Atresia Anorretal

O termo atresia anorretal refere-se a um espectro de malformações anorretais congénitas de etiologia incerta. Estas alterações variam desde um simples ânus imperfurado numa região anorretal normal até alterações complexas que envolvem o sistema urogenital. Por vezes, a atresia anorretal é um achado isolado, mas pode também ocorrer como parte de uma síndrome multiorgânica. O diagnóstico é geralmente realizado durante o exame inicial do recém-nascido ou após um atraso na eliminação do mecónio por mais de 24 horas após o nascimento. O prognóstico varia de acordo com a complexidade. O tratamento é predominantemente cirúrgico.

Última atualização: Jun 27, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Epidemiologia

  • 1 em 5.000 nascimentos nos Estados Unidos
  • A incidência é maior em rapazes do que raparigas.
  • A maioria dos casos são esporádicos (sem história familiar).
  • Fatores de risco parentais:
    • Paternos: tabagismo
    • Maternos: obesidade e diabetes
  • Frequentemente existem alterações associadas, estas são facilmente relembradas através da sigla VACTERL:
    • Vertebral anomalies (alterações vertebrais)
    • Anal artesia (atresia anal)
    • Cardiac defects (defeitos cardíacos)
    • TracheoEsophageal fistula/atresia (fístula/atresia traqueoesofágica)
    • Renal anomalies and Radial aplasia (anomalias renais e aplasia do rádio)
    • Limb anomalies (alterações dos membros)
  • Existe uma associação entre a atresia anorretal e as trissomias 21 e 18.

Etiologia

A atresia anorretal tem origem em desvios ao desenvolvimento embrionário normal dos órgãos abdominais que servem para criar o reto e o canal anal do adulto.

  • Durante as 7 a 8 semanas de gestação, o intestino posterior e o alantoide abrem-se numa cloaca comum.
  • A cloaca encontra-se revestida de endoderme e separada da ectoderme superficial pela membrana cloacal.
  • Às 7 semanas de gestação, a cloaca é dividida por um septo urorretal no seio urogenital e tubérculo do reto/anal.
  • Após a formação de uma abertura urogenital ventral, a membrana cloacal dorsal ao septo urorretal (ou seja, a membrana anal) é gradualmente reabsorvida, unindo a ectoderme à endoderme e criando o orifício anal.
  • Alterações do desenvolvimento em qualquer lugar nestes estadios resultam numa malformação anorretal.
Cloaca do embrião humano

Cloaca de um embrião humano com 25-27 dias

Imagem por Lecturio.

Classificação

As malformações anorretais podem ser divididas em lesões altas e baixas consoante o nível do assoalho pélvico (músculo elevador do ânus):

  • Lesões altas/supra-elevador
    • Mais difíceis de corrigir e com maior propensão para a incontinência fecal
    • Rapazes:
      • Fístula retobulbar (o tipo mais comum)
      • Fístula retoprostática
      • Fístula retovesical
    • Raparigas:
      • Fístula retovestibular
      • Fístula retovaginal
      • A malformação cloacal tem o pior prognóstico.
  • Lesões baixas/infra-elevador
    • Relativamente fáceis de corrigir, mas propensas à obstipação
      • Fístula retoperineal em ambos os sexos
      • O reto comunica com a pele, mas o canal não está protegido por um esfíncter.
    • O ânus pode também terminar em bolsa cega.

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Diagnóstico

Os defeitos são frequentemente identificados durante o exame físico do recém-nascido. Os casos que passam despercebidos são geralmente identificados dentro de 24 horas, após a ausência de eliminação do mecónio e distensão abdominal.

Exame objetivo

  • Pistas acerca do tipo de malformação do recém-nascido:
    • Abertura perineal: indica um defeito baixo
    • Amostra de urina para pesquisa de mecónio:
      • Em rapazes sem abertura perineal e raparigas sem abertura perineal ou vestibular
      • Uma amostra positiva indica a existência de uma fístula do trato urinário.
    • Palpação para pequisa de massas abdominais: pode indicar hidronefrose ou hidrocolpos
  • O diagnóstico de atresia anorretal deve levar à realização de um exame minucioso para pesquisar a presença de anomalias congénitas associadas:
    • Exame do coto umbilical
      • A ausência da artéria umbilical associa-se frequentemente à atresia anal
      • Potencial associação com ausência de rim
      • Rapazes: verificar a presença de testículos normalmente posicionados
      • Raparigas: verificar a permeabilidade vaginal
    • Exame cardíaco: A auscultação cardíaca pode revelar sopros resultantes da Tetralogia de Fallot ou de um defeito do septo ventricular.

Imagiologia

  • A ecografia pré-natal pode identificar características sugestivas, como
    • Polihidrâmnios
    • Quistos intra-abdominais
    • Hidrocolpos
    • Hidronefrose
  • Se às 24 horas de vida, o lactente não tiver evacuado:
    • Deve obter-se uma radiografia em pronação lateral.
    • A ecografia pode também identificar alterações geniturinárias e gastrointestinais associadas.
    • Outros estudos radiográficos, como o exame contrastado da uretra, exame contrastado do cólon e fistulografia, podem ser utilizados.
    • Uma ressonância magnética (RMN) da coluna vertebral pode estar indicada em doentes com uma radiografia pélvica anormal.

Tratamento

Médico

  • Uma vez identificados os defeitos, o lactente não deve ser alimentado pela via oral.
  • A administração de fluidos intravenosos e eletrólitos deve ser individualizada, de forma a assegurar as necessidades nutricionais do recém-nascido.
  • Se houver suspeita de fístula urinária: antibióticos de largo espectro
  • O tratamento de alterações com risco de vida deve ter precedência.

Cirúrgico

  • Reparação primária: geralmente realizado em bolsas retais
    • < 1 cm identificado por imagem
    • Com ou sem fístula perineal/vestibular
    • Sem alterações urogenitais associadas
  • Colostomia + reparação por estadios: em crianças em quem não se pode realizar a reparação primária
    • Dentro das ou após as 24 horas: colostomia precoce
    • Várias semanas depois: anoretoplastia sagital posterior (o procedimento mais comum)
    • Após cicatrização das feridas: encerramento da colostomia
Ânus imperfurado com cirurgia de fístula retopenil

Uma uretrografia (a) onde se observa a uretra e a bexiga, com uma pequena quantidade de contraste no reto. É visualizada a localização da fístula que entra na uretra (seta). Anoretoplastia sagital posterior limitada (b), com divisão do reto (seta superior) e cateter na fístula (seta inferior).

Imagem : “Urethrography showed the urethra and the bladder” pelo Department of Pediatric Surgery, West China Hospital, Sichuan University, Chengdu, 610041, People’s Republic of China. Licença: CC BY 4.0

Referências

  1. Rosen NG. (2019). Pediatric Imperforate Anus. Medscape. NewYork NY. WebMD. Retrieved Oct 6, 2020, from https://emedicine.medscape.com/article/929904-overview#a2
  2. Cuschieri A; (2002). EUROCAT Working Group. Anorectal anomalies associated with or as part of other anomalies. Am J Med Genet.
  3. Anorectal malformations in neonates. Afr J Paediatr Surg.  2011; 8(2):151-4 (ISSN: 0974-5998)

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