A cirurgia vascular é a área especializada da medicina que se dedica ao tratamento cirúrgico das doenças da circulação periférica. O principal objetivo da maioria das intervenções vasculares é restaurar a função circulatória dos vasos afetados, com alívio das oclusões ou redirecionamento do fluxo sanguíneo (por exemplo, bypass). A intervenção cirúrgica pode ser aberta ou endovascular. As intervenções vasculares requerem uma abordagem multidisciplinar, incluindo cirurgiões vasculares, radiologistas de intervenção, anestesiologistas (ou anestesistas), enfermeiros, fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais.
Uma fístula arteriovenosa (AV) é uma anastomose criada cirurgicamente entre uma artéria e uma veia. Este procedimento é frequentemente realizado em doentes com doença renal em estadio terminal, que requerem um acesso vascular permanente para hemodiálise, embora também possa ser congénito.
Indicações
Doença renal crónica (CKD, pela sigla em inglês) estadio 5: definido por uma TFG < 30 mL/min
Necessidade iminente de diálise
Contra-indicações
Oclusão venosa
Amputação
Doença arterial periférica grave com necrose ipsilateral à criação da fístula AV
Procedimento
Cuidados pré-operatórios:
Jejum anterior (nil per os (NPO)) por 8 horas
Explicação do procedimento, benefícios, riscos e alternativas para obtenção do consentimento informado.
Resultados laboratoriais:
Contagem de plaquetas > 50.000
PTT e PT dentro do intervalo de normalidade
Imagiologia necessária: eco-doppler
Os anticoagulantes são mantidos antes do procedimento.
Profilaxia antibiótica antes do procedimento: cefalosporina de 1.ª geração (cefazolina)
No bloco operatório (OR, pela sigla em inglês):
Posicionamento do doente em decúbito dorsal.
Obtenção de acesso EV.
Monitorização contínua:
FC
Tensão arterial
Saturação de oxigénio (oximetria de pulso)
Monitor de ritmo com ECG
Cuidados cirúrgicos:
As técnicas mais comuns de fístula AV incluem:
Fístula radiocefálica
Fístula braquiocefálica
Fístula braquiobasílica transposta
A sua realização é recomendado no braço não dominante
Acesso estabelecido o mais distal possível
Fístula radiocefálica (fístula de Brescia-Cimino):
Realização de uma incisão transversal no punho.
Dissecação da artéria radial e da veia cefálica.
Realização de uma arteriotomia antero-lateral na artéria radial e de uma venotomia na veia cefálica.
Anastomose dos 2 vasos com uma sutura não absorvível.
Fístula braquiocefálica (fístula de Kaufmann):
Realização de uma incisão transversal na fossa antecubital.
Dissecação da artéria braquial e da veia cefálica.
Execução de arteriotomia e venotomia em cada vaso.
Anastomose dos vasos com sutura não absorvível.
Fístula braquiobasílica transposta (abordagem em 2 passos):
Realização de uma incisão transversal distal à fossa antecubital.
Dissecação da artéria braquial e da veia basílica.
Execução de uma arteriotomia na artéria braquial distal.
Ligação e seccionamento da veia basílica distal, com criação de uma extremidade livre.
Anastomose de uma extremidade da veia basílica à arteriotomia da artéria braquial com sutura não absorvível.
Passos finais:
Confirmação da permeabilidade da fístula com eco-doppler vascular.
Encerramento da pele por camadas com suturas não absorvíveis e limpeza de qualquer resíduo existente (por exemplo, sangue, tecido adiposo).
Colocação de gaze esterilizado e penso sobre a ferida cirúrgica.
Documentação do seguinte:
Hora de início
Hora de conclusão
Passos utilizados
Complicações ocorridas
Cuidados pós-operatórios:
Observação na sala de recobro durante 6 horas, se necessário, ou encaminhamento direto para a enfermaria, conforme cada caso individual.
Manutenção da fístula:
Monitorização durante as sessões de diálise.
Ensino aos doentes de como examinar o pulso da fístula (que indica permeabilidade). A fístula também deve ser avaliada por um médico em consultas de rotina.
Garantir a limpeza adequada e evitar a utilização de roupas e jóias sobre o ponto de acesso da fístula para evitar a restrição de fluxo.
Retoma das atividades quotidianas e do banho conforme tolerado.
Complicações
Síndrome do roubo:
O sangue que irriga o membro atravessa a fístula sem perfusão dos capilares.
Apresentação clínica: dor nas mãos, frio, disfunção sensorial e/ou motora, cianose ou palidez dos dedos, e pulsos reduzidos ou ausentes.
Secundário à diminuição do fluxo sanguíneo para a extremidade distal
Trombose
Hematoma
Hemorragia
Edema
Aneurisma/pseudoaneurisma:
Complicação comum devido a repetidas punções com agulha durante a diálise
Para evitar esta complicação, a agulha deve ser inserida em pontos diferentes num padrão rotativo.
Infeção da fístula
Estenose venosa central
Falha no amadurecimento: sobretudo devido a estenose da anastomose.
Imagem: “Blausen 0049 ArteriovenousFistula” por BruceBlaus. Licença: CC BY 3.0
Trombectomia/Embolectomia
Definição
A trombectomia é uma intervenção que consiste na remoção cirúrgica de um coágulo sanguíneo ou trombo de um vaso através de dispositivos endovasculares sob orientação ecográfica.
Classificação
Trombectomia de pullback com cateter de balão
Trombectomia por aspiração (sucção)
Fragmentação:
Trombectomia de recirculação: pulverização do trombo em fragmentos microscópicos
Trombectomia sem recirculação: maceração do trombo em fragmentos macroscópicos
Trombectomia com aplicação de energia: lise do trombo com ecografia, laser ou radiofrequência
Indicações
AVC: lesão do tecido cerebral por interrupção do fluxo sanguíneo (AVC isquémico) ou hemorragia ativa (AVC hemorrágico) com défices neurológicos característicos
EAM: lesão do miocárdio por isquemia, caracterizada por aumento das enzimas cardíacas (especialmente troponina T), alterações no ECG sugestivas de isquemia em 2 derivações contíguas e toracalgia
Embolia pulmonar (PE, pela sigla em inglês): patologia potencialmente fatal que ocorre por obstrução intraluminal da artéria pulmonar principal ou dos seus ramos por material (por exemplo, trombo, ar, líquido amniótico ou gordura)
Contra-indicações
Hemorragia intracraniana
Grande núcleo de enfarte com zona mínima de penumbra
Oclusão de pequenos vasos
Coagulopatias
Hipertensão não controlada
Procedimento
Cuidados pré-operatórios:
Jejum (nil per os (NPO)) por 8 horas.
Explicação do procedimento, benefícios, riscos e alternativas para obtenção do consentimento informado.
Resultados laboratoriais:
Contagem de plaquetas > 50.000
PTT e PT dentro do intervalo de normalidade
Função renal: creatinina sérica e azoto ureico nos limites normais.
HbA1c
Imagiologia diagnóstica: ecografia, TAC craniano
Os anticoagulantes são suspensos antes do procedimento.
No bloco operatório (OR, pela sigla em inglês):
Posicionamento do doente em decúbito dorsal.
Obtenção de acesso EV.
Monitorização contínua:
FC
Tensão arterial
Saturação de O2 (oximetria de pulso)
Monitor de ritmo com ECG
Cuidados cirúrgicos:
Existem várias técnicas de trombectomia. A técnica explicada a seguir utiliza um cateter de balão e stent para a remoção do trombo.
Inserção do cateter de balão por uma punção na virilha.
Progressão do cateter até atingir o trombo.
Avanço do fio-guia através do trombo.
Progressão de um microcateter sobre o fio-guia e através do trombo.
Introdução de um stent e implantação do mesmo dentro do vaso assim que atinge o trombo.
Fixação do trombo à superfície do stent devido às suas saliências.
Injeção de contraste através do cateter de balão para garantir a permeabilidade do vaso.
Insuflação do balão para restrição temporária do fluxo, que permite a remoção do stent com o trombo e o microcateter.
Realização de angiografia para verificar se o trombo foi totalmente removido.
Remoção do cateter de balão.
Passos finais:
Aplicação de gaze esterilizada e penso sobre o local da punção.
Documentação do seguinte:
Nome do procedimento
Hora de início
Hora de conclusão
Passos utilizados
Complicações ocorridas
Cuidados pós-operatórios:
Observação na sala de recobro durante 6 horas; posteriormente procede-se à transferência para a enfermaria. Doentes com patologia neurológica podem ter indicação para admissão na Unidade de Cuidados Intensivos (ICU, pela sigla em inglês) de Neurocirurgia.
Monitorização regular de:
Tensão arterial (hipertensão → lesão de reperfusão)
Reoclusão (por trombocitose ou estenose preexistente)
Extração do trombo
Imagem: “CCR-8-202_F2” por Dimitrios Alexopoulos* e Periklis A Davlouros. Licença: CC BY 2.5
Bypass Arterial Periférico (PAB)
Definição
Um bypass arterial periférico (PAB, pela sigla em inglês), também conhecido como bypass vascular periférico, é uma intervenção cirúrgica que, através de um enxerto, restaura a perfusão sanguínea de um segmento da circulação arterial distal a uma oclusão. Esta intervenção pode ser eventualmente realizada em qualquer segmento de circulação.
Indicações
Doença arterial periférica (DAP, pela sigla em inglês): Obstrução do lúmen arterial, frequentemente secundária à aterosclerose ou trombose, que resulta na diminuição do fluxo sanguíneo para os órgãos viscerais ou membros distais. Os doentes podem ser inicialmente assintomáticos. Posteriormente, podem desenvolver disfunção de órgão, claudicação, descoloração cutânea, úlceras isquémicas ou gangrena.
Uma estenose no coração é denominada doença arterial coronária.
Uma estenose no cérebro é denominado doença cerebrovascular.
Uma estenose nos rins é denominado doença renovascular.
Uma estenose nas pernas pode causar dor nas pernas ao caminhar (claudicação intermitente)
Tabagismo é o fator de risco mais importante para PAD
Lesões arteriais traumáticas
Aneurismas
Contra-indicações
Antecedentes de cirurgia cardíaca (por exemplo, implantação de stent, angioplastia ou cirurgia de bypass coronário)
Patologia respiratória (por exemplo, doença pulmonar obstrutiva crónica)
Procedimento
Cuidados pré-operatórios:
Jejum (nil per os (NPO)) por 8 horas
Explicação do procedimento e obtenção do consentimento informado.
Resultados laboratoriais:
Contagem de plaquetas > 50.000
Hemoglobina e hematócrito apropriados
PTT e PT dentro do intervalo de normalidade
Grupo sanguíneo e tipagem
Função renal: creatinina sérica e azoto ureico (BUN, pela sigla em inglês) no intervalo da normalidade (exceto se intervenção renovascular planeada).
HbA1c
Imagiologia necessária: ecografia
Estas intervenções podem culminar com uma perda significativa de sangue, com necessidade de transfusão. Os hemoderivados são disponibilizados para transfusão após a obtenção do tipo sanguíneo.
Os anticoagulantes são suspensos antes do procedimento.
Profilaxia antibiótica 1 hora antes do procedimento: cefalosporina de 1ª geração (cefazolina)
No bloco operatório (OR, pela sigla em inglês):
Posicionamento do doente em decúbito dorsal.
Obtenção de acesso EV.
Monitorização contínua:
FC
Tensão arterial
Saturação de O2 (oximetria de pulso)
Monitor de ritmo com ECG
Cuidados cirúrgicos:
O procedimento irá variar consideravelmente consoante a anatomia cirúrgica e a localização da obstrução. No entanto, o princípio subjacente do PAB é a criação de anastomoses proximais e distais à obstrução em segmentos livres de doença. Alguns exemplos do PAB incluem:
Bypass iliofemoral: a artéria ilíaca ipsilateral ou contralateral é anastomosada com a artéria femoral comum (CFA, pela sigla em inglês)
Bypass aortobifemoral: a aorta abdominal é anastomosada com ambas as CFA
Bypass femoropoplíteo: a artéria poplítea é anastomosada com apenas uma artéria femoral
Os enxertos são criados através de materiais orgânicos (por exemplo, colheita da veia safena) ou artificiais (por exemplo, politetrafluoretileno).
Passos finais:
Encerramento da pele por camadas com suturas não absorvíveis e limpeza de qualquer resíduo existente (por exemplo, sangue, tecido adiposo).
Colocação de gaze esterilizado e penso sobre a ferida cirúrgica.
Documentação do seguinte:
Nome do procedimento
Hora de início
Hora de conclusão
Passos utilizados
Complicações ocorridas
Cuidados pós-operatórios:
Observação na sala de recobro por 6 horas; posteriormente, transferência para a enfermaria
Exame objetivo:
Vascular: pulsos reduzidos, tempo de enchimento capilar prolongado, hematomas
Neurológico: parestesia, paralisia
Complicações
Infeção do local cirúrgico (SSI, pela sigla em inglês): Um tipo de infeção que ocorre na incisão cirúrgica ou na sua proximidade, até 30 dias após a cirurgia ou até 90 dias se material prostético foi implantado. Uma SSI é classificada consoante a profundidade do atingimento da infeção – superficial, profunda ou de órgão / espaço.
Uma endarterectomia carotídea (CEA, pela sigla em inglês) é uma intervenção cirúrgica que consiste na remoção manual de uma placa aterosclerótica da artéria carótida comum e/ou interna. Os objetivos terapêuticos são restaurar o fluxo sanguíneo normal e reduzir a probabilidade de embolização.
Indicações
Estenose da artéria carótida (> 50% de estenose) e sintomas
Doentes assintomáticos com estenose carotídea > 60%
História de acidente vascular cerebral (AVC) ou acidente isquémico transitório (AIT) ipsilateral
Contra-indicações
Doentes sintomáticos e com mau estado geral, sem indicação para um procedimento cirúrgico aberto
Antecedentes de radioterapia cervical
Seleção cuidadosa dos doentes com elevada probabilidade de resultados adversos.
Idade avançada (> 70 anos)
Doença cardíaca grave
Disfunção pulmonar grave
Insuficiência ou falência renal
AVC como indicação para endarterectomia
Procedimento
Cuidados pré-operatórios:
Jejum (nil per os (NPO)) de 8 horas
Explicação do procedimento e obtenção do consentimento informado.
Resultados laboratoriais:
Contagem de plaquetas > 50.000
PTT e PT dentro do intervalo de normalidade
Função renal: creatinina sérica e azoto ureico dentro dos intervalos de normalidade
Terapêutica antiplaquetária com aspirina (81–325 mg / dia) previamente à intervenção
Suspensão dos anticoagulantes por indicação do cirurgião.
Profilaxia antibiótica 1 hora antes do procedimento: cefalosporina de 1.ª geração (cefazolina)
No bloco operatório (OR, pela sigla em inglês):
Posicionamento do doente em decúbito dorsal.
Obtenção de acesso EV.
Monitorização contínua:
FC
Tensão arterial
Saturação de O2 (oximetria de pulso)
Monitor de ritmo com ECG
Administração de anestesia geral ou anestesia local com sedação.
Cuidados cirúrgicos:
Realização de um incisão ao longo do bordo medial do músculo esternocleidomastóideo.
Dissecação do músculo platisma e dos tecidos moles até que a bainha carotídea seja alcançada.
Incisão cuidadosa da bainha carotídea e exposição da artéria carótida.
Clampagem da artéria afetada proximal e distal à placa.
Realização de uma arteriotomia no vaso e progressão da cirurgia até que ambas as extremidades da placa sejam alcançadas.
Remoção da placa do vaso (a parede do vaso pode ser evertida em redor da placa).
Reparação da parede arterial com um adesivo que aumenta o diâmetro do lúmen do vaso. O adesivo pode ser de material orgânico (por exemplo, veia, adesivo bovino) ou sintético (Dacron).
Passos finais:
Encerramento da pele por camadas com suturas não absorvíveis e limpeza de qualquer resíduo existente (por exemplo, sangue, tecido adiposo).
Colocação de gaze esterilizado e penso sobre a ferida cirúrgica.
Documentação do seguinte:
Nome do procedimento
Hora de início
Hora de conclusão
Passos utilizados
Complicações ocorridas
Cuidados pós-operatórios:
Observação na sala de recobro por 6 horas; posteriormente, transferência para a enfermaria
Exame neurológico a cada hora.
Controle da tensão arterial (hipertensão → hematoma cervical)
Complicações
Hemorragia
Hematoma cervical
Infeção do local cirúrgico
Disfagia
EAM
Síndrome de hiperperfusão cerebral: quadro clínico secundário ao aumento da perfusão cerebral após endarterectomia carotídea, caracterizado por cefaleia ipsilateral, hipertensão, convulsões e défices neurológicos focais. Se não tratada, a hiperperfusão cerebral pode resultar em edema cerebral grave ou então hemorragia intracerebral ou subaracnoide.
Lesão do nervo auricular magno
Lesão de nervo craniano (hipoglosso, vago, glossofaríngeo e facial)
Secção transversal das estruturas do pescoço. Observe a localização das bainhas carotídeas profundamente aos músculos platisma e esternocleidomastóideo, bem como a orientação dos conteúdos na bainha carotídea.
Elias, N., Stapleton, S. (2020). Creation of a radial-cephalic arteriovenous fistula. Journal of Medical Insight. 2020(110). https://doi.org/10.24296/jomi/110
Alexopoulos, D., Davlouros, P. A. (2012). Thrombus extraction catheters vs. angiojet rheolytic thrombectomy in thrombotic lesions/SV grafts. Current Cardiology Reviews. 8, 202–208. https://doi.org/10.2174/157340312803217265
Moore, W., Lawrence, P., Oderich, G. (2019). Moore’s Vascular and Endovascular Surgery: A Comprehensive Review. Elsevier.
Samaniego, E., Hasan, D. (2019). Acute stroke management in the era of thrombectomy. Cham: Springer.
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