Metabolismo dos Corpos Cetónicos

Os corpos cetónicos são uma importante fonte de energia e o seu metabolismo é um processo fortemente regulado. Quando as reservas de glucose no corpo diminuem, mais ácidos gordos são disponibilizados ao fígado para oxidação, levando à consequente produção de moléculas ricas em energia, sobretudo acetil-CoA. O acetil-CoA pode entrar no ciclo do ácido cítrico no fígado ou ser utilizado para a síntese de corpos cetónicos. Estes, posteriormente, podem viajar através do sangue por todo o corpo. As células (sobretudo no músculo esquelético e no cérebro) conseguem converter os corpos cetónicos de volta para acetil-CoA, que consegue assim entrar no ciclo do ácido cítrico e produzir ATP. Os corpos cetónicos constituem uma forma do corpo utilizar a energia armazenada na gordura quando a glucose está indisponível ou a sua utilização é impossível.

Última atualização: Apr 17, 2025

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Os Corpos Cetónicos e a Sua Função

  • Os 3 tipos principais de cetonas são produzidos no fígado:
    • Acetoacetato
    • Acetona: um produto da descarboxilação do acetoacetato (espontaneamente ou pela ação da acetoacetato descarboxilase)
    • β-hidroxibutirato:
      • O corpo cetónico mais abundante
      • Derivado do acetoacetato pela ação da D-β-hidroxibutirato desidrogenase
  • Outras cetonas são sintetizadas a partir do metabolismo dos triglicerídeos (ou seja, β-cetopentanoato, β-hidroxipentanoato).
  • Os corpos cetónicos são produzidos durante os períodos em que as células não conseguem utilizar glucose, que inlcuem:
    • Baixa disponibilidade de glucose:
      • Fome/jejum
      • Dietas muito pobres em carboidratos
    • Défice ou resistência à insulina (por exemplo, diabetes mellitus)
  • Libertados pelo fígado após o consumo de glicogénio.
  • As cetonas têm um cheiro frutado característico.
  • Funções:
    • Fonte de energia para o coração, cérebro e músculo durante períodos de baixa disponibilidade de glucose:
      • Convertidas em acetil-CoA nas células alvo, que depois é usada para gerar ATP no ciclo do ácido cítrico
      • O acetoacetato produz 2 GTP e 22 ATP
    • O cérebro depende dos corpos cetónicos como a sua única fonte de energia durante os períodos de jejum porque a barreira hematoencefálica não é permeável aos ácidos gordos.

Vídeos recomendados

Cetogénese

A cetogénese é o processo de formação de corpos cetónicos, que ocorre nas mitocôndrias dos hepatócitos.

Regulação

  • A insulina (principal regulador) inibe a cetogénese.
    • Inibe a lipólise → ↓ ácidos gordos livres (AGL) disponíveis
    • Inibe a oxidação dos AGL
    • Estimula a lipogénese
    • Estimula a HMG-CoA redutase
  • Reguladores adicionais
    • Glucagon (estimulatório)
    • Cortisol
    • Hormonas tiroideias
    • Catecolaminas
    • Etanol
  • Durante a inanição, a acetil-coenzima A (CoA) é usada na cetogénese porque os intermediários do ciclo do ácido cítrico não estão prontamente disponíveis.

Síntese

  • A tiolase catalisa a combinação de 2 moléculas de acetil-CoA → acetoacetil-CoA
  • A HMG-CoA sintase converte o acetoacetil-CoA → β-hidroxi-β-metilglutaril-CoA (HMG-CoA)
    • O HMG-CoA é um ponto de ramificação: pode ser convertido em corpos cetónicos ou em colesterol
    • Enzima limitante tanto para a síntese de corpos cetónicos e de colesterol.
  • A HMG-CoA liase quebra o HMG-CoA em acetoacetato (1º corpo cetónico) + acetil-CoA
  • O acetoacetato permite formar outros corpos cetónicos:
    • D-β-hidroxibutirato (ácido β-hidroxibutírico) através da ação da β-hidroxibutirato desidrogenase
    • Acetona via descarboxilação não enzimática
Steps required for the synthesis of ketone bodies

Etapas necessárias para a síntese de corpos cetónicos

Imagem de Lecturio.

Transporte e Utilização

  • Os corpos cetónicos são entregues às células como fonte de energia durante o jejum.
  • Fontes de energia durante o jejum:
    • Glicogenólise (1º): o glicogénio é metabolizado em glucose → metabolizada em acetil-CoA → entra no ciclo do ácido cítrico.
    • Gluconeogénese: A glucose é sintetizada a partir de fontes não-carbohidratos.
    • Lipólise: os triglicerídeos são degradados em AGL → os AGL sofrem β-oxidação para produzir acetil-CoA, que entra no ciclo do ácido cítrico.
    • Cetogénese: aumenta significativamente quando outros intermediários necessários ao ciclo do ácido cítrico são depletados, e quando o acetil-CoA aumenta devido à oxidação dos AGL.
  • O acetoacetato e o β-hidroxibutirato são corpos cetónicos hidrossolúveis que conseguem viajar livremente pelo sangue.
  • A acetona não é uma molécula produtiva, sendo expelida pelos pulmões.
  • Outros corpos cetónicos são excretados na urina antes de chegarem aos tecidos-alvo e se tornarem energeticamente úteis.
  • O acetoacetil-CoA é hidrolisado pela tiolase em 2 moléculas de acetil-CoA, que são utilizadas no ciclo do ácido cítrico.
Citric acid cycle

Ciclo do ácido cítrico:
Os ácidos gordos livres (AGL) são transportados até ao fígado (e alguns locais extra-hepáticos), onde são ativados em cadeias lipídicas de acil-CoA e, de seguida, metabolizados via β-oxidação em moléculas individuais de acetil-CoA. Quando a glucose é limitada, o acetil-CoA é convertido em corpos cetónicos. O acetoacetato e o β-hidroxibutirato viajam pelo sangue até aos tecidos extra-hepáticos onde são necessários (ex, músculo, cérebro) e convertidos de volta em acetil-CoA, que entra, posteriormente, no ciclo do ácido cítrico para gerar energia sob a forma de ATP. Algum do acetoacetato sofre uma conversão não enzimática em acetona, outro corpo cetónico, que entra no sangue e é exalado pelos pulmões. Outros corpos cetónicos são excretados pela urina antes de chegar aos seus tecidos extra-hepáticos alvo.
FFA (AGL): ácidos gordos livres
Linha sólida: via principal
Linha tracejada: Vias minor

Imagem de Lecturio.

Relevância Clínica

  • Cetoacidose diabética (CAD): a ausência de insulina (ou a resistência significativa à mesma) pode aumentar a β-oxidação dos ácidos gordos devido à influência do glucagon. Esse fenómeno aumenta drasticamente a produção de corpos cetónicos, levando a um estado de cetose. A cetoacidose diabética ocorre quando há uma acumulação prolongada de cetoácidos e de outros ácidos de produção endógena na corrente sanguínea, levando ainda à acidose metabólica de gap aniónico aumentado. A CAD pode causar confusão, respiração de Kussmaul e edema cerebral.
  • Cetose: condição observada em casos de jejum prolongado, fome e desnutrição (dietas extremamente pobres em carboidratos), em que as reservas de glicose são esgotadas e a cetogénese aumenta drasticamente.
  • HMG-CoA e estatinas: o HMG-CoA é um intermediário tanto da síntese de corpos cetónicos como de colesterol. A enzima HMG-CoA sintase produz HMG-CoA a partir de acetil-CoA e de acetoacetil-CoA. As estatinas são um grupo de fármacos que bloqueia a enzima HMG-CoA redutase, que catalisa a síntese de colesterol no fígado. São habitualmente utilizadas no tratamento de doenças cardiovasculares.

Referências

  1. Fedorovich, S. V., Voronina, P. P., Vladychenskaya, E. A., & Dobrota, D. (2018). Ketogenic diet vs ketoacidosis in neurons. Neural Regeneration Research, 13(12), 2060–2063. https://doi.org/10.4103/1673-5374.241442
  2. Giuliani, G., & Longo, V. D. (2024). Ketone bodies in cell physiology and cancer. American Journal of Physiology-Cell Physiology, 326(3), C948–C963. https://doi.org/10.1152/ajpcell.00441.2023
  3. Grabacka, M., Pierzchalska, M., Dean, M., & Reiss, K. (2016). Ketone metabolism and PPARα. International Journal of Molecular Sciences, 17(12), Article 2093. https://doi.org/10.3390/ijms17122093
  4. Kossoff, E. H., Zupec-Kania, B. A., Auvin, S., Cervenka, M. C., & Berry-Kravis, E. (2018). Dietary therapies in epilepsy. Epilepsia Open, 3(2), 175–192. https://doi.org/10.1002/epi4.12225
  5. Nelson, D. L., & Cox, M. M. (2021). Lehninger principles of biochemistry (8th ed.). W.H. Freeman and Company.
  6. Newman, J. C., & Verdin, E. (2017). β-Hydroxybutyrate as a signaling metabolite. Annual Review of Nutrition, 37, 51–76. https://doi.org/10.1146/annurev-nutr-071816-064916
  7. Puchalska, P., & Crawford, P. A. (2017). Multi-dimensional roles of ketone bodies. Cell Metabolism, 25(2), 262–284. https://doi.org/10.1016/j.cmet.2016.12.022
  8. Tsuruta, H., Takakura, W., Yamamoto, S., & Sugiyama, H. (2024). Emerging pathophysiological roles of ketone bodies. Physiology, 39(3), 167–177. https://doi.org/10.1152/physiol.00031.2023
  9. Yamahara, K., Saito, M., Tanaka, T., Nangaku, M., & Inagi, R. (2024). Ketone body metabolism in diabetic kidney disease. Kidney360, 5(2), 320–326. https://doi.org/10.34067/KID.0000000000000359

Aprende mais com a Lecturio:

Complementa o teu estudo da faculdade com o companheiro de estudo tudo-em-um da Lecturio, através de métodos de ensino baseados em evidência.

Estuda onde quiseres

A Lecturio Medical complementa o teu estudo através de métodos de ensino baseados em evidência, vídeos de palestras, perguntas e muito mais – tudo combinado num só lugar e fácil de usar.

User Reviews

Details