Dorsalgia

A dorsalgia é uma queixa comum na população geral e na sua maioria é autolimitada. A dorsalgia pode ser classificada como aguda, subaguda ou crónica, dependendo da duração dos sintomas. A extensa variedade de potenciais etiologias inclui causas degenerativas, mecânicas, malignas, infeciosas, reumatológicas e extraespinhais. Uma história clínica e um exame físico completos são necessários para orientar o diagnóstico. A investigação adicional não é rotineiramente necessária, exceto perante evidência de doença grave (e.g., défices neurológicos, incontinência urinária/fecal, sintomas infeciosos ou malignidade). O tratamento é variável de acordo com a causa, mas a maioria dos casos é tratado com medidas conservadoras e analgesia.

Última atualização: Jun 27, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Epidemiologia e Etiologia

Epidemiologia

A dorsalgia é uma queixa comum entre os adultos:

  • A maioria dos adultos desenvolverá dorsalgia ao longo da sua vida
  • Problema musculoesquelético mais comum globalmente
  • Uma das principais causas de incapacidade

Fatores de risco

  • Obesidade
  • Idade
  • Sexo feminino
  • Tabagismo
  • Ocupação (e.g., atividade intensa, trabalho sedentário)
  • Psicológico (e.g., somatização, ansiedade, depressão)

Etiologia

  • Dorsalgia inespecífica (mais comum): sem condição subjacente
  • Mecânico:
    • Tensão muscular
    • Fratura de compressão vertebral
    • Hérnia discal
    • Espondilolistese (deslizamento anterior de uma vértebra em relação à vértebra subjacente)
    • Escoliose e hipercifose
    • Disfunção da articulação sacroilíaca
  • Degenerativo:
    • Espondilose (termo não específico para alterações degenerativas da coluna vertebral)
    • Osteoartrose
    • Radiculopatia (disfunção da raiz do nervo espinhal por inflamação, compressão ou dano)
    • Estenose espinhal
    • Compressão da cauda equina
  • Infecioso:
    • Abcesso epidural
    • Discite
    • Osteomielite vertebral
  • Maligno:
    • Neoplasia da coluna
    • Neoplasia metastática
  • Reumatológico:
    • Espondilite anquilosante
    • Artrite reativa
    • Artrite psoriática
    • Espondiloartropatia enteropática
    • Fibromialgia
  • Causas extraespinhais:
    • Stress psicológico
    • Pancreatite
    • Nefrolitíase
    • Pielonefrite
    • Aneurisma da aorta abdominal
    • Herpes zoster

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Apresentação Clínica

Classificação

A dorsalgia é classificada com base na duração dos sintomas:

  • Agudo: sintomas < 4 semanas
  • Subagudo: sintomas 4–12 semanas
  • Crónico: sintomas > 12 semanas

História

  • Caraterísticas da dor:
    • Localização
    • Início e duração
    • Período do dia
    • Qualidade da dor
    • Gravidade
    • Irradiação
    • Fatores de alívio e agravamento
  • Sintomas associados:
    • Dormência
    • Parestesia
    • Claudicação
    • Fraqueza muscular
    • Instabilidade da marcha
  • Revisão dos sistemas (a lista não é exaustiva):
    • Perda ponderal não intencional → malignidade
    • Febre ou calafrios → infeção
    • Exantema cutâneo → herpes zoster
    • Incontinência urinária ou fecal → compressão da medula espinhal
    • Dor no flanco e sintomas urinários → infeção do trato urinário ou nefrolitíase
  • Trauma recente
  • Antecedentes médicos:
    • Antecedentes de dorsalgia
    • Consumo de drogas IV
    • Malignidade
    • Doença reumatológica
    • Osteoporose
    • Uso de corticóides e imunossupressão
    • Infeção bacteriana recente
    • Procedimento raquidiano ou epidural
    • Incapacidade
    • Stress social ou psicológico

Mnemónica

As perguntas abertas importantes a serem feitas ao avaliar um doente com dor podem ser memorizadas com a mnemónica OPQRST:

  • O: onset (início)
  • P: provocation and palliation (fatores desencadeantes e de alívio)
  • Q: quality (qualidade da dor)
  • R: radiation or region (irradiação ou região)
  • S: severity (gravidade)
  • T: timing (tempo de evolução)

Exame físico

Exame geral:

  • Inspeção:
    • Postura
    • Deformidades
    • Eritema
    • Exantema cutâneo
  • Palpação da coluna e dos músculos paraespinhais:
    • Sensibilidade
    • Tónus muscular
    • Edema
    • Assimetria
    • Massas
  • Amplitude de movimento (ROM, pela sigla em inglês):
    • Flexão
    • Extensão
    • Flexão lateral
  • Exame neurológico para avaliar toda a medula espinhal:
    • Reflexos tendinosos profundos (DTR, pela sigla em inglês)
    • Avaliação da força
    • Sensação (distribuição por dermátomos)
    • Marcha

Manobras específicas:

  • Teste de elevação da perna estendida:
    • Deitar o doente em decúbito dorsal e testar as duas pernas.
    • A perna em extensão é elevada passivamente com o pé em dorsiflexão.
    • Resultado: aumento da tensão lombar inferior e da tensão sacro superior-dura.
    • Um teste positivo desencadeia um agravamento da dor radicular na perna elevada.
    • Avalia a radiculopatia lombossagrada (ciática)
  • Teste de Patrick:
    • Deitar o doente em decúbito dorsal e instruir para a colocação de um pé no joelho oposto.
    • A anca contralateral é apoiada pelo examinador e é aplicada pressão para baixo sobre joelho em flexão.
    • Um teste positivo desencadeia dor na articulação sacroilíaca.
    • Indica eventual patologia da articulação sacroilíaca

Sinais e sintomas de alarme

Os seguintes sintomas sugerem uma patologia grave e devem suscitar uma avaliação urgente:

  • Défices neurológicos:
    • Fraqueza muscular
    • Perturbação da marcha
    • Anestesia em sela
    • Disfunção vesical ou intestinal
  • Febre
  • Perda ponderal inexplicável
  • Dorsalgia noturna severa

Diagnóstico

Imagiologia

A maioria dos doentes com dorsalgia não necessita de exames imagiológicos.

Indicações:

  • Trauma agudo
  • Sinais ou sintomas de alarme
  • Suspeita clínica elevada para infeção ou malignidade:
    • Neoplasia diagnosticada ou suspeita
    • Fatores de risco de infeção:
      • Imunossupressão
      • Consumo de drogas IV
      • Cirurgia recente
      • Trauma penetrante
      • Infeção bacteriana
  • Suspeita clínica elevada para condições ameaçadoras da vida:
    • Dor dilacerante aguda na região superior ou média das costas
    • Aorta abdominal > 5 cm (especialmente se sensível) ou défices de pulso nos membros inferiores
    • Alterações gastrointestinais:
      • Sinais peritoneais
      • Sensibilidade abdominal
      • Melenas
      • Hematoquézias
  • Dor incapacitante

Modalidades de imagem:

  • Radiografia simples:
    • As incidências anteroposterior e lateral geralmente são adequadas.
    • Útil para avaliar:
      • Fraturas osteoporóticas ou de compressão
      • Lesões ósseas líticas (malignidade)
      • Espondilolistese
      • Mau alinhamento
      • Osteoartrose
      • Perda de altura do disco
  • RM:
    • A melhor avaliação inicial em doentes que necessitam de imagiologia avançada
    • Útil na avaliação de:
      • Ligamentos
      • Discos intervertebrais
      • Raízes nervosas
      • Forma e tamanho do canal vertebral
      • Medula espinhal
    • Específico e sensível para malignidade e infeção
  • A TC é uma opção para os doentes que não podem ser submetidos a RM.

Estudos laboratoriais

  • A maioria dos doentes não necessita de estudos laboratoriais.
  • A velocidade de hemossedimentação (VS), a PCR e o hemograma completo podem ser úteis na suspeita de etiologia inflamatória ou infeciosa.

Tratamento

Medidas conservadoras

  • Educação e tranquilização
  • Aplicação de calor ou frio
  • Massagem
  • Exercício e fisioterapia
  • Melhoria da postura
  • Acupuntura
  • Manipulação da coluna

Tratamento farmacológico

  • Terapêutica inicial:
    • AINEs
    • Paracetamol
  • Relaxantes musculares (terapêutica de 2.ª linha):
    • Controverso
    • Sedativos (principalmente nos idosos)
    • Mais útil se espasmo muscular associado
    • Idealmente prescrito apenas para terapêutica de curta duração
  • Dor intensa ou refratária:
    • Opioides
      • Só adicionado à terapêutica quando os outros analgésicos falham ou estão contraindicados
      • Pode provocar sedação, obstipação e dependência
      • Evicção do uso prolongado.
    • Glucocorticoides:
      • Burst and taper” (explosão e afunilamento) de corticoides
      • Por vezes usados para a inflamação aguda ou conflito de raízes nervosas com ponte para terapêutica mais definitiva
      • Evicção do uso prolongado.

Procedimentos de intervenção na dor

  • Podem ser úteis quando a terapêutica conservadora e a analgesia não foram eficazes
  • Opções de injeção:
    • Injeções epidurais (por ordem de especificidade para a geração de dor):
      • Caudal
      • Interlaminal
      • Transforaminal
    • Injeções na articulação facetária
    • Injeções na articulação sacroilíaca
    • Injeções no ponto gatilho
    • Bloqueio de nervos periféricos
  • Neuromodulação
    • Estimulação da medula espinhal
    • Estimulação sagrada
    • Estimulação de gânglios das raízes dorsais
  • Intervenções percutâneas avançadas:
    • Fusão de articulações sacoilíacas
    • Espaçamento interespinhoso
    • Ablação de nervo intradiscal
    • Cifoplastia

Tratamento cirúrgico

  • Apenas necessário numa minoria de doentes
  • Indicações:
    • Sintomas refratários e incapacitantes
    • Fraqueza grave ou progressiva
    • Síndrome da cauda equina
    • Infeção (e.g., abcesso epidural)

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Relevância Clínica

  • Síndrome da cauda equina: compressão das raízes nervosas da coluna lombar. A hérnia do disco intervertebral é a causa mais comum. Outras causas incluem espondilite anquilosante, punção lombar, trauma, tumor maligno/benigno e infeção. Os doentes apresentarão dorsalgia, fraqueza nos membros inferiores, alterações sensoriais (como a anestesia em sela) e disfunção intestinal/vesical. Além do exame físico, a imagiologia irá auxiliar a confirmação do diagnóstico. A cirurgia é necessária para aliviar a compressão das raízes nervosas.
  • Neoplasia metastática: Os ossos são locais comuns de metastização. O envolvimento vertebral pode provocar dorsalgia e uma dor súbita e intensa pode indicar a presença de uma fratura patológica. Pode ocorrer uma compressão da medula espinhal ou da raiz nervosa. O diagnóstico pode ser realizado com RM. O tratamento depende da neoplasia, da sua localização e da gravidade dos sintomas. Os cuidados paliativos estão frequentemente recomendados.
  • Abcesso espinhal epidural: acumulação de pus no espaço espinhal epidural. Os doentes podem apresentar febre, mal-estar e dorsalgia localizada (com frequente agravamento em decúbito). Se não for tratado, podem ocorrer défices neurológicos por compressão da medula espinhal ou das raízes nervosas. O diagnóstico é feito com RM. O tratamento inclui antibioterapia e aspiração do abcesso. A cirurgia está indicada em doentes com disfunção neurológica.
  • Osteomielite vertebral: infeção vertebral que ocorre por disseminação hematogénica, inoculação direta ou disseminação contígua a partir dos tecidos moles adjacentes. O principal sintoma é a dor localizada, exacerbada pela atividade física ou pela percussão no local afetado. A modalidade de imagem preferida para o diagnóstico é a RM. O tratamento inclui antibioterapia. A cirurgia pode estar indicada na instabilidade da coluna vertebral, défices neurológicos, compressão medular ou infeção persistente/em agravamento.
  • Fratura de compressão vertebral: frequentemente causada por trauma ou osteoporose. A apresentação clínica inclui dor, frequentemente com irradiação. O movimento agrava a dor e pode estar acompanhada por espasmos musculares. O diagnóstico é feito com exames imagiológicos. O tratamento é geralmente conservador (fisioterapia e analgesia), exceto se evidência de lesão medular associada.
  • Estenose espinhal: estreitamento do canal central, do forame neural ou do recesso lateral. A estenose espinal pode ser causada por alterações degenerativas, espondilolistese, hérnia discal, tumores e fraturas. Enquanto que alguns doentes são assintomáticos, outros podem apresentar dorsalgia, claudicação neurogénica, fraqueza e dormência. O diagnóstico é clínico, confirmado com exames imagiológicos. O tratamento inclui fisioterapia e analgesia. A cirurgia é reservada para casos avançados.

Referências

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  2. Knight, C.L. et al. (2020). Treatment of acute low back pain. In Atlas, S.J. et al. (Ed), UpToDate. Retrieved July 24, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/treatment-of-acute-low-back-pain
  3. Chou, R. (2021). Subacute and chronic low back pain: Nonpharmacologic and pharmacologic treatment. In Atlas, S.J. et al. (Ed), UpToDate. Retrieved July 24, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/subacute-and-chronic-low-back-pain-nonpharmacologic-and-pharmacologic-treatment
  4. Chou, R. (2021). Subacute and chronic low back pain: Nonsurgical interventional treatment. In Atlas, S.J. et al. (Ed), UpToDate. Retrieved July 24, 2021 from https://www.uptodate.com/contents/subacute-and-chronic-low-back-pain-nonsurgical-interventional-treatment
  5. Chou, R. (2021). Subacute and chronic low back pain: Surgical treatment. In Atlas, S.J. et al. (Ed), UpToDate. Retrieved July 24, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/subacute-and-chronic-low-back-pain-surgical-treatment
  6. Hsu, P.S. et al. (2020). Acute lumbosacral radiculopathy: Pathophysiology, clinical features, and diagnosis. In Jeremy, M.S. et al. (Ed), UpToDate. Retrieved July 24, 2021 from https://www.uptodate.com/contents/acute-lumbosacral-radiculopathy-pathophysiology-clinical-features-and-diagnosis
  7. Moley, P.J. (2020). Evaluation of neck and back pain. [online] MSD Manual Professional Version. Retrieved July 24, 2021, from https://www.msdmanuals.com/professional/musculoskeletal-and-connective-tissue-disorders/neck-and-back-pain/evaluation-of-neck-and-back-pain

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