Via Ótica e Distúrbios Relacionados

A via ótica primária consiste num sistema de transmissão que se inicia na retina, onde os axónios das células ganglionares formam o nervo ótico. As fibras provenientes da metade nasal da retina de cada olho hemidecussam no quiasma ótico (QO), para que se possam unir às fibras temporais do nervo contralateral. Posteriormente ao quiasma óptico, a via ótica continua pelo trato ótico, que termina com sinapses no núcleo geniculado lateral (NGL) do tálamo. Os sinais são então transmitidos ao córtex visual primário do lobo occipital. Os campos visuais direito e esquerdo são processados por hemisférios opostos. Lesões ao longo da via ótica resultam em perda de visão ou defeitos de campo visual. Com base no tipo de apresentação clínica, é possível inferir sobre a localização da lesão na via ótica.

Última atualização: Jun 1, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Via Ótica

  • A luz entra no olho e projeta-se na retina, que contém fotorrecetores:
    • Cones:
      • Funcionam sobretudo em condições de muita luminosidade
      • Responsáveis pela acuidade visual e perceção de cores
    • Bastonetes:
      • Funcionam sobretudo em condições de pouca luz
      • Responsáveis pela visão na penumbra
  • Os sinais dos fotorrecetores da retina → seguem para as células bipolares → e depois para as células ganglionares
  • Os axónios das células ganglionares convergem, formando o nervo ótico (NC II).
  • Nervo ótico para o trato ótico:
    • Quiasma ótico (QO): onde ocorre a hemidecussação das fibras nasais do nervo ótico
    • Trato ótico:
      • As fibras nasais do olho esquerdo decussam para se juntarem às fibras temporais do olho direito → trato ótico direito
      • As fibras nasais do olho direito decussam para se juntarem às fibras temporais do olho esquerdo → trato ótico esquerdo
  • Do trato ótico, a maioria das fibras faz sinapse no núcleo geniculado lateral (NGL) do tálamo, com algumas a dirigirem-se para o colículo superior ipsilateral.
  • De cada NGL, os neurónios projetam-se através da radiação ótica (fibras geniculo-calcarinas):
    • Fibras inferiores:
      • A radiação inferior corresponde ao feixe lateral.
      • Estas fibras estendem-se anteriormente no lobo temporal, estando localizadas lateralmente ao corno temporal do ventrículo lateral, e daí prosseguem posteriormente (ansa de Meyer).
      • Transportam informações dos campos visuais superiores.
    • Fibras superiores:
      • As fibras provenientes dos quadrantes superiores da retina caminham na profundidade do lobo parietal e situam-se no lado medial da radiação ótica.
      • Transportam informações dos campos visuais inferiores.
  • Córtex visual primário (córtex estriado ou calcarino, ou V1 ou área 17):
    • As radiações óticas dirigem-se posteriormente para o córtex visual primário.
    • O córtex visual primário localiza-se na superfície medial do lobo occipital.

Campos Visuais

Anterior ao QO

  • Retina e nervo ótico: transportam informação visual do olho ipsilateral.
  • QO:
    • Os campos visuais de cada olho sobrepõem-se consideravelmente, de forma a produzir visão binocular e perceção de profundidade.
    • A imagem de cada metade do campo visual é processada pelo hemisfério contralateral.
    • O córtex visual esquerdo (linha azul) processa as informações da metade direita do campo visual.
    • O córtex visual direito (linha vermelha) processa as informações da metade esquerda do campo visual.
    • Para que cada hemisfério receba informações visuais do campo visual contralateral, as fibras nasais decussam no QO.
Sistema visual

Diagrama da via visual e dos campos visuais: a luz entra no olho, é captada pela retina onde se processam sinais para o nervo ótico. As fibras nasais de cada olho decussam no quiasma ótico, continuando para o trato ótico juntamente com as fibras temporais: as fibras nasais direitas unem-se às fibras temporais esquerdas (linhas azuis) e as fibras nasais esquerdas unem-se às fibras temporais direitas (linhas vermelhas). A sinapse neuronal ocorre no núcleo geniculado lateral. As radiações óticas ligam o núcleo geniculado lateral ao córtex visual primário do lobo occipital, onde a informação visual é processada.

Imagem por Lecturio.

Posterior ao QO

  • A informação do campo visual é processada no hemisfério cerebral contralateral.
  • Trato ótico e NGL:
    • Campo visual esquerdo: representado pelo trato ótico direito e NGL
    • Campo visual direito: representado pelo trato ótico esquerdo e NGL
  • Radiação ótica e córtex visual:
    • Do NGL, os neurónios de ambos os lados seguem para o córtex visual.
    • Campo visual inferior:
      • Transportado pela parte superior da radiação ótica
      • Segue para a margem superior do córtex visual primário
    • Campo visual superior:
      • Transportado pela parte inferior da radiação ótica (através da ansa de Meyer)
      • Segue para a margem inferior do córtex visual primário

Defeitos do Campo Visual

Defeito unilateral do campo visual

  • Patologia ocular (por exemplo, cristalino, retina) ou patologia do nervo ótico:
    • Défice visual: limitado a 1 olho, mesmo lado da lesão (perda visual monocular)
    • O olho contralateral vê normalmente.
  • Lesão parcial do nervo ótico:
    • Se forem afetadas as fibras temporais: cegueira ipsilateral do campo visual nasal (hemianopsia nasal)
    • Se forem afetadas as fibras nasais: cegueira ipsilateral do campo visual temporal (hemianopsia temporal)

Defeitos de campo visual bilateral

  • O local da lesão é o QO:
    • Onde as fibras nasais decussam: são afetados os campos visuais temporais.
    • Defeito visual: hemianópsia (perda da metade do campo visual) heterónima (em cada olho está afetado um campo visual diferente) bitemporal
  • O local da lesão é o trato ótico ou corpo geniculado lateral (CGL):
    • O défice visual ocorre no lado contralateral à lesão.
    • Hemianópsia (perda de metade do campo visual) homónima (défice do mesmo campo visual em cada olho ) contralateral
  • O local da lesão é a radiação ótica ou córtex visual primário:
    • O défice visual ocorre no lado contralateral à lesão.
    • Radiação ótica:
      • Radiação inferior ou ansa de Meyer: quadrantanópsia superior contralateral
      • Radiação superior: quadrantanópsia inferior contralateral
      • Toda radiação ótica: hemianopsia homónima contralateral
    • Lesão primária do córtex visual:
      • Margem inferior do córtex visual primário: quadrantanópsia superior contralateral
      • Margem superior do córtex visual primário: quadrantanópsia inferior contralateral
      • Córtex visual primário: hemianópsia homónima contralateral

Resumo

Tabela: Descrição geral dos defeitos do campo visual
Local da lesão Defeito no campo visual Descrição Possível causa
Mácula (retina central) Escotoma central Perda de visão central ipsilateral Neurite ótica, neurite retrobulbar
Nervo ótico Cegueira/perda visual monocular ipsilateral Cegueira no olho afetado Neurite ótica, oclusão da artéria da retina, atrofia ótica, trauma
QO (lesão medial) Hemianópsia heterónima bitemporal Perda dos campos visuais temporais em ambos os olhos Tumor hipofisário, craniofaringioma, meningioma
Lesão parcial do nervo ótico Hemianópsia ipsilateral Perda do campo visual no olho afetado (lesão do nervo temporal: hemianópsia nasal; lesão do nervo nasal: hemianópsia temporal) Aneurisma, trauma
Trato ótico Hemianópsia homónima contralateral Perda da metade do campo visual oposta à lesão Tumor cerebral, abcesso (lobo temporal), enfarte da artéria cerebral média
Radiação ótica (ansa de Meyer ou radiação inferior/feixe lateral) Quadrantanópsia superior homónima contralateral Perda do campo visual do quadrante superior oposto à lesão (“tarte no céu”) Tumor (occipital, lobo temporal)
Radiação ótica (radiação superior/feixes mediais) Quadrantanópsia homónima inferior contralateral Perda do campo visual do quadrante inferior oposto à lesão (“tarte no chão”) Tumor (occipital, lobo parietal)
Radiação ótica Hemianópsia homónima contralateral Perda de metade do campo visual, oposto à lesão Tumor, enfarte da artéria cerebral média
Córtex visual primário Hemianópsia homónima contralateral com preservação macular Perda de metade do campo visual oposto à lesão, mas a visão central é mantida devido à circulação colateral (a mácula recebe suprimento sanguíneo da artéria cerebral média) Trombose da artéria cerebral posterior, trauma, tumor
Campos visuais

Defeitos do campo visual:
1. lesão da mácula direita (D): escotoma central direito (D)
2. lesão do nervo ótico D: perda visual direita (D)
3. lesão do QO: hemianópsia bitemporal
4. lesão do nervo ótico temporal D: hemianópsia nasal D
5. lesão do trato ótico D: hemianópsia homónima esquerda (E)
6. lesão na ansa de Meyer D: quadrantanópsia superior homónima E
7. lesão na radiação ótica superior D: quadrantanópsia inferior homónima E
8. lesão na radiação ótica D: hemianópsia homónima E
9. lesão do córtex visual primário D: hemianópsia homónima E com preservação macular devido ao suprimento de sangue colateral

Imagem por Lecturio.

Relevância Clínica

  • Neuropatia ótica isquémica (NOI): condição secundária à redução do fluxo sanguíneo que leva a danos no nervo ótico. Fatores de risco incluem idade > 50 anos, diabetes e hipertensão. A neuropatia ótica isquémica pode ser arterítica (devido à arterite de células gigantes) ou não arterítica (outras causas), que é o tipo mais frequente. A NOI não arterítica apresenta-se como uma perda visual monocular aguda e indolor associada a um defeito do campo visual altitudinal.
  • Enfarte da artéria cerebral média (ACM): a artéria cerebral média garante a irrigação sanguínea dos lobos frontal, parietal e temporal. O AVC isquémico que afete a área da ACM pode manifestar-se como hemianópsia homónima contralateral. A apresentação geralmente inclui outros achados, incluindo hemiparésia contralateral e perda sensorial com afasia.
  • Adenoma hipofisário: tumor benigno da glândula pituitária, localizado inferiormente ao QO. A extensão supra-selar do adenoma comprime o QO e produz uma hemianópsia bitemporal. Os doentes também apresentam cefaleias e sinais/sintomas de disfunção hipofisária, nomeadamente infertilidade e galactorreia, entre outros.
  • Síndrome de Foster-Kennedy: apresenta-se com alterações visuais bilaterais e é causado por uma massa intracraniana que vai aumentando de tamanho e que comprime o nervo ótico, resultando numa neuropatia ótica ipsilateral. A visão turva é bilateral uma vez que o aumento da pressão intracraniana provocado pela massa causa papiledema no olho contralateral.

Referências

  1. Berkowitz, A.L. (Ed.). (2016). Clinical Neurology and Neuroanatomy: A Localization-Based Approach. McGraw-Hill.
  2. Kibble, J.D. (Ed.). (2020). Neurophysiology in The Big Picture Physiology: Medical Course & Step 1 Review, 2e. McGraw-Hill.
  3. Martin, J.H. (Ed.). (2021). The visual system in Neuroanatomy: Text and Atlas, 5e. McGraw-Hill.
  4. Purves, D., Augustine, G., & Fitzpatrick, D. (Eds.). (2001). Visual field defects in Neuroscience (2nd ed.). Retrieved from https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK10912/
  5. Shakkottai, V.G., & Lomen-Hoerth, C. (2019). Nervous system disorders. In Hammer, G.D., & McPhee, S.J. (Eds.), Pathophysiology of Disease: An Introduction to Clinical Medicine, 8e. McGraw-Hill.
  6. Waxman, S.G. (Ed.). (2020). The visual system. Clinical Neuroanatomy, 29e. McGraw-Hill.

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