Traumatismo Genito-urinário

As lesões traumáticas do trato genito-urinário (GU) incluem lesões nos rins, ureter, bexiga, uretra ou genitais. Normalmente, as lesões do trato GU isoladas não são fatais, mas podem estar associadas a outras lesões potencialmente mais significativas. O sistema GU é dividido em trato GU superior (rins e ureteres) e trato GU inferior (bexiga, uretra e genitais externos). Os mecanismos incluem lesões fechadas e abertas. O diagnóstico requer um exame objetivo completo e exames imagiológicos. A abordagem terapêutica depende da gravidade da lesão e varia de uma abordagem conservadora com vigilância e terapêutica de suporte a intervenções cirúrgicas de grande porte. São cruciais um diagnóstico e intervenção em tempo útil, de forma a prevenir complicações e garantir resultados favoráveis.

Última atualização: Jul 6, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Divisões anatómicas

Trato genito-urinário superior (GU):

  • Rins
  • Ureteres

Trato GU inferior:

  • Bexiga
  • Uretra
  • Genitais externos
Órgãos do trato urinário

Órgãos do trato urinário

Imagem: “Urinary tract it” por Lennert B. Licença: CC BY 2.5

Epidemiologia

  • Aproximadamente 3%–10% dos pacientes de trauma hospitalizados apresentam lesão no sistema GU.
  • As lesões abertas (i.e. lesões por armas de fogo e esfaqueamentos) são responsáveis por 15% de todas as lesões GU.
  • Incomum e raramente fatais, a menos que haja envolvimento de estruturas vasculares renais
  • Os rins são os órgãos GU mais lesados, geralmente por traumatismo fechado.
  • O traumatismo ureteral é muito raro, mais frequentemente devido a lesão aberta (a maioria dos casos é iatrogénica).
  • As lesões da bexiga estão geralmente associadas a fraturas pélvicas.
  • As lesões uretrais são raras e ocorrem quase exclusivamente em homens.

Etiologia

Lesões fechadas:

  • Golpe direto nos flancos ou nas costas
  • Queda em altura
  • Acidente de carro (lesão por desaceleração rápida)

Lesões abertas:

  • Bala
  • Esfaqueamento
  • Traumatismo cirúrgico (lesão iatrogénica)

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Lesões do Trato GU Superior

Lesões renais

Fisiopatologia:

  • Os rins são protegidos por costelas inferiores, musculatura do dorso e gordura perirrenal.
  • É necessária uma força significativa para lesar os rins.
  • Mecanismos comuns:
    • Colisão de veículo motorizado
    • Quedas
    • Golpes diretos
    • Fraturas de costelas inferiores

Apresentação clínica:

  • Dor no flanco
  • Hematúria (macroscópica ou microscópica)
  • Equimose no flanco
  • Frequentemente associadas a fraturas de costelas ou coluna posteriores
  • Podem estar associadas a outras lesões intra-abdominais

Diagnóstico:

  • Análise de urina:
    • Deteta hematúria
    • Menos sensível em traumatismos abertos
    • O grau de hematúria nem sempre se correlaciona com a gravidade.
  • Imagiologia:
    • Radiografia simples:
      • Em lesões associadas (e.g., fraturas de costelas)
      • Projéteis/corpos estranhos retidos em traumatismos abertos
    • Ecografia: para deteção de líquido intraperitoneal (sangue)
    • Tomografia computorizada (TC):
      • Exame de eleição em pacientes hemodinamicamente estáveis
      • Imagens em fase tardia necessárias para detetar extravasamento de contraste (hemorragia)
      • Deteta também outras lesões associadas
Lesão renal esquerda grau iv

Lesão renal esquerda grau IV por acidente de viação
A TC com contraste na fase arterial em corte axial mostrou extravasamento do meio de contraste (seta preta), hematoma perirrenal (seta aberta) e hematoma pararrenal (seta branca).

Imagem: “The role of interventional radiology for pediatric blunt renal trauma” por Lin WC, Lin CH. Licença: CC BY 4.0

Tratamento:

  • Primeiro passo: estabilização, ressuscitação e identificação de outras lesões potencialmente fatais
  • As lesões renais por si raramente são fatais, exceto nos casos de grandes avulsões dos vasos renais.
  • O tratamento depende da gravidade:
    • Categorizado com base na classificação da American Association for the Surgery of Trauma (AAST) (graus Ⅰ a Ⅴ):
      • As lesões de grau Ⅰ-Ⅲ não envolvem lesão do sistema coletor urinário ou vascularização.
      • As lesões de graus Ⅳ-Ⅴ são as mais graves e envolvem lesões dos vasos principais e/ou do sistema coletor urinário.
  • O tratamento das lesões de grau Ⅰ e Ⅱ da AAST consiste em medidas não cirúrgicas.
  • Grau Ⅲ-Ⅳ: pode exigir nefrectomia, embolização com angiografia ou colocação de stent em lesões vasculares

Lesões ureterais

Mecanismos:

  • A lesão ureteral é rara.
  • 75% são iatrogénicas (durante procedimentos ginecológicos, urológicos ou de cirurgia geral).
  • O traumatismo fechado mais comum é a avulsão da junção ureteropélvica (lesão por desaceleração).

Sintomas:

  • Podem apresentar sintomas iniciais mínimos, frequentemente desvalorizados
  • Sintomas tardios: febre, dor no flanco e massa palpável (urinoma)

Diagnóstico:

  • A análise de urina pode ou não mostrar hematúria.
  • Podem ser detetadas na TC abdominal
  • Pielografia intravenosa se a TC não fizer o diagnóstico

Tratamento:

  • O tratamento definitivo deve ser realizado após outras lesões com risco de vida imediato terem sido abordadas.
  • As lesões ureterais requerem geralmente alguma reconstrução:
    • Colocação de stent por cistoscopia
    • Reparação cirúrgica sobre stent
    • Derivação urinária
Trauma ureteral iatrogênico

Traumatismo ureteral iatrogénico sofrido durante a instrumentação do ureter
A pielografia intraoperatória mostra extravasamento de contraste (seta) do ureter esquerdo.

Imagem: “Aftermath of Grade 3 Ureteral Injury from Passage of a Ureteral Access Sheath: Disaster or Deliverance?” por Journal of Endourology Case Reports. Licença: CC BY 4.0, editado por Lecturio.

Complicações

  • O extravasamento de urina pode causar urinomas, abcessos.
  • Hidronefrose
  • Formação de cálculo
  • Hipertensão renal
  • Perda da função renal

Lesões do Trato GU Inferior

Anatomia

  • Lesões do trato GU inferior incluem:
    • Bexiga
    • Uretra
    • Períneo
    • Genitais
  • Altamente associadas a fraturas pélvicas

Lesões da bexiga

Extraperitoneal:

  • Limitada ao espaço extraperitoneal (a parede anterior da bexiga ou o colo da bexiga)
  • Sintomas:
    • Edema escrotal
    • Dor abdominal inferior localizada
    • Incapacidade de urinar
    • Hematúria macroscópica
  • Diagnóstico:
    • Cistograma retrógrado
    • Cistografia retrógrada por TC
    • TC de abdómen e pélvis: mostra extravasamento de contraste da bexiga
  • Tratamento:
    • Não cirúrgico
    • Drenagem vesical prolongada contínua com algália (cateter de Foley)

Intraperitoneal:

  • Comunicação com o peritoneu (o fundo da bexiga)
  • Sintomas:
    • Ausência de vontade de urinar
    • Peritonite e dor com defesa abdominal
    • Dor referida no ombro devido à irritação diafragmática
  • Diagnóstico:
    • Ecografia, geralmente parte da avaliação focada com ecografia para trauma (exame FAST, pela singla em inglês)
    • TC de abdómen
  • Tratamento: reparação cirúrgica
Ruptura da bexiga intraperitoneal

Rotura da bexiga intraperitoneal: cistograma mostrando extravasamento do contraste para a cavidade peritoneal

Imagem: “Intraperitoneal bladder rupture mimicking acute renal failure” por Arun KG. Licença: CC BY 2.0

Lesões uretrais

Sintomas:

  • Sangue no meato uretral
  • Hematúria

Lesões da uretra anterior:

  • Lesão da uretra bulbar (esponjosa)
  • Associada a lesão perineal “em sela”
  • Sangue acumula-se no escroto → hematoma e equimose escrotais

Lesões da uretra posterior:

  • Lesão da uretra membranosa
  • Associada a fratura pélvica
  • A urina extravasa para o espaço retropúbico.
  • Posição elevada da próstata ao exame de toque retal

Diagnóstico: uretrograma retrógrado

Tratamento:

  • Drenagem da bexiga (cateter suprapúbico) com ou sem reparação tardia
  • A algaliação está contraindicada se houver sangue no meato uretral.
Rug trauma uretral

Indivíduo com história de traumatismo pélvico:
(a): Faz-se uma uretrografia retrógrada ao mesmo tempo que se injeta contraste na uretra posterior através de um cistoscópio flexível com a ponta na uretra prostática distal. 
(b): A imagem mostra com precisão o tamanho e a localização do defeito.

Imagem: “RUG” por University of California, Irvine, 333 City Boulevard West, Suite 1240, Orange, CA 92868, USA. Licença: CC BY 3.0

Lesão perineal

  • O tratamento da equimose sem laceração consiste na pressão perineal (suporte escrotal com gaze).
  • As lacerações perineais com lesão uretral ou vesical requerem observação pela Urologia para excluir a presença de uma fístula uretrocutânea ou vesicocutânea.
  • Suspeita de rotura/torção testicular: tratamento cirúrgico para avaliar a capacidade de recuperação do tecido

Lesão peniana e escrotal

  • A ecografia é o método de imagem de eleição.
  • Tratamento:
    • Não cirúrgico: se a túnica albugínea e a fáscia dartos estiverem intactas
    • A penetração requer exploração/reparação cirúrgica.

Complicações

  • Incontinência urinária
  • Disfunção sexual
  • Estenose uretral

Referências

  1. Runyon, M. (2020). Blunt genitourinary trauma: Initial evaluation and management. Retrieved December 19, 2020 from https://www.uptodate.com/contents/blunt-genitourinary-trauma-initial-evaluation-and-management
  2. Voelzke, B. (2020). Overview of traumatic lower genitourinary tract injuries in adults. Retrieved December 19, 2020 from https://www.uptodate.com/contents/overview-of-traumatic-lower-genitourinary-tract-injury
  3. Voelzke, B. (2020). Overview of traumatic upper genitourinary tract injuries in adults. Retrieved December 19, 2020 from https://www.uptodate.com/contents/overview-of-traumatic-upper-genitourinary-tract-injuries-in-adults
  4. Runyon, M. (2020). Penetrating trauma of the upper and lower genitourinary tract: Initial evaluation and management. Retrieved December 19, 2020 from https://www.uptodate.com/contents/penetrating-trauma-of-the-upper-and-lower-genitourinary-tract-initial-evaluation-and-management
  5. Diercks, D., & Clarke, S. (2020). Initial evaluation and management of blunt abdominal trauma in adults. Retrieved December 20, 2020 from https://www.uptodate.com/contents/initial-evaluation-and-management-of-blunt-abdominal-trauma-in-adults
  6. Pereira, B.M.T., de Campos, C.C.C., Calderan, T.R.A. et al. (2013). Bladder injuries after external trauma: 20 years experience report in a population-based cross-sectional view. World J Urol 31: 913-917
  7. Bayne, D., Zaid, U., Alwaal, A., Harris, C., McAninch, J., & Breyer, B. (2016). Lower genitourinary tract trauma. Trauma 18(1):12-20.
  8. Koraitim, M.M., Marzouk, M.E., & Atta, M.A. (1996). Risk factors and mechanism of urethral injury in pelvic fractures. Br J Urol. 77(6):876–80.
  9. Chapple, C., Barbagli, G., & Jordan, G. (2004). Consensus statement on urethral trauma. BJU Int. 93(9):1195–202.

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