Hemangioblastoma

Os hemangioblastomas são neoplasias vasculares do SNC. Estes são raros e frequentemente associados à doença de von Hippel-Lindau (VHL). A apresentação mais comum é a cefaleia e, dependendo do tamanho e localização do tumor, os doentes podem apresentar défices sensitivos e fraqueza motora. A imagem é o principal método de rastreio, sendo necessária uma avaliação histopatológica para diagnóstico definitivo. A cirurgia está, frequentemente, indicada no tratamento de hemangioblastomas, embora, dependendo do tamanho, número e localização dos tumores, a radioterapia também possa ser necessária. O prognóstico é, geralmente, bom nos hemangioblastomas solitários, mas os tumores associados à VHL estão, frequentemente, associados a um pior prognóstico e a um maior risco de recorrência.

Última atualização: Jun 24, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Definição

Os hemangioblastomas são neoplasias do SNC raras, benignas, de crescimento lento, altamente vasculares, que têm alta associação com a doença de von Hippel-Lindau (VHL). A doença de VHL é uma condição autossómica dominante caracterizada por uma variedade de tumores benignos e malignos.

  • Os tumores são encontrados com maior frequência no cerebelo.
  • Os hemangioblastomas são encontrados frequentemente no parênquima, ligados ou junto à pia-mater, uma parte das meninges (composta por 3 camadas fibrosas) que encerram o SNC:
    • Dura-máter: camada externa, forma uma bainha de colagénio resistente
    • Aracnoide-máter: camada intermédia, composta por epitélio escamoso simples com uma rede laxa de colagénio e fibras elásticas
    • Pia-máter: camada interna fina em contacto com o cérebro e com a medula espinhal
Tabela: Classificação dos tumores do sistema nervoso
Categorias Tumores específicos
Tumores neuroepiteliais no SNC
  • Astrocitomas, incluindo o glioblastoma multiforme
  • Oligodendroglioma
  • Ependimoma e tumores do plexo coroide
  • Meduloblastomas (tumores embrionários)
Tumores meníngeos
  • Meningiomas
  • Hemangioblastomas
Tumores da região selar
  • Craniofaringioma
  • Adenoma hipofisário
  • Pinealoma/pinealoblastoma
Linfoma primário do SNC Linfoma primário do SNC
Metástases cerebrais (5x mais comuns do que tumores cerebrais primários) Mais frequentemente decorrentes de:
  • Carcinomas do pulmão, mama e de células renais
  • Melanoma
Tumores periféricos
  • Schwannomas, incluindo neurinomas acústicos
  • Neuroblastoma

Epidemiologia

  • Esporádico: 75%
  • Associado à VHL: 25%
  • Incidência:
    • Extremamente raro
    • 2,5% de todas as neoplasias intracranianas
    • 5% dos tumores da medula espinhal
  • Sexo: A incidência é maior em homens do que em mulheres (2:1).
  • Idade:
    • As crianças raramente são afetadas.
    • A idade de pico de incidência é dos 20 aos 50 anos.

Etiologia

  • A causa exata do hemangioblastoma não é conhecida.
  • Considera-se que a origem etiológica seja uma mutação no gene VHL devido à elevada associação ao VHL.

Fisiopatologia

Localização do tumor

Os hemangioblastomas crescem ligados à pia-máter (camada meníngea mais interna)

  • Parênquima do cerebelo
  • Tronco cerebral
  • Medula espinhal

Patogénese

Embora os hemangiomas esporádicos não tenham uma patogénese clara, acredita-se que os hemangiomas associados a VHL sejam causados por uma mutação no gene VHL. Até 50% dos hemangioblastomas esporádicos apresentam, também, mutações ou deleções no gene VHL.

  • Gene VHL:
    • Gene supressor tumoral encontrado no cromossoma 3p
    • Responsável pela inibição do fator-2α induzido por hipóxia (HIF-2α, pela sigla em inglês), por degradação proteassómica mediada por ubiquitina
  • HIF-2α:
    • Parte de um grande complexo proteico do fator de transcrição denominado HIF, que está envolvido na regulação da capacidade do corpo em se adaptar às mudanças nos níveis de oxigénio
    • O HIF pode induzir a expressão de mais de 70 genes-alvo, incluindo:
      • Fator de crescimento endotelial vascular (VEGF, pela sigla em inglês)
      • Fator de crescimento derivado de plaquetas (PDGF, pela sigla em inglês)
      • Eritropoietina
      • Fator de crescimento transformador α (TGF-α, pela sigla em inglês)
  • Quando está disponível a concentração de oxigénio adequada, a proteína VHL ajuda a suprimir o HIF.
  • Um gene VHL disfuncional (causado por mutação ou deleção) pode levar à acumulação de HIF-α devido à incapacidade de degradar o HIF-2α.
  • A estabilização do HIF-2α permite que ele induza a expressão dos seus genes alvo → ↑ fatores angiogénicos → crescimento tumoral

Desenvolvimento de sintomas

O desenvolvimento de sintomas é causado por:

  • Compressão direta do tumor nas estruturas neuronais
  • Hemorragia peritumoral
  • Complicações paraneoplásicas

Apresentação Clínica e Complicações

Apresentação clínica

Os sintomas dependem da localização e da progressão do tumor. Os sintomas mais frequentemente observados são:

  • Dor de cabeça: mais comum
  • Dor local (comum em lesões da medula espinhal)
  • Ataxia cerebelar e descoordenação
  • Aumento da pressão intracraniana (PIC) devido a hidrocefalia obstrutiva
  • Disfunção do nervo oculomotor
  • Fraqueza motora
  • Défices sensitivos

Hemangioblastomas esporádicos versus associados a VHL

Tabela: Apresentações clínicas típicas de hemangioblastomas esporádicos versus hemangioblastomas associados a VHL
Hemangioblastoma esporádico Hemangioblastoma associado a VHL
Apresenta-se como um tumor solitário Tumores múltiplos ao longo do neuroeixo
Geralmente ocorre na 3ª ou 4ª década de vida Diagnosticado numa idade mais jovem (2ª década)
Frequentemente apresenta-se como um tumor isolado no cerebelo 50% dos tumores estão localizados na medula espinhal, 40% no cerebelo e 10% no tronco cerebral.

Complicações

As complicações geralmente ocorrem devido ao aumento do tamanho do tumor (> 1,5 cm), por causar compressão ou hemorragia espontânea:

  • Sintomas de aumento da PIC/hidrocefalia obstrutiva rápida
  • Alteração do estado de consciência
  • Policitemia devido à produção ectópica de eritropoietina (síndrome paraneoplásica)
  • Tetraplegia

Diagnóstico

Embora a principal ferramenta diagnóstica seja a imagem, o exame diagnóstico de eleição requer uma análise histopatológica de uma amostra obtida por biópsia.

Imagiologia

Todo o eixo neuronal deve ser visualizado para descartar múltiplas lesões, que são comuns em casos de VHL.

  • RMN com contraste:
    • A RMN com gadolínio é o método de imagem mais sensível para diagnosticar o hemangioblastoma.
    • Características típicas:
      • Nódulo, com captação de contraste, associado a um quisto (60% dos tumores)
      • Tumor sólido com captação de contraste (40%)
    • T1 mostra um nódulo hipointenso a isointenso
    • T2 mostra um nódulo hiperintenso
    • Qualquer quisto presente tem a mesma densidade que o LCR.
  • TC:
    • Não é o método de diagnóstico preferido, porque os tumores pequenos podem ser ofuscados por artefactos ósseos
    • A TC sem contraste mostra um nódulo isointenso.
    • Com contraste: realce homogéneo e intenso dos nódulos
    • A TC também é usada como adjuvante à angiografia quando o doente não pode ser submetido à RMN.
  • Angiografia cerebral e medular:
    • Observa-se um tumor altamente vascular com artérias aumentadas e veias dilatadas.
    • Pode detetar suprimento sanguíneo para o tumor → auxilia o cirurgião na resseção adequada do tumor
Hemangioblastoma

Imagens radiográficas de hemangioblastomas:
A: RMN axial com contraste, ponderada em T1, a demonstrar um hemangioblastoma cerebelar com um nódulo mural captante e um quisto peritumoral
B: RMN sagital com contraste, ponderada em T1, a revelar um hemangioblastoma medular captante, com edema vasogénico circundante
C: RMN sagital com contraste, ponderada em T1, a demonstrar um hemangioblastoma posterior/dorsal captante, com siringe associada

Imagem: “Hemangioblastoma” por Department of Neurological Surgery, Ohio State University Wexner Medical Center , Columbus, OH , USA. Licença: CC BY 4.0

Exame oftalmológico

  • Os hemangioblastomas têm uma alta associação com VHL, que está associada aos hemangioblastomas da retina.
  • A angiografia retiniana pode ser realizada para descartar a presença de um hemangioblastoma retiniano.
Doença de von hippel-lindau com maculopatia exsudativa

Angiografia de fluoresceína do olho direito a demonstrar um hemangioblastoma temporal superior da retina com a artéria e veia de drenagem

Imagem: “Fluorescein angiogram of right eye” por Vitreoretinal Division, Department of Ophthalmology, Al-Hussein Hospital, King Hussein Medical Center, Amman, Jordan. Licença: CC BY 2.0

Histopatologia

  • Exame de eleição para diagnóstico
  • Exame macroscópico: nódulos vermelhos bem circunscritos e altamente vasculares
  • Exame microscópico:
    • Extensas redes vasculares com capilares estruturalmente normais
    • Células estromais neoplásicas:
      • Núcleos hipercromáticos e pleomórficos
      • Baixa taxa mitótica
      • Sem atipias
      • Fibras de Rosenthal
  • Podem surgir 2 componentes celulares distintos no mesmo tumor:
    • Tipo 1: pequenas células endoteliais perivasculares com núcleos hipercromáticos e citoplasma esparso
    • Tipo 2: citoplasma vacuolado e rico em lípidos
Hemangioblastoma do nervo óptico

Fotomicrografia de H&E de um hemangioblastoma do nervo óptico (localização incomum) a revelar um tumor marcadamente vascular com células estromais lipidizadas (×200)

Imagem: “Optic nerve hemangioblastoma” por Department of Surgery, Division of Neurosurgery, University of Alabama at Birmingham, Birmingham, AL 35294, USA. Licença: CC BY 3.0

Tratamento e Prognóstico

A resseção cirúrgica é a principal abordagem no tratamento de hemangioblastomas. Terapias adjuvantes são frequentemente necessárias nos hemangioblastomas associados a VHL, e as opções incluem radioterapia, embolização endovascular e terapia antiangiogénica.

Tratamento cirúrgico

A cirurgia é a principal abordagem definitiva para tratar os hemangioblastomas, pois são tumores benignos e não invasivos.

  • Os tumores geralmente são bem demarcados das estruturas circundantes, mas são altamente vasculares e localizados em áreas neurologicamente sensíveis.
  • A angiografia pré-operatória é útil para identificar as artérias de alimentação.
  • Necessidade de terapia adjuvante:
    • Geralmente não é necessária em tumores únicos esporádicos
    • Normalmente necessária em tumores associados a VHL e/ou múltiplos

Outras modalidades terapêuticas

  • Radioterapia:
    • A radioterapia pós-operatória reduz a recorrência de hemangioblastomas.
    • Indicações:
      • Lesões inacessíveis cirurgicamente
      • Lesões múltiplas
  • Embolização endovascular:
    • Objetivo: diminuir a vascularização do tumor e reduzir as complicações intraoperatórias da hemorragia
    • Tumores grandes podem ser consideravelmente reduzidos para facilitar a resseção.
  • Inibidores angiogénicos: bevacizumab
    • Mecanismo de ação: um anticorpo monoclonal liga-se e inibe os efeitos do VEGF → ↓ angiogénese
    • Usos: doentes com tumores VHL, que não respondem ou não são recetivos à cirurgia ou radiação
  • Inibidor HIF-2ɑ (belzutifan):
    • Para indivíduos com doença de VHL
    • Usado para atrasar a cirurgia naqueles cujos tumores apresentam um crescimento rápido
    • Também benéfico em indivíduos com tumores refratários ou recorrentes

Prognóstico

O prognóstico é bom, na maioria dos hemangioblastomas tratados:

  • A resseção cirúrgica limpa (com margens cirúrgicas negativas), principalmente em tumores solitários esporádicos, garante um bom prognóstico.
  • A deteção e intervenção precoces são favoráveis.
  • Hemangioblastomas associados à VHL:
    • Maior probabilidade de recorrência do que tumores esporádicos
    • Pior prognóstico
    • Maior associação com défices neurológicos

Diagnóstico Diferencial

  • Meningioma: tumores que surgem das meninges do cérebro e da medula espinhal. Os meningiomas são frequentemente assintomáticos, mas podem apresentar-se com cefaleia, convulsões e distúrbios visuais. O diagnóstico é realizado por RMN e biópsia. Os casos assintomáticos são normalmente mantidos em observação, enquanto que os doentes sintomáticos são tratados cirurgicamente ou com radiação. Ao contrário dos hemangioblastomas, os meningiomas estão sempre próximos às meninges e geralmente apresentam achados na imagem de fixação dural (e.g., sinal da cauda dural).
  • Glioblastoma multiforme: astrocitoma de grau IV segundo a classificação da OMS, rapidamente progressivo que surge de astrócitos (células gliais no cérebro) e apresenta-se clinicamente como dor de cabeça, náuseas, sonolência, visão turva, alterações de personalidade e convulsões. A imagem, a apresentação clínica e a biópsia são os pilares diagnósticos. O tratamento inclui radioterapia, quimioterapia e excisão cirúrgica. O prognóstico é mau, mesmo com o tratamento. Ao contrário do hemangioblastoma, o glioblastoma multiforme não está associado à VHL.
  • Oligodendroglioma: tumor do SNC que se origina a partir de oligodendrócitos. O oligodendroglioma pode apresentar-se com défices neurológicos focais, convulsões e alterações de personalidade, dependendo da localização exata. O diagnóstico é realizado por RMN e biópsia. Os oligodendrogliomas desenvolvem-se frequentemente nos hemisférios cerebrais, normalmente no lobo frontal, e raramente são encontrados na região infratentorial ou na medula espinhal. O tratamento envolve resseção cirúrgica, possivelmente acompanhada de radioterapia e/ou quimioterapia.
  • Aneurisma cerebral: fraqueza na parede de um vaso sanguíneo que abastece o cérebro, que dilata e corre o risco de romper. Um aneurisma não roto geralmente é assintomático e a sua rutura causa cefaleia súbita e intensa. Os aneurismas cerebrais são diagnosticados com TC, angiografia ou ultrassonografia. O tratamento depende da localização e é tipicamente tratado com endoprótese endovascular.

Referências

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  2. Slavin, K.V. (2017). Hemangioblastoma. Medscape. Retrieved May 20, 2021, from https://emedicine.medscape.com/article/250670-overview
  3. Pernick, N. (2021). CNS tumors—other tumors—hemangioblastoma. Pathology Outlines. Retrieved May 20, 2021, fromhttps://www.pathologyoutlines.com/topic/cnstumorhemangioblastoma.html 
  4. Kim W.Y., Kaelin W.G. (2004). Role of VHL gene mutation in human cancer. J Clin Oncol. Retrieved June 1, 2021, from https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/15611513/ 
  5. Dengler, V. L., Galbraith, M., Espinosa, J. M. (2014). Transcriptional regulation by hypoxia inducible factors. Critical reviews in biochemistry and molecular biology, 49(1):1–15. Retrieved June 1, 2021, from https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4342852/

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