Tiroidite de Hashimoto

A tiroidite de Hashimoto, ou tiroidite linfocítica crónica, é a principal causa de hipotiroidismo nas regiões com aporte suficiente de iodo. É uma doença autoimune que leva à destruição das células da tiroide e à insuficiência tiroideia. A evolução clínica sucessiva da tiroidite de Hashimoto começa com um estado de hipertiroidismo transitório (“hashitoxicose”) seguido por hipotiroidismo subclínico. Eventualmente, ocorre progressão para hipotiroidismo permanente. Os pacientes podem apresentar um bócio indolor, mas em estadios posteriores a glândula é atrófica. O diagnóstico é obtido por exames laboratoriais que revelam elevação da hormona estimuladora da tiroide (TSH), diminuição da tiroxina livre (T4) e presença de anticorpos contra tiroglobulina e peroxidase. Em caso de incerteza diagnóstica podem ser necessários exames de imagem. A captação de iodo radioativo mostra baixa captação de iodo e a ecografia demonstra um aumento simétrico difuso. A biópsia mostra infiltração linfocítica com células de Hurthle. O tratamento consiste na reposição da hormona da tiroide ao longo da vida.

Última atualização: Feb 17, 2023

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Definição

A tiroidite de Hashimoto é uma doença autoimune da tiroide, que resulta na destruição e insuficiência da glândula da tiroide.

Epidemiologia

  • A idade de início é entre os 30 e 50 anos.
  • Mais comum em mulheres do que homens: proporção de 10-20: 1
  • Causa mais comum de hipotiroidismo nas regiões com aporte suficiente de iodo
  • 2ª causa mais comum de hipotiroidismo em todo o mundo, a seguir a défice de iodo

Etiologia

Etiologia desconhecida, embora fatores genéticos e ambientais desempenhem também um papel importante:

  • Fatores de risco genéticos:
    • ↑ Risco de polimorfismos em genes imunorreguladores, incluindo CTLA4, PTPN22, IL2RA (codificadores de respostas reguladoras de células T)
    • Associado a HLA-DR3, DR4 e DR5
    • “Clusters” de doenças em famílias sugerem suscetibilidade genética.
    • ↑ Incidência nos pacientes com síndrome de Down e síndrome de Turner
  • Fatores de risco não genéticos que possivelmente precipitam a doença:
    • Gravidez
    • Iodo e amiodarona
    • Stress
    • Irradiação
    • Esteróides sexuais
  • Associado a outras doenças autoimunes:
    • Diabete mellitus tipo 1
    • Lúpus eritematoso sistémico
    • Doença de Addison

Fisiopatologia

Imunologia

Quando a autoimunidade da tiroide é induzida, ocorre depleção progressiva das células epiteliais da tiroide.

Destruição de células da tiroide mediada por:

  • Citotoxicidade mediada por células T: as células T CD8 + citotóxicas destroem as células da tiroide.
  • Produção local de citocinas:
    • O fator de necrose tumoral e o interferon-ɣ prejudicam a função celular.
    • Recrutamento de macrófagos
  • Anticorpos anti-tiroglobulina (Tg) e anti-peroxidase (TPO): desempenham um papel secundário na morte de células tiroideias, mas são marcadores de autoimunidade tiroideia

Infiltração linfocítica e fibrose das células da tiroide → lesão folicular com libertação de hormonas da tiroide previamente formadas:

  • ↑ transitório de tiroxina (T4) e triiodotironina (T3): “hashitoxicose”
  • Segue-se uma ↓ compensatória da hormona estimuladora da tiroide (TSH) → diminuição gradual dos níveis de T3 / T4
  • Resultado final: ↑ TSH + hipotiroidismo (frequentemente permanente)
Curva de feedback negativo na tiroidite de hashimoto

Ciclo de retroalimentação do eixo hipotálamo-hipófise-tiroide:
Quando as hormonas da tiroide estão diminuídas, o hipotálamo liberta a hormona libertadora de tirotrofina (TRH), que ativa a hipófise para secretar TSH. O efeito desse processo é a produção de tiroxina (T4) e triiodotironina (T3) pela glândula tiroideia (maio produção de T4, uma vez que a maioria da T3 é produzida por desiodinação da T4) O aumento das hormonas da tiroide (T3 / T4 livres ou não ligadas) cria um feedback negativo, inibindo a libertação de TRH e TSH.

Imagem: “Classic Negative Feedback Loop” por OpenStax College. Licença: CC BY 3.0, editado por Lecturio.

Patologia

Resposta imune observada histologicamente com:

  • Infiltrados de linfócitos e células plasmáticas
  • Centros germinativos bem desenvolvidos

Destruição de células da tiroide:

  • Folículos tiroideus atróficos
  • Células de Hurthle:
    • Células oncocíticas com citoplasma granular eosinofílico abundante
    • Alteração metaplásica resultante de lesão crónica
  • Tecido conjuntivo aumentado / fibrose (limitado dentro da cápsula)
Tecido linfoide na tiroidite de hashimoto

Tiroidite de Florid Hashimoto: tecido linfoide reativo com centro germinativo (coloração de hematoxilina e eosina, ampliação de 200x)

Imagem: “Florid Hashimoto’s thyroiditis” por Division of Endocrinology and Metabolism, University of Connecticut Health Center, 263 Farmington Avenue, Farmington, CT 06030, USA. Licença: CC BY 2.0

Apresentação Clínica

Evolução clínica

  • A tiroidite apresenta geralmente uma evolução clínica trifásica.
  • A tiroidite de Hashimoto manifesta-se de forma semelhante, sem a fase final eutiroideia.
  • Fases:
    • “Hashitoxicose”: hipertiroidismo transitório inicial
    • Hipotiroidismo subclínico:
      • Perda gradual da função tiroideia
      • Fase assintomática
    • Hipotiroidismo clínico

Manifestações

Sintomas comuns de hipotiroidismo:

  • Fadiga, intolerância ao frio, ganho de peso
  • Pele seca, queda de cabelo
  • Dificuldade de concentração e alterações da memória
  • Rouquidão, défice auditivo
  • Obstipação
  • Irregularidades menstruais (menorragia inicial e, posteriormente oligomenorreia ou amenorreia)
  • Parestesias

Sinais comuns de hipotiroidismo:

  • +/- Bócio (algumas glândulas estão atróficas em estadios posteriores)
  • Pele seca e áspera; alopecia; extremidades frias
  • Rosto, mãos e pés edemaciados (edema sem depressões / mixedema)
  • Bradicardia
  • Relaxamento retardado dos reflexos tendinosos
  • Síndrome do túnel cárpico

Diagnóstico

Avaliação inicial

  • Os níveis das hormonas tiroideias são diferentes em cada fase:
    • “Hashitoxicose”: ↓ TSH + ↑ T3 / T4 livre
    • Hipotiroidismo subclínico: ↑ TSH + T3 / T4 livre normal
    • Hipotiroidismo clínico: ↑ TSH + ↓ T3 / T4 livre
  • Anticorpos anti-tiroglobulina (Tg) e anti-peroxidase (TPO) positivos:
    • Observado em > 95% dos casos de tiroidite de Hashimoto
    • Os anticorpos podem prever a progressão para hipotiroidismo clínico.

Testes adicionais

  • Testeslaboratoriais :
    • ↑ Colesterol, triglicerídeos
    • O hemograma completo revela anemia normocítica.
  • Imagiologia:
    • Não é necessária para o diagnóstico
    • Necessária em casos de bócio assimétrico e / ou + suspeita de nódulos
    • Testes:
      • Captação de iodo radioativo (RAIU): baixa captação (tiroide fria)
      • Ecografia: aumento hipertrófico ou redução atrófica dependendo do tipo e fase.
  • Punção aspirativa por agulha fina:
    • Se houver um nódulo dominante ou suspeita de malignidade
    • Mostra células de Hurthle e infiltração linfocítica com centros germinativos
Cintigrafia de captação da tiroide

Cintigrafia de captação da tiroide (tiroidite versus outras doenças tiroideias):
A: normal
B: Doença de Graves: aumento difuso da captação em ambos os lobos da tiroide
C: bócio multinodular tóxico: áreas “quentes” e “frias” de absorção irregular
D: adenoma tóxico: aumento da captação num único nódulo com supressão da tiroide circundante
E: tiroidite: captação diminuída ou ausente

Imagem: “Technetium 99” por Endocrine Unit, Freeman Hospital, Newcastle upon Tyne, United Kingdom. Licença: CC BY 4.0

Tratamento e Complicações

Terapêutica de reposição da tiroide

  • Levotiroxina: forma sintética de T4 que é convertida perifericamente em T3
  • Dosagem:
    • 1,6 mcg / kg de peso corporal por dia em pacientes jovens e saudáveis
    • Dose inicial de 25 mcg por dia em idosos
    • Dose diferente para população pediátrica
  • Duração: vitalícia
  • Absorção reduzida por antiácidos, ferro, cálcio
  • Avaliar TSH após 6 semanas e ajustar a dose.
Algoritmo do tratamento de hashimoto

Diagrama esquemático do tratamento da tiroidite de Hashimoto:
De salientar que os ajustes dependem dos níveis de TSH.

Imagem por Lecturio.

Complicações

  • Coma mixedematoso: hipotiroidismo grave caracterizado pela função retardada de múltiplos órgãos
    • Considerada uma emergência médica
    • Pode levar a choque e morte (taxa de mortalidade de até 50%)
  • Os pacientes com tiroidite de Hashimoto têm risco aumentado de:
    • Outras doenças autoimunes (por exemplo, diabetes mellitus tipo 1, Doença de Addison
    • Linfoma de células B da glândula tiroideia

Diagnósticos Diferenciais

  • Tiroidite subaguda (tiroidite De Quervain): inflamação aguda da tiroide frequentemente associada a infeção virusal prévia e principal causa de dor cervical de origem tiroideia. A apresentação inclui dor no pescoço com bócio. A investigação laboratorial revela TSH baixa, T4 livre elevada, velocidade de sedimentação elevada e captação de iodo radioativo baixa ou ausente. Frequentemente autolimitada, que pode passar por um estado de hipertiroidismo e, posteriormente um estado de eutiroidismo seguido de hipotiroidismo. A normalização da função tiroideia pode demorar meses.
  • Tiroidite linfocítica subaguda (tiroidite indolor): doença autoimune com aumento difuso da glândula da tiroide. Ocorre o mesmo processo na tiroidite pós-parto. Os exames laboratoriais dependem da fase da doença, mas o hipertiroidismo inicial demonstra uma TSH baixa e T4 elevada. A doença está associada a uma baixa captação de iodo radioativo. O padrão da doença corresponde a um estado de hipertiroidismo transitório e hipotiroidismo, seguido de recuperação. No entanto, em alguns casos não está presente a fase eutiroideia.
  • Tiroidite de Riedel: forma rara de tiroidite caracterizada por fibrose extensa da glândula tiroideia e região do pescoço. A tiroidite de Riedel diferencia-se da tiroidite de Hashimoto, na qual a fibrose não se estende além da cápsula. O exame objetivo revela uma glândula tiroide rígida e fixa, associada a outros locais de fibrose no corpo.
  • Hipopituitarismo: distúrbio caracterizado por um défice na produção da hormona hipofisária, que resulta de uma doença hipotalâmica ou da própria glândula pituitária. A hipofunção resulta em secreção reduzida de hormona do crescimento, TSH, gonadotrofinas, prolactina e hormona adrenocorticotrópica, que produz uma síndrome complexa dependendo das hormonas afetadas.

Referências

  1. Davies, T. (2020). Pathogenesis of Hashimoto’s thyroiditis (chronic autoimmune thyroiditis). UpToDate. Retrieved February 11, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/pathogenesis-of-hashimotos-thyroiditis-chronic-autoimmune-thyroiditis
  2. Lee, S., Nagelberg, S. (2020). Hashimoto Thyroiditis. Medscape. Retrieved January 25, 2021, from https://emedicine.medscape.com/article/120937-overview
  3. Maitra, A. (2021). The Endocrine System. Kumar V., Abbas, A., Aster, J. , Robbins & Cotran Pathologic Basis of Disease, 10e. Elsevier.

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