Vírus da Hepatite D

O vírus da hepatite D (VHD) é um pequeno vírus de RNA de cadeia simples, com envelope. O vírus da hepatite D é considerado um vírus satélite, pois requer a presença do vírus da hepatite B (VHB) para a sua agregação e libertação. Portanto, para que um indivíduo fique infetado com hepatite D, é necessária a coinfeção ou sobreinfeção pelo VHB. Assim como o VHB, o VHD é transmitido por via parentérica, por relações sexuais desprotegidas ou via perinatal. A apresentação clínica é a de uma hepatite viral clássica, incluindo a coinfeção de VHD e VHB, que é considerada a forma mais grave de hepatite devido à alta taxa de mortalidade. Para os casos agudos, o tratamento é de suporte, enquanto para casos crónicos, é necessária a administração de interferon alfa peguilado (PEG-IFN-α).

Última atualização: Jan 17, 2024

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Classificação

Classificação do fluxograma de vírus de rna

Identificação do vírus RNA:
Os vírus podem ser classificados de várias maneiras. A maioria dos vírus tem um genoma formado por DNA ou RNA. Os vírus do genoma de RNA podem ser ainda caracterizados por um RNA de cadeia simples ou dupla. Os vírus “envelopados” são cobertos por uma fina camada de membrana celular (geralmente retirada da célula hospedeira). Se a camada estiver ausente, os vírus são chamados de vírus “nus”. Os vírus com genomas de cadeia simples são vírus de “sentido positivo” se o genoma for usado diretamente como mRNA, que é traduzido em proteínas. Os vírus de “sentido negativo” de cadeia simples usam a RNA polimerase dependente de RNA, uma enzima viral, para transcrever o seu genoma em mRNA.

Imagem por Lecturio. Licença: CC BY-NC-SA 4.0

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Características Gerais

Estrutura

  • Família: Kolmioviridae , género: Deltavirus
  • RNA circular de cadeia simples (ssRNA, pela sigla em inglês)
  • Genoma de sentido negativo
  • Pequeno (aproximadamente 36 nm de diâmetro)
  • Partícula de vírus incompleta ou defeituosa → assemelha-se a um viroide
  • O envelope contém antigénio de superfície da hepatite B (HbsAg, pela sigla em inglês)
  • São conhecidas 8 espécies de vírus da hepatite D (VHD).

Características

  • Causa hepatite aguda ou crónica
  • Diferença do vírus satélite clássico: o VHD não tem uma sequência semelhante ao vírus da hepatite B (VHB) → pode-se replicar independentemente do VHB, mas requer o VHB para a agregação e libertação completas do vírion
  • Depende da maquinaria da célula hospedeira para replicação
  • Reduz a replicação do VHB na maioria dos indivíduos (mecanismo não totalmente compreendido)
Hepatitis d virus

Vírus da hepatite D (VHD):
O vírus da hepatite D consiste em RNA circular de cadeia simples (RNA do VHD), um único antigénio codificado pelo VHD (HDAg, pela sigla em inglês) e um envelope de lipoproteína (HbsAg, pela sigla em inglês), que é fornecido pelo vírus da hepatite B (VHB).

Imagem por Lecturio.

Epidemiologia

  • Prevalência:
    • Cerca de 5% dos indivíduos com hepatite B em todo o mundo têm coinfeção por VHD (15 a 20 milhões de pessoas no total)
    • Adultos >> crianças
    • Mais alto: Mongólia, República da Moldávia, África Ocidental e Central
    • A prevalência diminui devido ao aumento das taxas de vacinação contra o VHB
  • A coinfeção/sobreinfeção VHD-VHB é a forma mais grave de hepatite viral crónica → progressão rápida para carcinoma hepatocelular (CHC) e morte relacionada com doença do fígado

Patogénese

Transmissão

A transmissão da hepatite D é semelhante à da hepatite B.

  • Relação sexual desprotegida
  • Por via parenteral (agulhas de drogas IV compartilhadas, picadas de agulha acidentais)
  • Mãe para filho (mais comum em áreas de alta prevalência)

Fatores de risco do hospedeiro

  • Pessoas que consomem drogas injetáveis
  • Sexo desprotegido com múltiplos parceiros
  • Homens que fazem sexo com homens (HSH)
  • Infeção por VIH
  • Hemodiálise
  • Bebés nascidos de mães VHB-positivas
  • Profissões com exposição a sangue humano, fluidos seminais e/ou fluidos vaginais
  • Indivíduos em hemodiálise ou recetores de órgãos, ou transfusões de sangue

Fisiopatologia

  • A infeção pelo VHD só pode ocorrer como coinfeção ou sobreinfeção pelo VHB.
  • O VHD infeta as células hepáticas → expressa peptídeos virais nas suas superfícies através de um transportador de bílis
  • O VHD reconhece o seu recetor pelo grande HbsAg
  • Depois de entrar no hepatócito, o VHD não é revestido → faz uso das RNA polimerases celulares do hospedeiro para se replicar
  • Peptídeos ativam linfócitos (células T citotóxicas CD8+) → leucócitos montam uma resposta imune celular contra células hepáticas infetadas → destruição de hepatócitos → inflamação do fígado

Apresentação Clínica

Geral

  • A infeção pelo VHD é clinicamente indistinguível de outras formas de hepatite viral.
  • 90% dos casos são assintomáticos.
  • Período de incubação:
    • Coinfeção: 1-6 meses
    • Sobreinfeção: 2-8 semanas
  • Sintomas possíveis:
    • Náuseas, vómitos
    • Icterícia
    • Febre
    • Cansaço
    • Urina escura
    • Dor abdominal
    • Mialgias, artralgias

Coinfeção

  • Somente se o indivíduo for anti-Hbs negativo no momento da infeção
  • Clinicamente não distinguível da hepatite B clássica
  • Os indivíduos podem estar assintomáticos durante a infeção inicial.
  • Maior incidência de falência hepática em indivíduos que consomem drogas injetáveis

Sobreinfeção

  • Pode apresentar-se como hepatite aguda grave (estado de portador do VHB não reconhecido) ou exacerbação da hepatite B crónica
  • Acelera a progressão para doenças mais graves (cirrose, CHC) em todas as idades
  • A replicação do VHB é reduzida pela infeção pelo VHD (mecanismo não totalmente compreendido)

Diagnóstico e Tratamento

Diagnóstico

  • Marcadores virais (soro)
    • HbsAg: tem que ser positivo para diagnóstico de VHD
    • Marcadores precoces: IgM anti-VHD e RNA VHD
    • Anticorpos IgM para o antigénio core da hepatite B (IgM anti-HBc): coinfeção aguda VHB/VHD
    • HDAg (antigénio da hepatite D) sérico:
      • Detetado por imunoensaio enzimático (EIA, pela sigla em inglês) ou radioimunoensaio (RIA, pela sigla em inglês)
      • Positivo nas 2 primeiras semanas de infeção aguda
      • Frequentemente perdido
    • Marcador tardio: IgG anti-VHD
  • HDAg hepático:
    • Detetado por imunohistoquímica no tecido hepático (biópsia)
    • Não é usado comummente como teste inicial
  • Testes laboratoriais adicionais:
    • Níveis de ALT e AST
    • Sinais de doença grave:
      • Hipoalbuminemia
      • Aumento da bilirrubina
      • Trombocitopenia
      • INR elevado
Tabela: Infeção por hepatite D
Marcadores séricos Coinfeção VHB/VHD aguda Sobreinfeção por VHD aguda Infeção por VHD crónica
HBsAg Positivo Positivo Positivo
IgM anti-HBc Positivo Negativo Negativo
RNA VHD sérico Precoce, transitório Precoce, persistente Positivo
HDAg* sérico Positivo (transitório) Positivo (transitório) Negativo
IgM anti-VHD Positivo (transitório) Positivo (persistente e com títulos crescentes) Positivo (títulos altos)
IgG anti-VHD Positivo (tardio) Positivo (tardio) Positivo (títulos altos)
Anti-HBc: antigénio core da hepatite B
HBsAg: antigénio de superfície do vírus da hepatite B
HDAg: antigénio do vírus da hepatite D
VHD: vírus da hepatite D
IgG: imunoglobulina G
IgM: imunoglobulina M
*A deteção de HDAg e limitada; assim, é frequente perder-se o HDAg.

Tratamento

  • Doença aguda: suporte, nenhuma terapia específica disponível
  • Doença crónica: alfa interferon convencional ou peguilado (PEG-IFN-α)
    • Dado durante pelo menos 48 semanas
    • Eficiência de aproximadamente 20%
    • Eficaz apenas enquanto administrado
    • Contraindicações: cirrose descompensada, condições psiquiátricas ativas, doenças autoimunes

Prevenção

  • A prevenção da VHD baseia-se em impedir a propagação do VHB
  • A vacinação contra o VHB é a forma mais eficaz de prevenir o VHD:
    • Para todos os bebés e crianças até 18 anos (recomendado pela WHO e CDC)
    • Para adultos, especialmente aqueles em grupos de alto risco.
    • 3 doses necessárias para completar o esquema de vacinação contra a hepatite B
    • Disponíveis esquemas de 2 doses para adolescentes e adultos
    • Bebés nascidos de mães infetadas: devem receber a 1ª dose nas primeiras 12 horas de vida
  • Medidas adicionais:
    • Medidas de segurança para o manuseio de produtos sanguíneos
    • Práticas de injeção seguras
    • Profilaxia pós-exposição: imunoglobulina contra hepatite B ou vacina contra hepatite B

Comparação de Vírus da Hepatite

Hepatitis a–e in comparison

Anticorpos anti-HBc: anticorpos core anti-hepatite B
Anticorpos anti-HBs: anticorpos de superfície anti-hepatite B
HBcAg: antigénio core da hepatite B
HBsAg: antigénio de superfície da hepatite B
HBV: vírus da hepatite B
HCC: carcinoma hepatocelular
HCV: vírus da hepatite C
HDV: vírus da hepatite D
(pelas siglas em inglês)

Imagem por Lecturio. Licença: CC BY-NC-SA 4.0

Diagnóstico Diferencial

  • Doença hepática alcoólica (ALD, pela sigla em inglês): patologia hepática que ocorre devido ao consumo excessivo e prolongado de álcool. O 1º estadio é um fígado gordo assintomático, que é reversível. O 2º estadio é a hepatite alcoólica, que se apresenta mais frequentemente com icterícia, febre e dor no quadrante superior direito. O 3º estadio é a cirrose hepática. O diagnóstico é estabelecido pela história, testes de função hepática e estudos de imagem.
  • Lesão hepática induzida por fármacos (DILI, pela sigla em inglês): ocorre quando fármacos ingeridos causam lesão nos hepatócitos diretamente de forma dose-dependente previsível ou através de reações idiossincráticas. A apresentação da DILI pode ser aguda ou crónica, com toxicidade grave manifestando-se como falência hepática fulminante. O diagnóstico de DILI requer uma história completa e exames laboratoriais. O tratamento consiste num diagnóstico precoce e descontinuação do fármaco, bem como terapia de suporte.
  • Hepatite autoimune (AIH, pela sigla em inglês): inflamação do fígado que ocorre quando o sistema imunológico do corpo ataca as suas próprias células hepáticas. A apresentação clínica varia de assintomática a sintomas de falência hepática aguda. O diagnóstico é estabelecido através de análises ao sangue para deteção de autoanticorpos característicos (especialmente anticorpos antimúsculo liso) e biópsia hepática. O tratamento inclui corticoides e azatioprina.
  • Doença de Wilson: doença autossómica recessiva provocada por uma mutação no gene ATP7B, que regula o transporte de cobre dentro dos hepatócitos. As manifestações neuropsiquiátricas da doença de Wilson ajudam a diferenciá-la de outras causas de hepatite. Nos estadios iniciais, a doença de Wilson pode ser confundida com encefalopatia hepática. Os anéis de Kayser-Fleischer e baixos níveis de ceruloplasmina ajudam a distinguir a doença de Wilson de outras causas de hepatite.
  • Doença do fígado gordo não alcoólica (DHGNA, pela sigla em inglês): espectro da patologia hepática que surge devido à acumulação de triglicerídeos nos hepatócitos. A doença do fígado gordo não alcóolica varia de fígado gordo ou esteatose hepática, mas pode levar à esteato-hepatite não alcoólica com depósitos de gordura e inflamação. A lesão hepática progressiva e a fibrose levam irreversivelmente a cirrose e, possivelmente, a cancro do fígado primário. O tratamento é por modificações no estilo de vida (dieta e exercício).

Referências

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  9. Masood, U., John, S. (2021) Hepatitis D. StatPearls. Retrieved June 27, 2022, from https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK470436
  10. Negro, F., Lok, A. (2020) Treatment and prevention of hepatitis D virus infection. UpToDate. Retrieved June 27, 2022, from https://www.uptodate.com/contents/treatment-and-prevention-of-hepatitis-d-virus-infection

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