Volvo Intestinal

O volvo intestinal consiste na torção ou rotação axial de parte do intestino à volta do mesentério. Em adultos, o volvo ocorre mais frequentemente no cólon; o mais comum é o volvo do sigmoide. Habitualmente, os doentes apresentam sintomas de obstrução intestinal, como dor e distensão abdominal, vómitos e obstipação. Nos casos graves, também podem estar presentes sinais de isquemia intestinal e gangrena (taquicardia, hipotensão, hematoquézias e peritonite). A suspeita clínica leva à realização de exame de imagem para confirmar o diagnóstico e o tratamento definitivo consiste na cirurgia. Em doentes estáveis com volvo do sigmoide, pode ser realizada uma distorção endoscópica prévia à cirurgia. No entanto, caso ocorra perfuração ou isquemia do cólon é necessária cirurgia imediata.

Última atualização: May 4, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Definição

O volvo intestinal consiste na torção de um segmento do intestino à volta do mesentério, com consequente obstrução intestinal.

Epidemiologia

  • É a 3.ª causa mais frequente de obstrução do intestino grosso depois da neoplasia e da diverticulite
  • Formas de volvo do cólon:
    • Sigmoide (80%; mais comum)
    • Cego (15%)
    • Cólon transverso (3%)
    • Flexura esplênica (2%)
  • Volvo do sigmoide:
    • Homens mais velhos (idade média de 70 anos)
    • Por vezes, afeta doentes mais jovens com dismotilidade do cólon
  • Volvo do cego: frequente em mulheres de meia-idade

Etiologia

Volvo do sigmoide:

  • Mesentério comprido com base estreita para tornar possível a torção
  • Cólon alongado redundante, frequentemente causado por obstipação crónica
  • Fatores de risco:
    • Idade (50% dos doentes tem > 70 anos)
    • Institucionalizados/residentes em lares de idosos
    • Patologias neurológicas (por exemplo, doença de Parkinson, esclerose múltipla)
    • História prévia de volvo
    • Dieta rica em fibras
    • Obstipação crónica e abuso de laxantes
    • Megacólon (doença de Hirschsprung, doença de Chagas)
    • Gravidez

Volvo do cego:

  • Normalmente, congénito
  • Fixação dorsal e incompleta do mesentério do cego
  • Mesentério alongado

Fisiopatologia

  • A torção do intestino à volta do seu eixo causa uma obstrução intestinal mecânica em ansa fechada.
  • Ocorre acumulação de gás, água e fezes no interior da ansa → aumento da pressão intraluminal
  • A fermentação bacteriana contribui para a distensão; a perfusão capilar é comprometida pelo aumento da pressão intraluminal.
  • Compromisso da perfusão capilar intestinal → estrangulamento e isquemia
  • Pode ocorrer oclusão vascular no mesentério caso a torção seja apertada o suficiente (> 360° de torção)
  • Torção do pedículo vascular mesentérico → oclusão/trombose dos vasos mesentéricos → isquemia
  • 3 tipos de volvo do cego:
    • Tipo 1: torção do cego no sentido horário ao longo do eixo longo (cego no quadrante inferior direito)
    • Tipo 2: torção do cego e íleo terminal no sentido anti-horário (cego no quadrante superior esquerdo)
    • Tipo 3: báscula do cego (dobra do cego para cima em vez de torção)

Apresentação Clínica

Volvo do sigmoide

  • Normalmente, o início é lento e insidioso.
  • Dor abdominal com distensão gradual
  • Dor constante com episódios de cólica concomitantes
  • Náuseas, obstipação
  • Normalmente, vómitos alguns dias após o início da dor

Volvo do cego

  • A apresentação clínica é variável:
    • Dor abdominal intermitente e cólicas com início insidioso
    • Dor abdominal com início súbito e agudo
    • Os sintomas duram horas a dias
    • A presença de dor intensa e constante pode indicar isquemia ou perfuração.
  • Sintomas associados:
    • Náuseas e vómitos biliares
    • Obstipação (incapacidade na passagem de gases ou fezes)

Diagnóstico

História clínica

  • Obstipação crónica
  • Uso de laxantes a longo prazo
  • Patologias neurológicas (por exemplo, doença de Parkinson)
  • Fármacos que afetam a motilidade intestinal (psicotrópicos, opioides)

Exame objetivo

  • Abdómen distendido e com timpanismo
  • Pode estar distendido de forma assimétrica, com uma zona vazia no lado direito ou esquerdo
  • Dor à palpação
  • Sinais de isquemia ou perfuração:
    • Dor abdominal desproporcional ao exame físico
    • Sinais de irritação peritoneal (defesa, rigidez e dor à descompressão)
    • Taquicardia
    • Hipotensão
    • Febre
    • Hematoquézias ou sangue no toque retal

Estudo laboratorial

  • Hemograma completo:
    • Habitualmente, normal
    • A presença de leucocitose significativa pode sugerir a ocorrência de isquemia/perfuração.
  • Bioquímica:
    • Habitualmente, normal
    • Hipocaliemia/alcalose metabólica com vómitos prolongados
    • Acidose metabólica/elevação do ácido lático com isquemia/perfuração
  • Teste de gravidez: solicitado em todas as mulheres em idade fértil

Imagiologia

  • Radiografia abdominal em pé:
    • Volvo do sigmoide: sinal do grão de café (sigmoide dilatado com projeção para o quadrante superior direito)
    • Volvo do cego:
      • Sinal do grão de feijão (ansa do cólon dilatado que se estende do lado direito até o meio do abdómen)
      • Sinais de obstrução do intestino delgado (OID): ansas distendidas, níveis hidroaéreos
    • Pneumoperitoneu: sugere perfuração
  • TC abdominal:
    • Exame confirmatório
    • Sinal do redemoinho:
      • Patognomónico de volvo
      • Indica torção do mesentério
    • Dilatação do intestino delgado (sobretudo no volvo do cego)
    • Dilatação significativa do cólon com descompressão distal e ausência de ar no reto
    • Sinais de isquemia:
      • Pneumatose intestinal (ar na parede intestinal) e gás na veia porta
      • Espessamento da parede intestinal (devido à ausência da drenagem venosa/linfática)
      • Líquido livre intraperitoneal
      • Drenagem de gordura mesentérica
      • Realces diferentes da parede (má captação do contraste intravenoso (IV) na parede do intestino afetado)
      • A presença de ar livre indica perfuração.
  • Enema com contraste:
    • Raramente necessário para o diagnóstico
    • Volvo do sigmoide:
      • Pode ser observado o sinal do bico de pássaro no sigmoide.
      • O corante não ultrapassa o ponto de torção no cólon sigmoide.
    • Volvo do cego: sinal do bico de pássaro, o corante não entra no intestino delgado

Tratamento

Tratamento de suporte inicial

  • Fluido IV e correção dos distúrbios eletrolíticos
  • Pausa alimentar “Nil per os” (NPO)
  • Descompressão nasogástrica se vómitos/sinais de OID
  • Antibióticos IV, se suspeita de isquemia/perfuração/sinais de sépsis

Volvo do sigmoide

Sigmoidoscopia com distorção:

  • Realizada em doentes estáveis sem suspeita de isquemia ou perfuração
  • Flexível ou rígida
  • Deve ser deixado um tubo retal no local para descompressão e como prevenção da recorrência imediata.
  • Taxa de sucesso: 75%–95%
  • Recorrência: até 84%
  • É recomendada a realização de cirurgia definitiva, exceto se o doente apresentar um elevado risco cirúrgico.
  • Deve ser feita uma tentativa de descompressão, se possível, antes da cirurgia:
    • Converte uma cirurgia emergente em cirurgia eletiva e permite o planeamento pré-operatório
    • Permite a criação de uma anastomose primária com sucesso (ajuda a evitar a colostomia)

Cirurgia:

  • Indicações:
    • Peritonite, sinais de isquemia/perfuração
    • Distorção endoscópica mal sucedida
    • Distorção bem-sucedida em doentes que são considerados bons candidatos cirúrgicos
  • Procedimentos:
    • Colectomia do sigmoide com anastomose primária: doentes estáveis com cólon viável
    • Colectomia do sigmoide com colostomia terminal (procedimento de Hartmann): doentes instáveis, perfuração, isquemia
Vólvulo de sigmóide durante a cirurgia

Volvo do sigmoide (visão intraoperatória)

Imagem: “Sigmoid volvulus during surgery” pelo General Surgery Department, Aga Khan University Hospital, Stadium Road, Karachi 74800, Pakistan. Licença: CC BY 2.0

Volvo do cego

  • Intervenção cirúrgica após a estabilização do doente
  • A descompressão por colonoscopia aumenta o risco de perfuração e não é realizada.
  • Procedimentos:
    • Doentes hemodinamicamente estáveis: ressecção ileocecal ou colectomia direita com anastomose ileocólica
    • Doentes instáveis:
      • Distorção e fixação cirúrgica do cego (para o intestino viável) +/- tubo de colostomia para descompressão
      • Colectomia direita com ileostomia (para o intestino isquémico/com necrose)

Prognóstico

Mortalidade global:

  • Volvo do cego: 6,64%
  • Volvo do sigmoide: 9,44%

Preditores de mortalidade:

  • Gangrena intestinal/peritonite
  • Idade avançada
  • Coagulopatia
  • Doença renal crónica
  • Criação do estoma durante a cirurgia

Diagnóstico Diferencial

  • Megacólon/pseudo-obstrução aguda: dilatação maciça de todo o cólon secundária a um problema funcional, contrariamente ao que acontece numa obstrução mecânica; habitualmente, o diagnóstico é feito pela combinação da história clínica e exames de imagem. Normalmente, o tratamento é médico e a cirurgia está reservada para os casos mais avançados associados a isquemia e sépsis.
  • Megacólon tóxico: é uma complicação da colite infeciosa ou inflamatória. As manifestações incluem taquicardia, hipotensão e distensão abdominal maciça. O diagnóstico baseia-se na sintomatologia, como história de diarreia sanguinolenta, febre/infeção e achados na TC característicos de megacólon tóxico. O tratamento depende da causa subjacente, sendo a cirurgia reservada para os casos em que ocorre falência do tratamento médico.
  • Obstrução mecânica do intestino grosso (OIG): interrupção na passagem do conteúdo através do cólon. A apresentação é semelhante ao quadro clínico e achados radiográficos (dilatação do cólon) observados no volvo do sigmoide. O diagnóstico definitivo é feito através da tomografia computadorizada e, por vezes, com recurso a colonoscopia. Habitualmente, o tratamento consiste na ressecção cirúrgica para tratar a causa da obstrução.
  • Obstrução mecânica do intestino delgado (OID): interrupção na passagem do conteúdo através do intestino delgado. A apresentação é semelhante ao quadro clínico e a alguns achados radiográficos (dilatação do intestino delgado) observados no volvo do cego. O diagnóstico definitivo é estabelecido através da tomografia computadorizada. Frequentemente, o tratamento médico é bem-sucedido. A cirurgia está reservada para os casos com apresentação clínica grave e falência do tratamento médico.

Referências

  1. Halabi W.J., Jafari M.D., Kang C.Y., Nguyen V.Q., Carmichael J.C., Mills S., et al. (2014). Colonic volvulus in the United States: trends, outcomes, and predictors of mortality. Ann Surg.
  2. Hodin R.A. (2020). Cecal Volvulus. Retrieved February 15, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/cecal-volvulus
  3. Hodin R.A. (2020). Sigmoid Volvulus. Retrieved February 15, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/sigmoid-volvulus
  4. Thornton S.C. (2020). Sigmoid and Cecal Volvulus. Retrieved February 16, 2021, from https://emedicine.medscape.com/article/2048554-overview
  5. Williams N., Bulstrode Ch. (2013). Bailey and Love’s Short Practice of Surgery 26th ed. (pg 1181–1198).

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