Ascite

Ascite é a denominação dada à acumulação patológica de líquido no interior da cavidade peritoneal. Esta ocorre devido a um desequilíbrio de pressão osmótica e/ou hidrostática secundária à hipertensão portal (cirrose, insuficiência cardíaca) ou hipertensão não portal (hipoalbuminemia, malignidade, infeção). Os pacientes geralmente apresentam distensão abdominal progressiva e ganho de peso. O exame abdominal pode revelar macicez e uma onda ascítica positiva. O diagnóstico é estabelecido com uma ecografia, e as etiologias podem ser distinguidas pela análise do líquido ascítico resultante da paracentese. O tratamento passa pela restrição de sódio na dieta, diuréticos e tratamento da doença de base.

Última atualização: Jan 16, 2024

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Definição e epidemiologia

  • Acumulação de líquido no interior cavidade peritoneal
  • Associada ao aumento da mortalidade em pacientes cirróticos
    • Ascite episódica → 50% de mortalidade em 3 anos
    • Ascite refratária → 50% de mortalidade em 1 ano
  • 5% dos pacientes terão mais de uma causa.

Etiologia

  • Hipertensão portal:
    • A cirrose é a causa mais comum (80% dos casos).
    • Hepatite (sem cirrose)
    • Doença hepática veno-oclusiva (Síndrome de Budd-Chiari)
    • Insuficiência cardíaca
    • Pericardite constritiva
    • Hemodiálise
  • Hipoalbuminemia:
    • Síndrome nefrótico
    • Enteropatia
    • Desnutrição
  • Doença peritoneal:
    • Neoplasias
    • Infeção
    • Diálise peritoneal
  • Outras:
    • Ascite quilosa
    • Lesão do ducto pancreático
    • Mixedema
    • Hemoperitoneu
    • Vasculite

Fisiopatologia

A ascite é causada por um desequilíbrio da pressão osmótica e/ou hidrostática, muitas vezes secundária a:

  • Hipertensão portal (mais comum)
  • Hipertensão não portal:
    • Hipoalbuminemia
    • Malignidade
    • Infeção

Ascite relacionada com hipertensão portal:

  • ↑ Pressão na veia porta → ↑ pressão hidrostática nos vasos hepáticos a jusante → deslocamento de fluido do espaço intravascular para a cavidade peritoneal
  • ↑ Vasodilatação esplâncnica e acumulação de sangue → ↓ volume arterial → ↓ fluxo sanguíneo renal → ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA) → retenção de sódio e água

Ascite relacionada à hipertensão não portal:

  • Hipoalbuminemia: ↓ pressão oncótica nos vasos → ↓ gradiente osmótico intravascular → deslocação do fluido do espaço intravascular para a cavidade peritoneal
  • Malignidade: bloqueio dos canais linfáticos e ↑ permeabilidade vascular
  • Infeção: ↑ permeabilidade vascular
Ascities

Patogénese da ascite:
O desenvolvimento da ascite devido à cirrose é causado por múltiplos factores que causam um desequilíbrio hidrostático e/ou oncótico.

Imagem por Lecturio.

Apresentação Clínica

Sintomas

  • Distensão abdominal
  • Aumento de peso
  • Desconforto abdominal
  • Dispneia
  • Saciedade precoce
  • O curso temporal dos sintomas varia de acordo com a etiologia.

Exame objetivo

  • Distensão abdominal: pode estar associada com eversão umbilical
  • Macicez variável:
    • Variação da macicez abdominal (de maciço para timpânico) quando o paciente muda de decúbito dorsal para decúbito lateral
    • É necessário estar presente cerca de 1,5 L para ser detetada por este método.
  • Teste de onda ascítica:
    • Onda produzida batendo em 1 lado do abdómen num paciente na posição supina
    • Esta onda de fluido será transmitida para o outro lado do abdómen através do fluido ascítico.
  • Achados de acordo com a etiologia subjacente:
    • Doença hepática:
      • Hepatoesplenomegalia
      • Icterícia e icterícia escleral
      • Telangectasias
      • Eritema palmar
      • Caput medusae
    • Insuficiência cardíaca:
      • Crepitações
      • Distensão venosa jugular
      • Edema periférico
    • Neoplasia:
      • Perda de peso
      • Nódulo de Virchow (linfonodo supraclavicular esquerdo aumentado)

Diagnóstico

Etapas iniciais

  • Ecografia
    • Melhor exame de 1ª linha
    • Sensível na deteção de líquido ascítico (pode detetar > 30 mL)
    • Pode avaliar concomitantemente a presença de patologia hepática
  • A paracentese diagnóstica é indicada para:
    • Ascite de início recente
    • Ascite de grande volume ou com aumento de volume recente
    • Suspeita de peritonite bacteriana espontânea (PBE)
  • Tomografia Computadorizada (TC)
    • Não é o teste diagnóstico de 1ª linha, mas também pode demonstrar ascite
    • Útil na avaliação de causas subjacentes (p. ex., malignidade)

Análise do líquido ascítico

O próximo passo requer a análise do líquido ascítico.

  • Aparência e cor:
    • Sanguinolento → trauma, malignidade
    • Leitoso → quiloso, pancreático
    • Turvo → possível infeção
  • Contagem diferencial de células:
    • < 250 leucócitos polimorfonucleares (PMN)/mm³ → sem peritonite
    • > 250 PMN/mm³ → peritonite
  • Albumina:
    • Calcular o gradiente de albumina ascite sérica (SAAG)
    • (Nível de albumina sérica) – (nível de albumina ascítica)
      • > 1,1 g/dL → sugere hipertensão portal
      • < 1,1 g/dL → não relacionado à hipertensão portal
  • Lactato desidrogenase (LDH) e citologia → malignidade
  • Coloração de Gram, cultura microbiana e glicose → ascite infeciosa
    • Esfregaço e cultura de bacilos álcool-ácido resistentes → se suspeita de tuberculose
  • Triglicerídeos → ascite quilosa
  • Amilase → ascite pancreática
  • Proteínas totais:
    • Anteriormente usado para determinar se o fluido era um exsudato ou transudato
    • Agora substituído pelo SAAG

Outros estudos laboratoriais úteis para uma possível etiologia

  • Hemograma completo:
    • Pancitopenia → cirrose
    • Leucocitose → infeção
  • Testes de função hepática → doença hepática, hepatopatia congestiva por insuficiência cardíaca
  • Albumina → hipoalbuminemia observada na cirrose e na síndrome nefrótica
  • Estudo da coagulação → cirrose
  • Peptídeo natriurético cerebral (BNP)→ insuficiência cardíaca
  • Hormona estimulante da tiróide → mixedema
  • Proteína urinária em 24 horas → síndrome nefrótica
Tabela: Possíveis etiologias da ascite com base no SAAG
SAAG > 1,1 g/dL: sugestivo de hipertensão portal SAAG <1,1 g/dL: causas não relacionadas à hipertensão
  • Cirrose
  • Hepatite alcoólica
  • Carcinoma hepatocelular
  • Congestão venosa (comum por insuficiência cardíaca direita)
  • Síndrome de Budd-Chiari
  • Carcinomatose peritoneal
  • Ascite infeciosa:
    • Tuberculose
    • Clamídia
  • Síndrome nefrótico
  • Doença pancreática
  • Enteropatia perdedora de proteínas

Tratamento

Tratamento conservador

  • Restrição de sódio (< 2 g/dia)
  • Tratamento da etiologia subjacente.
  • Terapêutica diurética:
    • Furosemida
    • Espironolactona

Tratamento invasivo

  • Paracentese terapêutica:
    • Alívio rápido dos sintomas
    • Usado se a ascite for refratária a medidas conservadoras
    • A infusão de albumina é necessária se forem removidos > 5 L de ascite (previne grandes deslocação de fluidos intravasculares, lesão renal e alterações hidroeletrolíticas)
  • Derivação portossistémica intra-hepática transjugular (TIPS):
    • Cria uma ligação entre as circulações portal e sistémica para reduzir a hipertensão portal
    • Para pacientes com ascite refratária às medidas supracitadas
  • Considerar transplante hepático nos pacientes cirróticos com ascite refratária

Algoritmo de gestão do paciente

A figura abaixo resume como abordar o tratamento num paciente com ascite:

Manejo da ascite

Tratamento da ascite refratária

Imagem por Lecturio.

Complicações

Peritonite bacteriana espontânea

  • Infeção bacteriana do líquido ascítico, comum e potencialmente fatal.
  • Sintomas:
    • Febre
    • Dor abdominal
    • Hipotensão
    • Encefalopatia
  • Diagnóstico:
    • Paracentese com PMN > 250 células/mm³ no líquido ascítico
    • Mais frequentemente causada por organismos gram-negativos aeróbicos (Escherichia coli)
  • Tratamento:
    • Cefotaxima ou ceftriaxone intravenosa (IV)
    • A albumina IV diminui a mortalidade ao diminuir o risco de insuficiência renal aguda.
  • A profilaxia é considerada em pacientes com:
    • Hemorragia gastrointestinal (GI): ceftriaxone ou norfloxacina
    • Episódios anteriores de PBE: terapia de longo prazo com norfloxacina ou trimetoprima-sulfametoxazol (TMP-SMX)

Hidrotórax hepático

  • Desenvolvimento de derrame pleural em pacientes com cirrose
  • Provavelmente devido à passagem de ascite para o espaço pleural através de defeitos no diafragma
  • Sintomas:
    • Dispneia
    • Tosse não produtiva
    • Dor torácica com características pleuríticas
  • Diagnóstico:
    • Derrame pleural pode ser visualizado na radiografia de tórax.
    • A toracocentese pode confirmar o diagnóstico.
      • Transudado
      • A baixa contagem de PMN exclui o empiema bacteriano espontâneo.
      • Descartar outras causas.
  • Tratamento:
    • Semelhante à ascite (restrição de sódio, diuréticos)
    • Hidrotórax refratário:
      • Toracentese
      • TIPS
      • Considerar transplante hepático

Hérnia umbilical

  • Protuberância perto do umbigo:
    • Devido à protrusão de intestino ou tecido adiposo através da parede abdominal
    • Resultados do aumento da pressão abdominal secundária à ascite
  • Ocorre em 20% dos pacientes com ascite
  • Normalmente assintomático
  • A possibilidade de encarceramento deve ser considerado se a hérnia se tornar dolorosa e não puder ser reduzida.
  • Tratamento:
    • Tratamento da ascite
    • Reparação cirúrgica

Riscos associados a paracenteses de repetição

  • Hipovolemia
  • Lesão renal aguda
  • Hemorragia
  • Perfuração intestinal
  • Desequilíbrios eletrolíticos
  • Infeção

Diagnóstico diferencial

  • Obesidade: deposição anormal e excessiva de gordura, que apresenta risco para a saúde do paciente. Os locais de acumulação de gordura podem variar de pessoa para pessoa. A obesidade abdominal pode dar a aparência de distensão abdominal. Calcular o índice de massa corporal (IMC) do paciente e avaliar a história pode dar pistas para o diagnóstico. Além disso, o estudo imagiológico não demonstrará ascite. O tratamento concentra-se em modificações no estilo de vida.
  • Quisto no ovário: mais comumente apresentado como uma massa assintomática em mulheres. Esses quistos podem ser fisiológicos, malignos ou benignos. Os pacientes podem ter dor pélvica, inchaço e distensão abdominal (se significativamente aumentados). O diagnóstico é feito com exame pélvico e ecografia, que vai diferenciar um quisto no ovário de ascite. O tratamento depende do tipo de quisto; pode exigir cirurgia se o este for grande ou houver preocupação com malignidade.
  • Obstrução do intestino delgado: interrupção do fluxo normal do conteúdo intraluminal no intestino. A obstrução pode ser funcional ou mecânica. Os pacientes podem ter dor abdominal, distensão e vómitos. Ao exame físico mostra timpanismo à percussão em vez de flutuação ascítica. O diagnóstico é feito pela história clínica ou radiografia abdominal, que pode mostrar dilatação das ansas intestinais e níveis hidroaéreos. O tratamento inclui descompressão nasogástrica, fluidos intravenosos e, por vezes, cirurgia.
  • Kwashiorkor: um estado desnutrição aguda grave mais comumente observada em crianças de países com recursos limitados (embora também possa ocorrer em adultos mais velhos). Os achados ao exame físico incluem distensão abdominal, anasarca, bradicardia e hipotensão. A história e a evidência de emagrecimento grave apontarão para o diagnóstico e descartar as causas de ascite. O tratamento inclui suporte nutricional e monitorização próxima para complicações de realimentação.
  • Gravidez: período de desenvolvimento fetal no útero da mulher. A expansão do útero aumentará o tamanho abdominal. O diagnóstico é feito através da dosagem da gonadotrofina coriónica humana (hCG) e confirmado com ecografia, que a diferencia da ascite.

Referências

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  2. Runyon, B.A. (2020). Ascites in adults with cirrhosis: Initial therapy. In Robson, K.M. (Ed.) Uptodate. Retrieved November 3, 2020, from https://www.uptodate.com/contents/ascites-in-adults-with-cirrhosis-initial-therapy
  3. Runyon, B.A. (2019). Diagnostic and therapeutic abdominal paracentesis. In Robson, K.M. (Ed.) Uptodate. Retrieved November 3, 2020, from https://www.uptodate.com/contents/diagnostic-and-therapeutic-abdominal-paracentesis
  4. Runyon, B.A. (2019). Evaluation of adults with ascites. In Robson, K.M. (Ed.) Uptodate. Retrieved November 3, 2020, from www.uptodate.com/contents/evaluation-of-adults-with-ascites
  5. Cardenas, A., Kelleher, T.B., Chopra, S. (2020). Hepatic hydrothorax. In Robson, K.M. (Ed.) Uptodate. Retrieved November 3, 2020, from https://www.uptodate.com/contents/hepatic-hydrothorax
  6. Tholey, D. (2019). Ascites [online]. MSD Manual Professional Edition. Retrieved November 3, 2020, from https://www.msdmanuals.com/professional/hepatic-and-biliary-disorders/approach-to-the-patient-with-liver-disease/ascites
  7. Coelho, J. C., Claus, C. M., Campos, A. C., Costa, M. A., & Blum, C. (2016). Umbilical hernia in patients with liver cirrhosis: A surgical challenge. World journal of gastrointestinal surgery8(7), 476–482. https://doi.org/10.4240/wjgs.v8.i7.476

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