Disseção Aórtica

A disseção da aorta ocorre devido às forças de cisalhamento resultantes da pressão pulsátil, que causam um rasgão na túnica íntima da parede da aorta. Este rasgão permite que o sangue flua para a camada média, criando um “falso lúmen”. A disseção aórtica é habitualmente causada pela hipertensão não controlada. As complicações surgem devido à oclusão parcial de ramos vitais da aorta e à redução do fluxo sanguíneo para o cérebro, órgãos viscerais e extremidades. Os doentes apresentam-se geralmente com dor torácica aguda e dilacerante, anterior ou posterior. A tomografia computadorizada é o exame de diagnóstico de escolha. Todas as disseções do tipo A (aorta ascendente) constituem uma emergência cirúrgica devido ao risco iminente de rotura. As disseções do tipo B (aorta descendente) podem ser tratadas farmacologicamente através do controlo dos impulsos utilizando betabloqueadores e bloqueadores dos canais de cálcio. Se existir evidência de má perfusão dos órgãos viscerais ou extremidades, dilatação do aneurisma para >5 cm, extensão retrógrada para a aorta ascendente ou dor refratária aos fármacos, o doente irá necessitar de avaliação para reparação endovascular ou aberta.

Última atualização: Jan 19, 2024

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Epidemiologia

  • 5-30 casos por 1 milhão de pessoas por ano
  • Mais comum em homens do que em mulheres (3:1)
  • Mais comum em afro-americanos do que em caucasianos
  • Pico de incidência aos 50-65 anos

Etiologia

  • Hipertensão (70% dos doentes com disseção)
  • Aterosclerose
  • Doenças do tecido conjuntivo
    • Síndrome de Marfan
    • Síndrome de Ehlers-Danlos
    • Síndrome de Loeys-Dietz
    • Necrose cística da média
  • Vasculite
    • Arterite de células gigantes
    • Arterite de Takayasu
    • Doença de Behçet
  • Anomalias anatómicas
    • Válvula aórtica bicúspide
    • Coartação da aorta
  • Trauma com desaceleração rápida
  • Iatrogenia
    • Cirurgia cardíaca ou aórtica prévia
    • Cateterismo cardíaco
  • Fármacos / drogas
    • Anfetaminas
    • Cocaína

Classificação

  • Classificação de Stanford:
    • Tipo A: envolvimento da aorta ascendente
    • Tipo B: envolvimento da aorta descendente (distal à origem da artéria subclávia esquerda)
  • Classificação DeBakey:
    • Tipo I: A disseção tem origem na aorta ascendente e envolve a aorta descendente.
    • Tipo II: A disseção envolve apenas a aorta ascendente.
    • Tipo III: A disseção envolve apenas a aorta descendente (distal à artéria subclávia).
      • Tipo IIIa: termina acima do diafragma
      • Tipo IIIb: estende-se inferiormente ao diafragma
Classificações de stanford e debakey para dissecção de aorta

Classificações de Stanford e DeBakey para a disseção da aorta

Imagem de Lecturio.

Fisiopatologia

  • A aorta tem maior probabilidade de rotura do que qualquer outro vaso do corpo.
    • 90% das disseções ocorrem nos primeiros 10 cm da válvula aórtica.
    • A segunda localização mais comum é logo distalmente à origem da subclávia esquerda.
  • Fatores que contribuem para a lesão aórtica:
    • Pressão pulsátil persistentemente elevada e respetivas forças de cisalhamento.
    • As doenças do tecido conjuntivo são caracterizados pela necrose cística da média.
      • Alterações degenerativas do colagénio, elastina e músculo liso
      • Enfraquece a parede da aorta
  • Ocorre uma rotura da íntima → o sangue flui para a média → formação de um falso lúmen
    • Lúmen verdadeiro
      • Revestido pela íntima
      • Normalmente é o lúmen menor
    • Lúmen falso
      • Dentro da média
      • Lúmen maior, fluxo mais lento e pressões médias elevadas
      • As pressões elevadas podem causar compressão do lúmen verdadeiro.
  • As disseções podem estender-se proximalmente e/ou distalmente por distâncias variáveis.
    • Anterogradamente em direção à bifurcação ilíaca
    • Retrogradamente em direção à raiz da aorta e ao coração
  • Consequências:
    • Fornecimento de sangue comprometido para os ramos arteriais da aorta
      • AVC isquémico
      • Isquemia da medula espinhal
      • Isquemia mesentérica
      • Isquemia renal
    • Se a disseção chegar à adventícia, há um risco significativo de rotura aórtica.
      • Risco aumentado nas disseções da aorta ascendente
      • Leva a choque hemorrágico e morte
    • Sintomas compressivos pelo lúmen falso aumentado
    • Disseções da aorta ascendente:
      • Hemopericárdio → tamponamento cardíaco
      • Oclusão do seio coronário → isquemia coronária
      • Insuficiência aórtica (IA) grave → insuficiência cardíaca
    • Disseções da aorta descendente: extensão para as artérias ilíacas → claudicação e isquemia do membro
  • Outros mecanismos de disseção:
    • Rotura dos vasa vasorum → hematoma intramural → pode romper a íntima sobrejacente
    • Úlcera aórtica penetrante por doença aterosclerótica

Apresentação Clínica

Sintomas

  • Dor torácica de início súbito, intensa e dilacerante (90% dos doentes)
    • Dor torácica anterior (Stanford tipo A)
    • Dor interescapular (Stanford tipo B)
    • Irradiação para o pescoço ou mandíbula, particularmente se a disseção se estender para os ramos do arco aórtico
  • A disseção indolor ocorre em 10% dos indivíduos, mais frequentemente naqueles com doença do tecido conjuntivo.
  • Sintomas neurológicos:
    • Síncope
    • Alteração do estado de consciência
    • AVC
    • Hemiplegia/hemiparésia
    • Hemianestesia
  • Sintomas compressivos:
    • Disfagia (compressão esofágica)
    • Rouquidão (compressão do nervo laríngeo recorrente esquerdo)
    • Síndrome de Horner (compressão do gânglio simpático cervical superior)
      • Ptose
      • Miose
      • Anidrose

Exame objetivo

  • Cardiovascular:
    • Hipertensão devido a:
      • Hipertensão essencial basal
      • ↑ das catecolaminas circulantes
    • Hipotensão
      • Sinal de mau prognóstico
      • Pode dever-se a tamponamento cardíaco, IA grave ou a rotura aórtica
    • Diferença de > 20 mmHg na pressão arterial entre os braços
    • Pulsos assimétricos (déficit de pulso)
    • Taquicardia
    • Sopro de insuficiência aórtica
      • Auscultado no bordo esternal esquerdo
      • Suave, agudo, em decrescendo protodiastólico
      • Pressão de pulso ampla
    • Evidência de tamponamento cardíaco:
      • Pulso paradoxal
      • Distensão venosa jugular
      • Sons cardíacos hipofonéticos
  • Músculo-esquelético:
    • Isquemia aguda de membro
      • Pulsos periféricos ↓ ou ausentes
      • Palidez
      • Dor
      • Parestesias
      • Poiquilotermia
      • Défice motor

Diagnóstico

Imagiologia inicial

  • A radiografia de tórax pode mostrar:
    • Alargamento do mediastino
    • Obliteração do botão aórtico
    • Contorno aórtico duplo
    • Deslocamento interno da calcificação
  • Eletrocardiograma (ECG) para avaliar sinais de enfarte do miocárdio

Análises laboratoriais

  • D-dímeros
    • Valores negativos permitem descartar a disseção.
    • Os valores elevados são inespecíficos.
  • Hemograma completo
    • Anemia → mau prognóstico, possível rotura
    • Leucocitose → estado de stress
  • Painel metabólico básico
    • ↑ Creatinina → isquemia da artéria renal ou azotemia pré-renal
  • ↑ Troponina → envolvimento das artérias coronárias e isquemia miocárdica
  • ↑ Ácido lático → má perfusão
  • Tipo de sangue e rastreio → se forem necessários produtos sanguíneos
  • Tempo de protrombina e tempo de tromboplastina parcialmente ativada → avaliar coagulopatia

Diagnóstico definitivo

  • Angiografia por TC do tórax, abdómen e pelve
    • Usada nos doentes estáveis
    • Usar com precaução nos doentes com função renal alterada.
    • Achados: lúmen verdadeiro e falso, retalho da íntima, trombo intraluminal
  • Ecocardiograma transesofágico (ETE)
    • Pode ser considerado em doentes instáveis para identificar tamponamento cardíaco
    • Maior sensibilidade e especificidade que o ETT
    • Mais útil na disseção da aorta ascendente
    • Achados: falso lúmen, envolvimento coronário, regurgitação valvular aórtica, derrame pericárdico
  • Angiografia por ressonância magnética (AngioRM): alternativa à angioTC.

Tratamento

Tratamento agudo

  • Colocação de 2 acessos intravenosos (IV) de grande calibre
  • Monitorização da pressão arterial e cardíaca
  • Oxigenoterapia suplementar
  • Analgesia
  • Terapêutica anti-impulso (minimizar as forças de cisalhamento):
    • Pressão arterial sistólica alvo < 120 mmHg
    • Frequência cardíaca alvo < 60/min
    • 1ª linha: betabloqueadores IV (esmolol, labetalol) para prevenir a taquicardia reflexa
    • Alternativas: nitroprussiato ou bloqueadores dos canais de cálcio IV
  • Para a hipotensão:
    • Ressuscitação com fluidoterapia IV
    • Transfusões de sangue
    • Vasopressores

Disseções tipo A

As disseções do tipo A requerem intervenção cirúrgica emergente para substituição da aorta ascendente envolvida ou de toda a aorta ascendente com um enxerto de Dacron.

Disseções tipo B

  • Podem ser tratadas com terapêutica anti-impulso
  • Podem exigir intervenção cirúrgica com reparação aberta ou endovascular nos seguintes cenários:
    • Rotura
    • Dor refratária
    • Dilatação aneurismática > 5 cm
    • Hipoperfusão dos órgãos-alvo ou isquemia do membro
    • Disseção retrógrada da aorta ascendente

Tratamento a longo prazo

  • Terapêutica anti-hipertensora oral (ao longo da vida)
  • Evitar atividade física extenuante.
  • Os doentes jovens podem ser rastreados para doenças genéticas.
  • Exames de imagem seriados de acompanhamento para monitorizar:
    • Extensão ou recorrência da disseção
    • Formação de um aneurisma
    • Deiscência da anastomose cirúrgica

Diagnóstico Diferencial

  • Enfarte agudo do miocárdio: isquemia do miocárdio devido à obstrução parcial ou completa das artérias coronárias. Na maioria das vezes deve-se a aterosclerose nas artérias coronárias. A apresentação pode mimetizar uma disseção, com dor torácica de início agudo. No entanto, a dor geralmente não irradia para as costas e aumenta gradualmente em gravidade, e sendo geralmente acompanhada pela elevação das troponinas, alterações isquémicas típicas no ECG (elevações ou depressões do segmento ST) e anomalias da movimentação da parede no ecocardiograma transtorácico.
  • Síndrome de Horner: interrupção da cadeia simpática que inerva o olho por compressão, lesão do neurónio ou acidente vascular cerebral. Caracterizada pela presença de contração pupilar (miose), queda da pálpebra superior (ptose) e ausência de sudorese da face (anidrose). Deve ser pedida uma radiografia torácica para procurar uma massa pulmonar apical.
  • Regurgitação aórtica: insuficiência da válvula aórtica, com refluxo de sangue para o ventrículo esquerdo após a sístole quando a válvula é encerrada. É caracterizada por um sopro suave, agudo, protodiastólico em decrescendo, melhor audível no 3º espaço intercostal no bordo esquerdo do esterno. O ecocardiograma transtorácico é utilizado para confirmar o diagnóstico.
  • Derrame e tamponamento pericárdico: líquido no saco pericárdico, que pode causar compressão do coração e levar ao tamponamento. O tamponamento impede o enchimento cardíaco, resultando em colapso hemodinâmico. A tríade de Beck, que consiste na distensão das veias do pescoço, hipotensão e hipofonese dos sons cardíacos, é frequentemente observada no exame objetivo. O diagnóstico é confirmado com um ecocardiograma transtorácico e o tratamento envolve a drenagem pericárdica.
  • Pneumotórax: condição ameaçadora da vida na qual o ar se acumula no espaço pleural, causando colapso parcial ou total do pulmão. O pneumotórax pode ser traumático ou espontâneo. Os doentes apresentam início súbito de dor torácica aguda, dispneia e diminuição dos sons respiratórios ao exame objetivo. Um pneumotórax de grande dimensão ou hipertensivo pode originar um colapso cardiopulmonar. O diagnóstico é feito com exames de imagem. O tratamento inclui a descompressão por agulha e a colocação de um dreno torácico (toracostomia).
  • Embolia pulmonar: obstrução das artérias pulmonares, habitualmente devido à migração de trombos do sistema venoso profundo. Os sinais e sintomas incluem dor torácica pleurítica, dispneia, taquipneia e taquicardia. Os casos graves podem resultar em instabilidade hemodinâmica ou paragem cardiorrespiratória. O principal método de diagnóstico é a TC de tórax com angiografia. O tratamento inclui oxigenoterapia, anticoagulação e terapêutica trombolítica nos doentes instáveis.

Referências

  1. Mancini, M.C. (2020). Aortic dissection. In Geibel, J. (Ed.), Medscape. Retrieved January 17, 2021, from https://emedicine.medscape.com/article/2062452-overview
  2. Black, III, J.H., and Manning, W.J. (2020). Overview of acute aortic dissection and other acute aortic syndromes. In Collins, K.A. (Ed.), UpToDate. Retrieved January 17, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/overview-of-acute-aortic-dissection-and-other-acute-aortic-syndromes
  3. Black, III, J.H., and Manning W.J. (2020). Clinical features of acute aortic dissection. In Collins, K.A. (Ed.), UpToDate. Retrieved January 19, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/clinical-features-and-diagnosis-of-acute-aortic-dissection
  4. Black, III, J.H., and Manning, W.J. (2019). Management of acute aortic dissection. In Collins, K.A. (Ed.), UpToDate. Retrieved January 19, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/management-of-acute-aortic-dissection
  5. Farber, M.A. (2020). Aortic dissection. [online] MSD Manual Professional Version. Retrieved January 19, 2021, from https://www.merckmanuals.com/professional/cardiovascular-disorders/diseases-of-the-aorta-and-its-branches/aortic-dissection
  6. Wang, S.S. (2018). Aortic regurgitation workup. In O’Brien, T. X. (Ed.), Medscape. Retrieved January 18, 2021, from https://emedicine.medscape.com/article/150490-workup
  7. Yarlagadda, C. (2018). Cardiac tamponade. In O’Brien, T. X. (Ed.), Medscape. Retrieved January 18, 2021, from https://emedicine.medscape.com/article/152083-overview

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