Vírus Parainfluenza

Os vírus parainfluenza humanos (HPIVs, pela sigla em inglês) são vírus de RNA de cadeia simples, lineares e de sentido negativo, pertencentes à família Paramyxoviridae e ao género Paramyxovirus. Estes são a segunda causa mais comum de doença no trato respiratório inferior em crianças, a seguir ao vírus sincicial respiratório. Apesar de ocorrer em menor extensão, os HPIVs são também a causa de infeções do trato respiratório superior, incluindo a laringotraqueobronquite (também conhecida por crupe). O tratamento destas infeções assenta em cuidados de suporte, epinefrina racémica e corticoides.

Última atualização: Jun 11, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Classificação

Classificação do fluxograma de vírus de rna

Identificação do RNA vírico:
Os vírus podem ser classificados de várias formas. No entanto, a maioria destes tem um genoma constituído por ADN ou RNA. Os vírus cujo genoma é de RNA podem ser ainda caracterizados em RNA de cadeia simples ou dupla. Os vírus com invólucro são cobertos por uma fina camada de membrana celular (geralmente da célula hospedeira). Na ausência desta camada, são apelidados de vírus “nus”. Os vírus com genomas de cadeia simples são chamados de vírus de “sentido positivo” se o genoma puder ser diretamente utilizado como RNA mensageiro (mRNA, pela sigla em inglês), que é traduzido em proteínas. Os de “sentido negativo” necessitam da RNA polimerase dependente de RNA, uma enzima vírica, para transcrever o seu genoma em RNA mensageiro.

Imagem por Lecturio. Licença: CC BY-NC-SA 4.0

Características Gerais

Estrutura

  • Género Paramyxovirus (agora dividido em Respirovirus e Rubulavirus)
  • Subfamília Paramyxovirinae
  • Família Paramyxoviridae
  • RNA de cadeia simples, linear e sentido negativo
  • Vírus com invólucro
  • Dentro dos virions existe um grande capsídeo helicoidal que transporta a RNA polimerase dependente de RNA

Espécies clinicamente relevantes

  • A família Paramyxoviridae é composta por 3 géneros:
    • Paramixovírus: inclui os vírus parainfluenza (respirovirus) e da parotidite epidémica (rubulavirus)
    • Pneumovírus: inclui o vírus sincicial respiratório (VSR)
    • Morbillivirus: inclui o vírus do sarampo
  • A família Paramyxoviridae é responsável por 30%–40% de todas as infeções respiratórias agudas em lactentes e crianças.
  • Os vírus parainfluenza humanos (HPIVs, pela sigla em inglês) são atualmente divididos em 5 serotipos, com base nas características antigénicas e genéticas:
    • HPIV-1
    • HPIV-2
    • HPIV-3
    • HPV-4a
    • HPIV-4b
  • Os serotipos são classificados em 2 géneros diferentes:
    • Respirovirus (HPIV-1 e HPIV-3)
    • Rubulavirus (HPIV-2 e HPIV-4)
Estrutura do vírus parainfluenza

Estrutura terciária do vírus parainfluenza humano tipo 3

Imagem : “Fusion glycoprotein trimer, Human parainfluenza virus 3 (hPIV3)” por Yin et al. Licença: CC BY 4.0

Patogénese

Transmissão

  • Os humanos são o único reservatório.
  • A transmissão ocorre sobretudo através das gotículas respiratórias transportadas pelo ar, quando estas entram em contacto com as membranas mucosas dos olhos, boca ou nariz.
  • O contacto direto com fómites infetados também é uma via frequente de transmissão.
  • Período de incubação: 2-4 dias

Fatores de virulência

Os HPIVs têm 6 proteínas principais:

  • Hemaglutinina-neuraminidase (HN): localiza-se na superfície do vírus e é responsável pela fixação vírica e entrada na célula
  • Proteína de fusão: localizada na superfície do vírus, responsável pela fusão com a célula hospedeira e entrada na célula
  • Proteína da matriz: localizada no invólucro vírico, responsável pela montagem do vírus
  • Nucleoproteína: localizada no nucleocapsídeo, faz parte do complexo genómico de RNA
  • Fosfoproteína: localizada no nucleocapsídeo, faz parte do complexo da RNA polimerase
  • Proteína “large” (grande): localizada no nucleocapsídeo, faz parte do complexo da RNA polimerase

Ciclo de replicação

  1. A replicação do vírus ocorre após a entrada na célula hospedeira, por ligação e fusão com a membrana celular e é auxiliada pelas proteínas HN e de fusão.
  2. O nucleocapsídeo do vírus entra no citoplasma da célula hospedeira.
  3. A transcrição genómica ocorre no citoplasma através da RNA polimerase dependente de RNA (proteína “large”).
  4. A tradução e a síntese de proteínas víricas é realizada pelos ribossomas do hospedeiro.
  5. A RNA polimerase sintetiza um antigenoma de sentido positivo, que corresponde a uma cadeia molde complementar utilizada para construir o RNA de sentido negativo, que é então associado à nucleoproteína.
  6. O RNA do vírus é armazenado nos nucleocapsídeos e transportado para a membrana plasmática para montagem e gemulação.
  7. Alternativamente, o RNA pode também ser utlizado para novos ciclos de transcrição e replicação.

Fisiopatologia

Os HPIVs provocam inflamação das vias aéreas através do aumento das citocinas inflamatórias, incluindo:

  • Interferon α (IFN-α)
  • Interleucinas (IL-2, IL-6)
  • Fator de necrose tumoral α (TNF-α, pela sigla em inglês)

Anticorpos IgE específicos contra o vírus mediam a libertação de histamina no trato respiratório, o que contribui para os sintomas e a patogénese da laringotraqueobronquite (também conhecida por crupe).

Fatores de risco

  • Imunossupressão
  • Desnutrição
  • Ambientes sobrelotados, como nas enfermarias e centros de dia
  • Défice de vitamina A
  • Não ter sido amamentado

Doenças Causadas pelos Vírus Parainfluenza Humanos

Os vírus parainfluenza humanos estão sobretudo limitados ao trato respiratório. Estes vírus têm sido associados a todos os tipos de doença no trato respiratório superior e inferior. Os serotipos causam doenças com diferentes gravidades.

  • Serotipos 1 e 2: laringotraqueobronquite
  • Serotipo 3: bronquiolite aguda e pneumonia
  • Serotipo 4: síndrome semelhante a uma constipação ligeira
  • Raramente, pode haver associação dos HPIVs com convulsões febris, meningite vírica e síndrome de Guillain-Barré.
Tabela: Doenças causadas por HPIVs
Serotipo Doenças associadas Características clínicas principais
HPV-1 e 2 Laringotraqueobronquite
  • Infeção do trato respiratório inferior
  • Afeta sobretudo crianças de 2 a 5 anos de idade
  • Apresentação clínica:
    • Febre
    • Coriza
    • Retração intercostal e subcostal
    • Taquipneia
    • Irritabilidade
    • Tosse “de cão”
    • Estridor inspiratório
    • Tumefação da traqueia com “sinal de campanário” no raio-X de tórax
HPIV-3 Bronquiolite aguda e pneumonia
  • Afeta principalmente lactentes ou doentes imunocomprometidos/idosos
  • Apresentação clínica:
    • Febre
    • Coriza
    • Taquipneia
    • Tosse
    • Sibilos
HPIV-4a e 4b Síndrome semelhante a uma constipação ligeira
  • Pode ser assintomática
  • Apresentação clínica:
    • Coriza
    • Congestão nasal
    • Tosse ligeira

Epidemiologia

  1. Nos Estados Unidos, 50% das crianças com 1 ano e quase todas as que têm 6 anos já foram infetadas pelo HPV-3.
  2. Aos 10 anos, 80% das crianças têm anticorpos contra o HPIV-1 e HPIV-2.
  3. Apesar do HPIV-4 causar poucas vezes doença clínica, aos 10 anos, 70%–80% das crianças apresentam anticorpos contra este vírus.
  4. As taxas de morbilidade e mortalidade são mais elevadas nos países em desenvolvimento.

Diagnóstico

  • Isolamento e identificação do vírus em cultura de células
  • Deteção direta do vírus por ELISA ou PCR em secreções respiratórias
  • Anticorpos IgM
  • Aumento significativo dos anticorpos IgG entre amostras de soro colhidas sequencialmente
  • Se houver suspeita de epiglotite, laringotraqueobronquite ou pneumonia é importante pedir raios-X do pescoço ou do tórax.
    • Na laringotraqueobronquite, visualiza-se o “sinal do campanário” na radiografia de tórax; esta aparência é causada por tumefação da região subglótica com estreitamento da traqueia.
    • Na epiglotite, visualiza-se o “sinal do polegar” nas incidências laterais do pescoço; esta aparência é devida ao aumento de tamanho da epiglote e balonização da hipofaringe.
Sinal do campanário

Radiografia de tórax com estenose subglótica, conhecida como o “sinal do campanário” (entre as setas vermelhas)

Imagem : “Steeple sign” por Jayshil J. Patel, Emily Kitchin, and Kurt Pfeifer. Licença: CC BY 4.0

Tratamento

O tratamento depende da gravidade da doença.

Laringotraqueobronquite ligeira:

  • Tratamento de suporte
  • Oxigénio “blow-by” humidificado e arrefecido
  • Controlo da febre

Laringotraqueobronquite moderada:

  • Oxigénio humidificado e arrefecido
  • Corticoides para a inflamação das vias aéreas
  • Epinefrina racémica por nubulização
  • Fluidos IV para hidratar

Laringotraqueobronquite grave:

  • Vigilância dos sinais de insuficiência respiratória iminente (por exemplo, retrações, taquipneia ou alteração do estado mental).
  • Repetir a nebulização de epinefrina racémica.
  • Monitorização em cuidados intensivos
  • Pode ser necessário realizar uma entubação endotraqueal em doentes com obstrução respiratória grave por edema.
  • Indicações para internamento:
    • Dificuldade respiratória
    • Desidratação
    • Hipóxia
    • Estridor em repouso, após realização de tratamento
    • Necessidade de doses repetidas de epinefrina racémica
    • Laringoespasmo de rebound nos doentes que realizaram epinefrina racémica

Relevância Clínica

  • Laringotraqueobronquite: também conhecida como crupe: esta é uma doença com inflamação grave das vias aéreas superiores, que ocorre geralmente em crianças com < 5 anos. Os doentes desenvolvem uma tosse rouca, semelhante a um latido, e estridor inspiratório. Os vírus parainfluenza humanos são responsáveis pela maioria dos casos, seguidos pelo VSR, adenovírus, rinovírus e enterovírus. A laringotraqueobronquite é geralmente diagnosticado pela clínica ou por raios-X (sinal do campanário). O tratamento consiste em corticoides e epinefrina.
  • Bronquiolite aguda: patologia respiratória causada pela inflamação dos bronquíolos. A maioria dos casos desta patologia é causada pelo VSR. Os doentes apresentam geralmente sintomas respiratórios superiores, como tosse e congestão, e, posteriormente, desenvolvem sinais de patologia do trato respiratório inferior, tais como dispneia, sibilos, crepitações e hipóxia. O diagnóstico é clínico e o tratamento é direcionado para a otimização da oxigenação e hidratação. A doença é autolimitada e tem bom prognóstico com o tratamento adequado.
  • Pneumonia: infeção do trato respiratório inferior com preenchimento dos sacos alveolares com líquido ou pus. Os sintomas de pneumonia incluem tosse com expectoração, febre, arrepios e dispneia. Está indicada a utilização de antibióticos para o tratamento das causas bacterianas. Algumas formas de pneumonia podem ser prevenidas por vacinas.

Referências:

  1. Ison, M. (2020). Parainfluenza viruses in adults. UpToDate. Retrieved February 8, 2021, from: https://www.uptodate.com/contents/parainfluenza-viruses-in-adults
  2. Munoz, F. (2020). Parainfluenza viruses in children. UpToDate. Retrieved February 8, 2021, from: https://www.uptodate.com/contents/parainfluenza-viruses-in-children#H14
  3. Parijua, S. (2020). Human parainfluenza viruses (HPIV) and other parainfluenza viruses treatment & management. Emedicine. Retrieved February 8, 2021, from: https://emedicine.medscape.com/article/224708-treatment#d9

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