Escarlatina

A escarlatina corresponde a uma síndrome clínica caracterizada por faringite estreptocócica acompanhada de febre e um rash característisco causado por exotoxinas pirogénicas. Esta patologia é uma complicação não supurativa da infeção estreptocócica, mais frequentemente observada em crianças. Nos climas temperados, o pico de incidência ocorre durante o inverno e a primavera. O rash aparece nas primeiras 24-48 horas de doença. Este inicia-se pelo rosto ou pescoço, depois espalha-se para o tronco e extremidades, poupando palmas e plantas. Na presença desta infeção, o rosto fica ruborizado, com palidez perioral e língua em morango (aumento das papilas). As pequenas pápulas do rash dão uma sensação de pele tipo lixa. O diagnóstico é geralmente clínico, confirmado através de um teste de diagnóstico antigénico rápido (TDAR) ou cultura da orofaringe. O tratamento é com penicilina ou amoxicilina.

Última atualização: Jun 28, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Definição

A escarlatina corresponde a uma erupção cutânea difusa eritematosa ou um rash que ocorre em associação com faringite.

Epidemiologia

  • Ocorre em crianças > adultos: a maioria dos casos ocorre em crianças dos 5 a 15 anos.
  • Pico de incidência: inverno e primavera, nos climas temperados
  • Ocorre em <10% das infeções estreptocócicas da orofaringe
  • Desde a introdução da penincilina, tornou-se uma doença incomum

Etiologia

  • Causada por estirpes de Streptococcus pyogenes, também conhecido como Streptococci do Grupo A (SGA), produtoras de toxinas β-hemolíticas pirogénicas.
  • Principais mediadores do rash característico: exotoxinas estreptocócicas pirogénicas (SPEs, pela sigla em inglês) A, B e C

Fisiopatologia

  • A transmissão do S. pyogenes ocorre principalmente através das secreções respiratórias.
  • Desenvolve-se uma infeção local:
    • As bactérias aderem ao epitélio da faringe, causando:
      • Faringite (odinofagia)
      • Exsudação purulenta das amígdalas
      • Adenopatia cervical
      • Febre
  • Algumas estirpes de S. pyogenes produzem exotoxinas pirogénicas que atuam como superantigénios:
    • Estes antigénios estimulam as células T, o que promove a libertação de citocinas com uma reação inflamatória cutânea e dilatação dos vasos sanguíneos.
    • Promovem o rash característico da escarlatina
  • Embora o local de replicação mais comum seja a faringe/garganta, a escarlatina pode ocorrer após uma infeção por estreptococos da pele e tecidos moles.
Streptococcus pyogenes

Streptococcus pyogenes (SGA)

Imagem: Photomicrograph of Streptococcus pyogenes bacteria” por the Centers for Disease Control and Prevention. Licença: Public domain.

Apresentação Clínica

Sintomas

  • Os sintomas iniciais numa criança com escarlatina incluem geralmente:
    • Febre
    • Cefaleia
    • Náuseas e vómitos
    • Mal-estar
    • Odinofagia com disfagia
  • Rash da escarlatina:
    • Tipicamente, o rash aparece 24-48 horas após o início da doença.
    • Difuso, inicia-se pelo pescoço/parte superior do tronco, com extensão para o resto do tronco e extremidades
    • Poupa palmas e plantas
    • Mais pronunciado nas virilhas e axilas
    • Pode durar até 5 dias
    • 7 a 10 dias após a resolução: descamação da pele (especialmente nos dedos das mãos e nos pés)

Sinais

  • Sinais vitais: elevação da temperatura corporal
  • Aparência:
    • Mau estado geral
    • Rubor facial
  • Cabeça:
    • Palidez perioral
    • Membranas mucosas com uma tonalidade vermelha brilhante e com petéquias
    • Eritema e edema das amígdalas com um exsudado branco-acinzentado
    • “Língua em morango” (aumento das papilas da língua):
      • Inicialmente (em 24–48 horas), a língua encontra-se revestida por uma membrana esbranquiçada através da qual as papilas se projetam.
      • A membrana desprende-se, permitindo a visualização de uma língua vermelha e com proeminência das papilas.
  • Pescoço: adenopatia cervical, frequentemente dolorosa
  • Pele:
    • Rash:
      • No pescoço/tronco, axilas, virilhas e extremidades (poupa palmas e plantas)
      • Inicialmente apresenta-se com máculas pequenas, planas e eritematosas, semelhante a uma queimadura solar, com uma tonalidade esbranquiçada após a aplicação de pressão
      • Se observado posteriormente, apresenta-se com pequenas pápulas, dando uma sensação de “lixa” à pele.
    • “Linhas de Pastia”: acentuação do rash nas pregas cutâneas (por exemplo, axilas)
Língua de morango e escarlatina

“Língua em morango”: no início da doença, a língua pode estar coberta por uma membrana ou um revestimento branco através do qual se visualizam as papilas. Esta camada desprende-se, revelando uma língua vermelha brilhante com proeminência das papilas. Esta língua em morango é o resultado de uma resposta inflamatória geral, que ocorre no início da doença.

Imagem por Lecturio.

Diagnóstico e Tratamento

Diagnóstico

  • Os sintomas e o exame objetivo levantam a suspeita
  • Confirmação da infecção estreptocócica através de:
    • Teste de diagnóstico antigénico rápido (TDAR):
      • Crianças e adolescentes com TDAR negativo: Realizar uma cultura da orofaringe.
      • TDAR positivo: Não é necessária uma cultura.
    • Cultura da orofaringe positiva para S. pyogenes
  • Crianças com <3 anos: Não são necessários testes de diagnóstico, uma vez que a febre reumática aguda é rara nesta faixa etária.
  • Outros achados laboratoriais não específicos (dependendo da clínica e complicações) podem incluir:
    • Hemograma com leucocitose
    • Elevação dos marcadores inflamatórios (proteína C reativa (PCR), velocidade de sedimentação (VS))

Tratamento

Consiste no tratamento do agente causador da faringite, o Streptococcus pyogenes.

  • Objetivos:
    • Diminuir a duração da doença, a propagação da infeção e o aparecimento de complicações supurativas.
    • Prevenir a febre reumática aguda.
    • Prevenir a transmissão da doença.
  • Tratamento antibiótico:
    • Amoxicilina ou penicilina (fármacos de escolha)
    • Cefalosporinas (alternativa)
    • Nos casos de alergia à penicilina: clindamicina ou macrólido (azitromicina)

Curso da Doença e Complicações

Curso normal da doença

  • Geralmente, o curso da doença é ligeiro.
  • Tipicamente, alguns dias após o início da antibioterapia, observa-se uma melhoria clínica.
  • Sem tratamento, a febre e a doença aguda desaparecem em 5–7 dias.
  • A descamação da pele ocorre até 4 semanas após o início da doença e é autolimitada.
  • A maioria dos casos resolve sem complicações.

Complicações

  • Otite média: inflamação aguda do ouvido médio
  • Sinusite: inflamação aguda dos seios paranasais
  • Abcessos periamigdalianos e retrofaríngeos:
    • Complicação local da faringite
    • Manifesta-se com inflamação da orofaringe, dor localizada na orofaringe/pescoço, num doente com mau aspeto geral
  • Febre reumática:
    • Sequela tardia, não supurativa e autoimune da faringite
    • Ocorre em 2–4 semanas após a infeção
    • Principais manifestações: artrite, cardite, coreia, nódulos subcutâneos e eritema marginal
  • Glomerulonefrite pós-estreptocócica:
    • Doença glomerular causada por complexos imunes após uma infeção por SGA (estirpe nefrogénica)
    • Pode ocorrer apesar do tratamento da infeção com antibiótico
    • Ocorre 1-4 semanas após a infeção por S. pyogenes (infeção da pele > faringite)
    • Nefrite (proteinúria, edema, hipertensão e hematúria)
  • Bacteremia e sépsis:
    • Forma grave da infeção por S. pyogenes (ocorre por disseminação hematogénica, mais frequentemente, a partir da pele e tecidos moles)
    • Associa-se com febre alta, lesão órgão-alvo e elevada toxicidade sistémica

Diagnóstico Diferencial

  • Doença de Kawasaki: corresponde a uma vasculite febril da infância que se pode assemelhar à escarlatina por apresentar febre, adenopatia cervical, eritema oral, língua em morango e descamação da pele nas pontas dos dedos das mãos. Pode haver irritação da conjuntiva e eritema das palmas e plantas. A doença de Kawasaki costuma afetar crianças com < 5 anos.
  • Sarampo: manifesta-se com rash maculopapular que se inicia atrás das orelhas, na linha do cabelo e na testa. As lesões ficam pálidas quando aplicada pressão. Esta doença vírica associa-se a um pródromo de febre, conjuntivite, coriza e tosse. Podem ser visualizadas manchas de Koplik (pequenas pápulas da mucosa oral, brancas ou azuis e com uma base eritematosa).
  • Síndrome do choque tóxico estafilocócico: doença aguda febril, geralmente causada por S. aureus produtor de toxinas, mas, ocasionalmente, também por Streptococcus spp. (síndrome semelhante ao choque tóxico). O rash é macular e eritematoso, envolvendo a face, pescoço, axilas e virilhas. Existe um aumento da sensibilidade cutânea com áreas de descamação da epiderme.
  • Reação adversa a medicamentos: rash morbiliforme causado por uma reação imunológica a medicamentos. Este rash pode ocorrer em até 5% dos doentes a realizar medicamentos como penicilinas, sulfonamidas e fenitoína. Este pode acompanhar-se de prurido, febre, eosinofilia e adenopatia.
Tabela: Comparação dos rashes comuns da infância
Número Outro nome para a doença Etiologia Descrição
1ª doença
  • Sarampo
  • Rubeola
  • Sarampo de 14 dias
  • Morbilli
Morbilivírus do sarampo
  • Tosse, coriza, conjuntivite
  • Manchas de Koplik (manchas branco-azuis com um halo vermelho) na membrana bucal
  • O rash maculopapular inicia-se na face e atrás das orelhas → espalha-se para o tronco/extremidades
2ª doença
  • Escarlatina
Streptococcus pyogenes
  • Rash maculopapular com pele tipo lixa que se inicia no pescoço e virilhas → espalha-se para o tronco/extremidades
  • Áreas escuras e hiperpigmentadas, especialmente nas pregas da pele, chamadas linhas de Pastia
  • Língua em morango: revestida com uma membrana branca através da qual aparecem papilas vermelhas e tumefactas
3ª doença
  • Rubéola
  • Sarampo alemão
  • Sarampo de 3 dias
Vírus da rubéola
  • Assintomática em 50% dos casos
  • Rash macular ligeiro na face (atrás das orelhas) → espalha-se para o pescoço, tronco e extremidades (poupa palmas e plantas)
  • Manchas de Forscheimer: observação de máculas vermelhas e petéquias, do tamanho da cabeça de um alfinete, sobre o palato mole/úvula
  • Adenopatias dolorosas generalizadas
4ª doença
  • Síndrome da pele escaldada estafilocócica
  • Doença de Filatow-Dukes
  • Doença de Ritter
Causada por estirpes de Staphylococcus aureus produtoras da toxina epidermolítica (esfoliativa)
  • Alguns acreditam que a 4ª doença é um diagnóstico errado e, portanto, inexistente.
  • O termo foi abandonado na década de 1960, sendo apenas utilizado pela comunidade médica atualmente.
  • Inicia-se como um rash eritematoso e difuso ao redor da boca → bolhas preenchidas por líquido ou vesículas → rutura e descamação
  • Sinal de Nikolsky: A aplicação de pressão sobre a pele com um dedo (gentilmente) resulta na descamação das camadas superiores.
5ª doença Eritema infeccioso Eritrovírus ou parvovírus B19 (eritroparvovírus primata 1)
  • Eritema facial (“face esbofeteada”) com pápulas vermelhas nas bochechas
  • Inicia-se na face → espalha-se para as extremidades → extensão para o tronco/nádegas
  • Inicialmente é confluente, tornando-se posteriormente rendilhado ou reticular
6ª doença
  • Exantema súbito
  • Roseola infantil
  • Rash rosado dos lactentes
  • Febre de 3 dias
Herpesvírus humano 6B ou herpesvírus humano 7
  • Início súbito de febre alta
  • Manchas de Nagayama: pápulas no palato mole/úvula
  • O rash inicia-se após a resolução da febre (o termo “exantema súbito” advém da “surpresa” da ocorrência do rash após a cessação da febre)
  • Numerosas máculas, em forma de amêndoa, rosa claro-rosa no tronco e pescoço → por vezes, espalha-se para o rosto/extremidades

Referências

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  2. Pichichero, M.E., & Baron, E.L. (Eds.) (2019). Complications of streptococcal tonsillopharyngitis. UpToDate. Retrieved 6 Dec 2020, from https://www.uptodate.com-streptococcal complications 
  3. Riedel, S., Hobden, J.A., Miller, S., Morse, S.A., Mietzner, T.A., Detrick, B., Mitchell, T.G., Sakanari, J.A., Hotez, P., & Mejia, R. (Eds.). (2019). The streptococci, enterococci, and related genera. Jawetz, Melnick, & Adelberg’s Medical Microbiology, 28e. McGraw-Hill.
  4. Sanders, M., & Speer, L. (2019). Scarlet fever and strawberry tongue. In Usatine, R.P., Smith, M.A., Mayeaux, Jr. E.J., & Chumley H.S. (Eds.). The Color Atlas and Synopsis of Family Medicine, 3e. McGraw-Hill.
  5. Sotoodian, B., & Rao, J. (2020). Scarlet fever. Medscape. Retrieved 6 Dec 2020, from https://emedicine.medscape.com/article/1053253-overview#a7
  6. Wald, E.R. (2020). Group A streptococcal tonsillopharyngitis in children and adolescents: Clinical features and diagnosis. UpToDate. Inc. Retrieved 6 Dec 2020 from https://www.uptodate.com- streptococcal tonsillopharyngitis
  7. Wessels, M. R. (2018). Streptococcal infections. In J. L. Jameson, A. S. Fauci, D. L. Kasper, S. L. Hauser, D. L. Longo, & J. Loscalzo (Eds.), Harrison’s principles of internal medicine, 20e. New York, NY: McGraw-Hill Education. accessmedicine.mhmedical.com/content.aspx?aid=1160013257

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