Trypanosoma Brucei/Tripanossomíase Africana

A tripanossomíase africana, ou doença do sono africana, é uma infecção parasitária causada pelo protozoário Trypanosoma brucei. Existem 2 subtipos notáveis, T. brucei gambiense e T. brucei rhodesiense. A transmissão é principalmente vetorial através da mosca tsé-tsé. As infeções iniciais apresentam inflamação localizada (úlcera), linfadenopatia cervical, febres intermitentes e outros achados inespecíficos. Se não tratada, ocorre o envolvimento do SNC, que é caracterizado por perturbações do sono, alterações comportamentais, coma e morte. O diagnóstico é confirmado pela identificação de tripanossomas em esfregaço de sangue ou serologia. O tratamento depende do subtipo e estadio da doença. O tratamento e a prevenção precoces são fundamentais na prevenção de sequelas e morte a longo prazo.

Última atualização: Jun 27, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Características Gerais e Epidemiologia

Características gerais do Trypanosoma brucei

  • Protozoário parasita
  • Taxonomia:
    • Família: Trypanosomatidae
    • Género: Trypanosoma
    • Subespécies:
      • T. brucei gambiense
      • T. brucei rhodesiense
  • Características gerais:
    • Flagelo único
    • Membrana ondulante
    • As glicoproteínas de superfície variável permitem a variação antigénica.
  • Formas morfológicas:
    • Epimastigota (forma não infecciosa)
    • Tripomastigotas (forma infecciosa)
Tripanossomas em um filme de sangue fino corado por giemsa

Tripanossomas num esfregação sanguíneo de Giemsa de um viajante retornado da Tanzânia

Imagem : “Trypanosomes in a Giemsa-stained thin blood film from a Spanish traveler returning from Tanzania” por Joan Gómez-Junyent et al. Licença: CC BY 4.0

Doenças associadas

O T. brucei causa a tripanossomíase africana, também conhecida como doença do sono africana.

Epidemiologia

  • Distribuição geográfica:
    • África Ocidental e Central (subtipo gambiense)
    • África Oriental e Austral (subtipo rodesiência)
  • Incidência:
    • 933 novos casos notificados em 2018 (> 98% eram do subtipo gambiense)
    • < 1 caso por ano nos EUA (em viajantes)
Distribuição geográfica da tripanossomíase africana

Distribuição geográfica da tripanossomíase africana: T. brucei é encontrado apenas nas áreas azuis.

Imagem : “T. brucei is only found in the blue areas” por Beck, HE et al. Licença: CC BY 4.0

Patogénese

Reservatório

  • Tb. rodesiense: animais de caça e gado
  • Tb. gambiense: principalmente humanos

Transmissão

  • Transmissão principalmente vetorial: mosca tsé-tsé
  • Menos comum:
    • Transfusão de sangue
    • Transplante de órgão
    • Inoculação laboratorial
    • Infeções congénitas

Fatores de risco do hospedeiro

  • Residência em regiões endémicas
  • Exposição prolongada a vetores

Ciclo de vida e fisiopatologia

  • A mosca tsé-tsé alimenta-se de um hospedeiro humano ou mamífero infectado → infecta com tripomastigotas (forma infecciosa)
    • Tripomastigotas migram para o intestino médio da mosca tsé-tsé → replicam (fissão binária)
    • Migram para a glândula salivar → diferenciam-se em epimastigotas (forma não infecciosa)
    • Após aproximadamente 3 semanas, diferenciam em tripomastigotas
  • A mosca tsé-tsé infectada pica o hospedeiro → injeta tripomastigotas no tecido do hospedeiro → desenvolve úlcera, secundária à inflamação localizada
  • Tripomastigotas migram para gânglios linfáticos regionais → disseminam-se pela corrente sanguínea
  • A motilidade dos tripomastigotas permite a invasão dos tecidos conjuntivos circundantes, incluindo LCR e SNC.
  • A progressão da doença depende das subespécies:
    • Rhodesiense: período de incubação de semanas
    • Gambiense: período de incubação de meses a anos
Patogênese da tripanossomíase africana

Imagem que ilustra a patogénese da tripanossomíase africana

Imagem por Lecturio. Licença: CC BY-NC-SA 4.0

Apresentação Clínica

A tripanossomíase africana tem 2 fases: a fase hemolinfática e a fase neurológica

Estadio 1: fase hemolinfática

  • Sintomas localizados:
    • Úlcera dolorosa no local da inoculação
      • Eritema
      • Endurecimento
      • Aparência variável
      • Resolve espontaneamente
    • Sinal de Winterbottom:
      • Linfadenopatia indolor dos gânglios linfáticos cervicais posteriores
      • Característica de infeções por Tb. gambiense
  • Sintomas sistémicos inespecíficos:
    • Febre intermitente
    • Cefaleia
    • Mal-estar
    • Artralgias
  • Sintomas menos comuns:
    • Edema facial
    • Hepatoesplenomegalia
    • Linfadenopatia generalizada
    • Cardiomiopatia
    • Rash cutâneo pruriginoso e eritematoso
Manifestações cutâneas da tripanossomíase africana

Manifestações cutâneas da tripanossomíase africana:
A: rash ligeiro e rosado no abdómen
B: úlcera tripanossómica no braço esquerdo do doente, que ocorre no local da inoculação

Imagem : “Typical clinical manifestations of acute African trypanosomiasis imported from Uganda” por Paul M et al. Licença: CC BY 2.0

Estadio 2: fase neurológica (meningoencefalite)

  • Cefaleia:
    • Persistente
    • Refratária a analgésicos
  • Linfadenopatia
  • Mudanças comportamentais:
    • Alterações de personalidade
    • Confusão (dificuldade de concentração e em completar tarefas)
    • Perturbações sensitivas
    • Apatia
    • Psicose
  • Sintomas neurológicos:
    • Ataxia
    • Perturbações sensitivas
    • Tremores
  • Distúrbio do sono:
    • Sonolência diurna
    • Insónia noturna
    • Grave o suficiente para causar anorexia, emagrecimento e desnutrição
  • Progressão para coma e morte, se não tratada
Curso de tempo da doença da tripanossomíase africana

Imagem mostra o curso temporal da tripanossomíase africana desde a infecção inicial até a doença crónica meses a anos depois (dependendo da subespécie envolvida)

Imagem por Lecturio. Licença: CC BY-NC-SA 4.0

Diagnóstico e Tratamento

Diagnóstico

  • Testes confirmatórios:
    • Presença de tripomastigotas
      • Esfregaço de sangue (grosso ou fino)
      • Aspirado de tecido da úlcera
      • Biópsia de gânglio linfático
      • Análise do LCR
    • Teste serológico:
      • Teste de aglutinação para tripanossomíase (CATT, pela sigla em inglês)
      • ELISA
      • PCR
  • Achados que apoio o diagnóstico:
    • Anemia hemolítica
    • Leucocitose
    • Trombocitopenia
    • ↑ Marcadores inflamatórios (VS e PCR)

Tratamento

  • Subespécie Rhodesiense:
    • Estadio 1: suramina
    • Estadio 2: melarsoprol
  • Subespécie Gambiense:
    • Estadio 1: pentamidina
    • Estadio 2: niturtimox e eflornitina

Prevenção

  • Não está disponível nenhuma vacina ou tratamento profilático.
  • Controlo de vetores com inseticidas e repelentes de insetos
  • Uso de mangas compridas e calças; roupas de cores neutras

Comparação de Protozoários Flagelados

Tabela: Comparação de protozoários flagelados clinicamente relevantes
Protozoários Giardia Leishmania Trypanosoma Trichomonas
Características
  • 4 pares de flagelos
  • Forma ovóide
  • Disco adesivo
  • Anaeróbio
  • Variação antigénica
  • Flagelo polar único
  • Corpo esguio e alongado
  • Flagelo polar único
  • Membrana ondulante
  • Fino, de formato irregular
  • Variação antigénica
  • 5 flagelos
  • Membrana ondulante
  • Forma ovóide
  • Anaeróbio facultativo
Formas
  • Quisto
  • Trofozoíto
  • Promastigota
  • Amastigota
  • Tripomastigota
  • Amastigota
  • Epimastigota
  • Trofozoíto
  • Sem forma de quisto
Transmissão
  • À base de água (“Waterborne”)
  • Via fecal-oral
  • Vetor (flebotomíneo)
  • Transmissão de humano para humano
  • Zoonótico (roedores, cães, raposas)
  • Vetor (mosca tsé-tsé, beija-flor)
  • Transfusão de sangue
  • Sexualmente transmissível
Clínica
  • Giardíase
  • Leishmaniose
  • Doença do sono africana
  • Doença de Chagas
  • Tricomoníase
Diagnóstico
  • ELISA
  • DFA
  • NAAT
  • Microscopia de fezes
  • Esfregaço de sangue
  • Biópsia
  • PCR
  • Teste cutâneo de leishmaniose
  • Títulos de anticorpos
  • Esfregaço de sangue
  • Títulos de anticorpos
  • Xenodiagnóstico
  • Microscopia de secreções vaginais
  • NAAT
  • Urina ou cultura de zaragatoa da uretra
Tratamento
  • Metronidazol
  • Tinidazol
  • Nitazoxanida
Depende da síndrome clínica:
  • Anfotericina B
  • Antimoniais pentavalentes
  • Miltefosina
Depende da doença clínica:
  • Suramina
  • Pentamidina
  • Melarsoprol
  • Eflornitina
  • Niturtimox
  • Benznidazol
  • Metronidazol
  • Tinidazol
Prevenção
  • Lavagem das mãos
  • Tratamento de águas
  • Inseticidas
  • Repelentes de insetos
  • Roupa de proteção
  • Inseticidas
  • Repelentes de insetos
  • Mosquiteiros
  • Roupa de proteção
  • Tratamento dos parceiros sexuais
  • Uso de preservativos

DFA: ensaio de imunofluorescência direta
NAAT: teste de amplificação de ácido nucleico

Diagnóstico Diferencial

  • Doença de Chagas: infeção causada pelo tripanossoma americano, T. cruzi. As infeções agudas podem apresentar inflamação no local da inoculação (chagoma), febre e linfadenopatia. Infeções crónicas não tratadas podem evoluir para complicações graves, incluindo megacólon, megaesófago e cardiomiopatia. O diagnóstico pode ser confirmado por esfregaço de sangue, serologia ou PCR. O tratamento com benzonidazol ou nifurtimox é eficaz apenas na fase aguda.
  • Meningite bacteriana ou fúngica: os sintomas da meningite bacteriana podem imitar os da 2ª fase da doença do sono, incluindo febre, dor de cabeça, confusão e mialgias. O diagnóstico é confirmado por análise do LCR e/ou teste serológico. As causas bacterianas específicas da meningite variam dependendo da faixa etária e dos fatores de risco.
  • Malária: doença infecciosa transmitida por mosquitos causada por espécies de Plasmodium. A malária geralmente apresenta-se com febre, calafrios, sudorese, icterícia, dor abdominal, anemia hemolítica, hepatoesplenomegalia e insuficiência renal. O esfregaço de sangue mostra um único anel pleomórfico. Também podem ser realizados testes rápidos para antígenos de Plasmodium. O tratamento requer um curso prolongado de vários fármacos antimaláricos.
  • Doença psiquiátrica: devido a manifestações comportamentais em estadio avançado, a doença do sono pode ser diagnosticada erradamente como uma doença psiquiátrica, especialmente em imigrantes de áreas não endémicas. É importante avaliar a possível exposição epidemiológica para evitar diagnósticos incorretos.

Referências

  1. Riedel, S., Jawetz, E., Melnick, J.L., Adelberg, E.A. (2019). Jawetz, Melnick & Adelberg’s Medical Microbiology, pp. 722-733 and 730-732. New York: McGraw-Hill Education.
  2. Krishna, S., Lindner, A., Lejon, V. (2021). Human African trypanosomiasis: Epidemiology, clinical manifestations, and diagnosis. UpToDate, Retrieved May 08, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/human-african-trypanosomiasis-epidemiology-clinical-manifestations-and-diagnosis 
  3. Krishna, S., Lindner, A., Lejon, V. (2021). Human African trypanosomiasis: Treatment and prevention. UpToDate, Retrieved May 08, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/human-african-trypanosomiasis-treatment-and-prevention
  4. Pearson, R.D. (2020). African trypanosomiasis (African sleeping sickness). MSD Manual Professional Version. Retrieved June 13, 2021, from https://www.msdmanuals.com/professional/infectious-diseases/extraintestinal-protozoa/african-trypanosomiasis
  5. Dunn, N., Wang, S., and Adigun, R. (2021). African trypanosomiasis. StatPearls. Retrieved June 13, 2021, from https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK519580/
  6. Hnaide, H.A. (2019). African trypanosomiasis (sleeping sickness). In Chandrasekar, P.H. (Ed.), Medscape. Retrieved June 13, 2021, from https://emedicine.medscape.com/article/228613-overview
  7. Centers for Disease Control and Prevention. (2020). Parasites – African trypanosomiasis (also known as sleeping sickness). Retrieved June 13, 2021, from https://www.cdc.gov/parasites/sleepingsickness/

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