Coccidioides/Coccidioidomicose

A coccidioidomicose, comummente conhecida como febre do Vale de San Joaquin, é uma doença fúngica causada pelo Coccidioides immitis ou pelo Coccidioides posadasii. Quando os esporos de Coccidioides são inalados, transformam-se em esférulas que resultam em infeção. A coccidioidomicose é também uma causa frequente de pneumonia adquirida na comunidade e pode causar doença grave em imunocomprometidos. Os doentes podem apresentar-se com febre, calafrios, tosse, dor torácica e dispneia. O diagnóstico baseia-se na história clínica, radiologia, microscopia, cultura fúngica e nos dados serológicos. O tratamento envolve antifúngicos e cuidados de suporte. Na doença grave, é fundamental abordar a etiologia da imunossupressão.

Última atualização: Mar 10, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Características Gerais e Epidemiologia

Características básicas do coccidioides

Taxonomia:

  • Ordem: Onygenales
  • Família: Onygenaceae
  • Género: Coccidioides

Formas:

  • Fungo dimórfico
  • Existe como micélio ou como esférulas (formas assexuadas)

Reprodução:

  • Não foi encontrada nenhuma forma sexuada.
  • O micélio e as esférulas sofrem fissão binária.
  • As partículas infeciosas da espécie Coccidioides são os artroconídios.
    • Transformam-se em esférulas nos pulmões e nos tecidos
    • As esférulas estão repletas de endósporos que se espalham e amplificam a infeção.

Espécies clinicamente relevantes

A coccidioidomicose (também conhecida como febre do vale de San Joaquin) pode ser causada por:

  • Coccidioides immitis
  • Coccidioides posadasii

Epidemiologia

  • Na América do Norte, o Coccidioides é endémico do sudoeste dos Estados Unidos:
    • Califórnia
    • Arizona
    • Utah
    • Nevada
    • Novo México
  • Cerca de 30% – 60% das pessoas que vivem nas áreas endémicas são expostas em algum momento da sua vida.
  • Incidência: aproximadamente 42 casos por 100.000 pessoas
    • Maior incidência em idosos
    • Pode ser a causa de 15% – 30% das pneumonias da comunidade nestas regiões.

Patogénese

Reservatório

  • Solo nas regiões endémicas
  • Os roedores podem funcionar como reservatórios animais (não foi reportada transmissão zoonótica para humanos).

Transmissão

Os artroconídios do Coccidioides podem espalhar-se por via aérea quando o solo é remexido, permitindo a transmissão por inalação.

Fatores de risco do hospedeiro

  • A coccidioidomicose progressiva é rara em indivíduos saudáveis, sendo que os fatores de risco incluem:
    • SIDA
    • Fármacos imunossupressores
    • Corticoterapia crónica
    • Idosos
    • Grávidas
    • Diabetes mellitus
    • Etnia afro-americana ou filipina
  • Os doentes com alta exposição a esporos também apresentam um risco superior:
    • Trabalhadores da construção
    • Agricultores
    • Arqueólogos

Patogénese

  • Inalação dos artroconídios → transformam-se em esférulas com capacidade de invasão de tecidos.
    • Aumentam e rompem, libertando milhares de endósporos → podem formar novas esférulas
    • Pode ser autolimitada ou causar doença pulmonar
    • Pode desencadear uma resposta inflamatória local
      • Infiltração de neutrófilos e eosinófilos
      • Resposta granulomatosa com linfócitos B e T e macrófagos
  • A doença disseminada ocorre por disseminação hematogénica (particularmente em doentes imunocomprometidos e grávidas)
  • A doença cutânea pode resultar de:
    • Disseminação
    • Inoculação direta

Apresentação Clínica e Diagnóstico

A apresentação clínica pode variar desde assintomática a ameaçadora de vida. O período de incubação é de 1 a 4 semanas após a exposição.

Sintomas constitucionais

  • Febre baixa
  • Sudorese noturna
  • Anorexia
  • Perda ponderal
  • Fraqueza
  • Arrepios

Envolvimento pulmonar

  • Dor torácica
  • Dispneia
  • Tosse
    • Seca ou produtiva
    • Pode apresentar-se com hemoptises

Envolvimento cutâneo

O envolvimento cutâneo pode ocorrer em conjunto com o envolvimento pulmonar, com inoculação direta ou por doença disseminada.

  • Lesões cutâneas granulomatosas únicas ou múltiplas
  • Abcessos
  • Fístula com drenagem
  • Exantemas induzidos imunologicamente:
    • Eritema multiforme
    • Eritema nodoso

Infeção disseminada

A infeção disseminada define-se como doença fora da cavidade torácica sendo considerada uma doença definidora de SIDA. Os doentes podem apresentar o seguinte (esta lista não é exaustiva):

  • Meningite
  • Dor muscular
  • Artrite (sobretudo envolvendo o joelho)
  • Osteomielite

Tríade clássica da coccidioidomicose

O “reumatismo do deserto” é frequentemente definido pela presença de:

  • Febre
  • Artralgia
  • Eritema nodoso

Diagnóstico

O diagnóstico é feito com base na história clínica e no exame objteivo, suportados pelos dados imagiológicos e laboratoriais.

Estudos laboratoriais

  • Culturas fúngicas
  • Microscopia para pesquisa das esférulas em amostras de fluidos corporais
  • Testes serológicos
    • Imunoensaio enzimático
    • Fixação do complemento (anticorpos IgG)
    • Kit de imunodifusão (anticorpos IgM ou IgG)
  • PCR para as amostras do trato respiratório inferior (não amplamente disponível)
  • Teste de antigénio urinário

Imagiologia

  • Radiografia de tórax
    • Infiltrados pulmonares, nódulos e cavidades
    • Derrames pleurais
    • Adenopatias
  • TC de tórax
    • Infiltrados pleurais
      • Micronodulares
      • Sinal da árvore em brotamento
      • Opacidades em vidro fosco multifocais
    • Derrames pleurais
    • Adenopatias hilares
    • Cavitações
    • Padrão miliar difuso nos imunossuprimidos
Radiografia de tórax anteroposterior fibrose pulmonar coccidioidomicose

Esta radiografia de tórax anteroposterior revelou alterações pulmonares indicativas de fibrose pulmonar num caso de coccidioidomicose, causada por organismos fúngicos do género Coccidioides:
Como estas alterações também se assemelham às observadas noutras infeções pulmonares, incluindo a tuberculose, os achados da radiografia de tórax têm de ser combinados com testes serológicos, bem como com uma eventual biópsia de tecido. O grau de fibrose, indicativa de cicatrização, correlaciona-se diretamente com a gravidade da infeção fúngica.

Imagem: “A case of pulmonary fibrosis caused by coccidioidomycosis” de CDC/Dr. Lucille K. Georg. Licença: Domínio Público

Amostragem invasiva

  • Broncoscopia com lavado broncoalveolar
  • Líquido cefalorraquidiano
  • Biópsia do local infetado

Tratamento

Estratégias gerais de tratamento

  • Os casos ligeiros assintomáticos não requerem tratamento.
  • Antimicrobianos para os doentes sintomáticos ou com fatores de risco para doença disseminada
  • Tratar a etiologia da imunossupressão.
  • Tratamento de suporte com adjuvantes respiratórios e suporte hemodinâmico
  • A cirurgia pode ser necessária na doença cavitária progressiva.

Tratamento antimicrobiano

  • Fluconazol (preferencial) ou itraconazol na doença ligeira a moderada
  • Posaconazol e voriconazol são fármacos alternativos.
  • Anfotericina B:
    • Preferida se doença grave ou infeções persistentes
    • Mudar para terapêutica oral com um azol assim que estabilizado.

Complicações e Prevenção

Complicações

As complicações listadas estão associadas aos doentes imunocomprometidos e/ou ao atraso no tratamento:

  • Pneumonia grave, com progressão para ARDS
  • Cavitações pulmonares
    • Podem necessitar de resseção cirúrgica
    • Podem levar a pneumonia bacteriana secundária ou a outra pneumonia fúngica.
    • A rotura de uma cavitação pode originar um piopneumotórax.
    • As fístulas broncopleurais podem resultar da rotura de cavitações.
  • Pneumonia fibrocavitária crónica
  • Doença disseminada

Prevenção

É difícil prevenir a coccidioidomicose quando se vive numa área endémica. As estratégias gerais incluem:

  • Evitar áreas com poeiras (por exemplo, canteiros de obras ou locais de escavação)
  • Usar um respirador se não puder evitar as poeiras.
  • Evitar o contacto com sujidade
  • Evitar tempestades de poeira
  • Abordar a etiologia da imunossupressão

Diagnósticos Diferenciais

  • Pneumonia bacteriana: os doentes podem apresentar febre, dispneia, tosse e mal-estar. A história clínica completa deve abordar os fatores de risco para pneumonias bacterianas típicas e atípicas. O diagnóstico é baseado na história, exame objetivo, imagiologia, culturas e testes de antigénio. O tratamento inclui cuidados de suporte, oxigenoterapia suplementar e antimicrobianos.
  • Blastomicose: endémica dos vales dos rios Ohio e Mississippi e das regiões dos Grandes Lagos dos Estados Unidos. A blastomicose pode apresentar-se com pneumonia, lesões cutâneas, osteomielite e meningite. O diagnóstico é feito pela identificação do organismo em amostras de expetoração ou de tecido, cultura, PCR ou teste de antigénio. No tratamento utilizam-se antifúngicos.
  • Histoplasmose: doença endémica dos vales dos rios Mississippi e Ohio. Os doentes podem apresentar pneumonia, adenopatias, hepatoesplenomegalia e ulceras orais. O diagnóstico é feito através de culturas fúngicas, serologias e teste de antigénio. O tratamento inclui antifúngicos e cuidados de suporte.
  • Tuberculose: doença infeciosa causada pela bactéria do complexo Mycobacterium tuberculosis. A doença pulmonar apresenta-se com febre, sudorese noturna, tosse, hemoptises, fadiga e perda de peso. As manifestações extrapulmonares podem incluir pleurisia, meningite, doença de Pott, pericardite e doença miliar. O diagnóstico é estabelecido com um teste tuberculínico, cultura de expetoração e imagiologia pulmonar. A base do tratamento são os fármacos antimicobacterianos.
  • Sarcoidose: doença inflamatória caracterizada por granulomas não caseosos nos pulmões, fígado, cérebro, olhos e pele. A radiografia pode sugerir o diagnóstico, que deve ser confirmado por biópsia. O tratamento é feito com corticoides e outros agentes imunossupressores.

Referências

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