existem 2 tipos principais de incontinência fecal: incontinência de urgência (o desejo de defecar é sentido, mas as fezes não conseguem ser retidas voluntariamente) e incontinência passiva (não há desejo de defecar até que as fezes sejam eliminadas involuntariamente). A incontinência fecal pode resultar da disfunção dos esfíncteres anais, complacência retal anormal, sensação retal diminuída, consistência alterada das fezes ou, frequentemente, de uma combinação desses fatores.
  • Hemorroidas: veias edematosas nos plexos hemorroidais, que circundam o ânus e o reto inferior, semelhantes às varizes. As hemorroidas podem desenvolver-se dentro do reto (hemorroidas internas) ou sob a pele em redor do ânus (hemorroidas externas). As manifestações clínicas mais importantes incluem hematoquézias, dor associada a uma hemorroida trombosada e prurido perianal. Os fatores de risco incluem idade avançada, diarreia, gravidez, tumores pélvicos, grandes periodos sentado, esforço e obstipação crónica.
  • Abcessos perianais e perirretais: coleção de pus num espaço fechado, próximo aos tecidos perirretais. Os abcessos perianais e perirretais, geralmente, originam-se devido à obstrução das glândulas das criptas anais. Os indivíduos afetados apresentam dores intensas na região anal ou retal e uma massa flutuante ao exame físico. O tratamento requer incisão cirúrgica imediata e drenagem, que pode ser seguida por um curso de antibióticos. Se não forem tratados, os abcessos podem conduzir à formação de fístulas.
  • Fístula anal: comunicação anormal entre o lúmen anorretal e a pele ou outra estrutura do corpo. Uma fístula anal geralmente ocorre devido à extensão de abcessos anais, mas também está associada a condições específicas, como a doença de Crohn. Os sintomas incluem dor ou irritação em redor do ânus; descarga anormal ou drenagem purulenta; e edema, vermelhidão ou febre, se existir um abcesso.
  • Fissuras anais: lesões dolorosas e superficiais no revestimento epitelial (anoderma) do canal anal, que causam dor e sangramento. As fissuras anais são comuns em lactentes e indivíduos de meia-idade e são tipicamente secundárias a trauma ou irritação local, resultante de obstipação, diarreia ou relação sexual anal. As manifestações clínicas incluem dor intensa durante os movimentos intestinais, sangue vermelho vivo nas fezes, presença de sangue no papel higiénico, uma lesão visível na pele em redor do ânus e um pequeno nódulo ou marca na pele perto da fissura anal.
  • Prolapso retal: condição na qual o reto se projeta do orifício anal espontaneamente ou após a defecação. O prolapso retal pode envolver todas as camadas da parede retal ou apenas a mucosa. Danos no assoalho pélvico e perda de suporte retal interno são algumas das causas do prolapso retal. Os sintomas de incluem o desenvolvimento de uma massa anal ou dor abdominal, evacuação incompleta, alteração dos hábitos intestinais e secreção de muco/fezes. O prolapso retal é mais comum em mulheres idosas.
  • Cancro colorretal (CCR): quase todos os casos de CCR são adenocarcinomas e, a maioria das lesões, surgem da transformação maligna de um pólipo adenomatoso. As manifestações clínicas mais importantes incluem alterações nos hábitos intestinais, massa retal palpável ao exame digital, anemia ferropénica e sangramento retal; entretanto, a maioria dos indivíduos são assintomáticos. Um exame retal, a colonoscopia e/ou exames de fezes para rastreio são, geralmente, recomendados em indivíduos ≥ 50 anos de idade.

Referências

  1. Nakashima, J., Zulfiqar, H. (2021). Embryology, rectum, and anal Canal. StatPearls. Retrieved August 22, 2021, from https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK551682/
  2. Kapoor, V.K. (2016). Anal Canal Anatomy. https://emedicine.medscape.com/article/1990236-overview
  3. Drake, R., Vogl, A.W., Mitchell, A.W.M. (2020). Abdomen, regional anatomy. In Drake, R., et al. (Ed.), Gray’s Anatomy for Students (4th ed., pp.322). Churchill Livingstone/Elsevier.
  4. Bleday, R., Breen, E. (2021). Hemorrhoids: Clinical manifestations and diagnosis. UpToDate. Retrieved August 22, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/hemorrhoids-clinical-manifestations-and-diagnosis
  5. Stewart, D.B. (2021). Anal fissure: Clinical manifestations, diagnosis, prevention. UpToDate. Retrieved August 22, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/anal-fissure-clinical-manifestations-diagnosis-prevention
  6. Wang, Y.H., Wiseman, J. (2021). Anatomy, abdomen and pelvis, rectum. StatPearls. Retrieved August 24, 2021, from https://www.statpearls.com/articlelibrary/viewarticle/29712/
  7. Ahmed, A., Qureshi, W. (2021). Anatomy, abdomen and pelvis, anal canal. StatPearls. Retrieved August 24, 2021, from https://www.statpearls.com/articlelibrary/viewarticle/26783/

Aprende mais com a Lecturio:

Complementa o teu estudo da faculdade com o companheiro de estudo tudo-em-um da Lecturio, através de métodos de ensino baseados em evidência.

Estuda onde quiseres

A Lecturio Medical complementa o teu estudo através de métodos de ensino baseados em evidência, vídeos de palestras, perguntas e muito mais – tudo combinado num só lugar e fácil de usar.

User Reviews

Details