Tipos de Choque

O choque é uma condição ameaçadora da vida associada a perturbação da circulação que resulta em hipóxia tecidual. Os diferentes tipos de choque são baseados na causa subjacente: distributivo (↑ débito cardíaco (DC), ↓ resistência vascular sistémica (RVS)), cardiogénico (↓ DC, ↑ RVS), hipovolémico (↓ DC, ↑ RVS), obstrutivo (↓ DC), e misto. Os sintomas mais comuns incluem taquicardia, taquipneia, hipotensão, alteração do estado mental e oligúria. As medidas de tratamento variam dependendo da causa suspeita do choque e podem incluir ventilação mecânica, fluidos IV para ressuscitação de volume, vasopressores e transfusão de sangue/produtos sanguíneos.

Última atualização: May 11, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Definição e Classificação

Definição

O choque é uma condição de risco de vida de disfunção orgânica resultante da hipóxia dos tecidos devido a diminuição do fornecimento de oxigénio, aumento do consumo de oxigénio e/ou deficiente utilização de oxigénio.

Classificação

  • Distributivo: caracterizado por uma redução na resistência vascular sistémica (RVS) e um aumento compensatório no débito cardíaco (DC)
    • Choque séptico
    • Pancreatite
    • Queimaduras graves
    • Choque anafilático
    • Choque neurogénico
    • Choque endócrino
    • Crise supra-renal
    • Choque induzido por fármacos e toxinas
  • Cardiogénico: caracterizado pela redução de DC devido a um problema cardíaco primário
    • Enfarte do miocárdio
    • Miocardite
    • Arrítmia
    • Insificiência valvular
      • Insuficiência grave da válvula aórtica
      • Insuficiência mitral grave
  • Hipovolémico: caracterizado pela redução de DC devido à redução da pré-carga
    • Hemorrágico
    • Perdas gastrintestinais (GI)
      • Vómitos
      • Diarreia
    • Queimaduras
    • Poliúria:
      • Cetoacidose diabética
      • Diabetes insípido
  • Obstrutivo: caracterizado pela redução do DC devido a uma obstrução extracardíaca
    • Pneumotórax de tensão
    • Embolia pulmonar
    • Tamponamento cardíaco
    • Disseção aórtica
    • Pericardite restritiva
  • Combinado/Multifatorial: frequentemente, não existe 1 tipo de choque isoladamente.
Tabela: Características hemodinâmicas dos principais tipos de choque
Tipo de choque Pressão venosa central (PVC) Pressão de encravamento capilar pulmonar (PECP) Débito cardíaco Resistência vascular sistémica
Distributivo
Cardiogénico
Obstrutivo ↓↑
Hipovolémico

Fisiopatologia e Estádios

Fisiopatologia

  • Agressão inicial (que resulta frequentemente em falência circulatória) → compromisso do fornecimento de oxigénio (mecanismo mais comum de hipóxia tecidual) → hipóxia tecidual → metabolismo anaeróbico (conversão de piruvato em lactato e produção reduzida de trifosfato de adenosina (ATP)) → falha das células em manter homeostasia osmótica, iónica e de pH → edema e morte celular → ativação de cascatas inflamatórias e alterações microvasculares → disfunção orgânica/choque
  • Os determinantes do fornecimento de oxigénio (DO2) incluem o DC (débito cardíaco) e de oxigénio arterial (CaO2):
    DO2 = DC × CaO2
    • DC = frequência cardíaca (FC) × volume sistólico
      • VS = (pré-carga × contratilidade) / resistência vascular sistémica (RVS)
    • CaO2 ≈ hemoglobina (Hb) × 1,39 × saturação arterial de oxigénio (SaO2); portanto, as variáveis que afetam DO2 incluem o DC (FC e VS (pré-carga, contratilidade e RVS)) e CaO2 (Hb e SaO2)
  • Outros mecanismos de hipóxia dos tecidos (menos comuns do que o compromisso do fornecimento de oxigénio):
    • Aumento do consumo de oxigénio
    • Utilização deficiente de oxigénio (por exemplo, envenenamento por cianeto)

Estádios do choque

  1. Pré-choque ou choque compensado
    • Reversível com intervenções
    • A perfusão e o fornecimento de oxigénio são relativamente normais apesar da agressão.
    • Sem sinais evidentes de disfunção orgânica ± sinais laboratoriais ligeiros de disfunção orgânica (por exemplo, elevações ligeiras de creatinina, troponina ou lactato)
  2. Choque ou choque descompensado
    • Reversível com intervenções
    • A perfusão e o fornecimento de oxigénio são anormais.
    • Estão presentes sinais evidentes de disfunção orgânica.
  3. Choque irreversível
    • Disfunção orgânica permanente
    • Progressão para falência multi-orgânica

Diagnóstico

Manter sempre um alto índice de suspeição clínica para choque. As características sugestivas incluem taquicardia, hipotensão, alteração do estado mental, oligúria, pulsos periféricos fracos e pele fria e húmida.

História

  • Febre e tosse produtiva: choque distributivo devido a pneumosépsis
  • Urticária, dispneia e edema facial: choque distributivo devido a anafilaxia
  • Dor torácica e dispneia: choque cardiogénico devido a enfarte do miocárdio
  • Pré-síncope ou síncope: choque cardiogénico devido a arritmias
  • Dispneia aguda ou dor torácica e história de doença maligna, inatividade ou tumefação da perna: choque obstrutivo devido a embolia pulmonar
  • Diarreia grave: choque hipovolémico devido a perdas gastrointestinais

Exame físico

  • Choque compensado:
    • Taquicardia: para compensar o DC
    • Taquipneia: para compensar a acidose metabólica
    • Hipotensão: pressão arterial sistólica (PAS) < 90 mm Hg, pressão arterial média (PAM) < 65 mm Hg em indivíduos normotensos ou superior em indivíduos com hipertensão descontrolada
    • Diminuição do tempo de preenchimento capilar
    • Pele fria e húmida
  • Choque descompensado: sinais de falência orgânica
    • Confusão/alteração do estado mental: hipoperfusão do sistema nervoso central (SNC)
    • Oligúria (< 0,5 mL/kg/h) num indivíduo sem história de doença renal: hipoperfusão renal
  • Achados específicos:
    • Crepitações bilaterais: edema pulmonar devido a insuficiência cardíaca esquerda ou síndrome de desconforto respiratório agudo
    • Extremidades distais quentes, preenchimento capilar em < 2 segundos e pulsos proeminente: DC elevado, como no choque distributivo.
    • Extremidades frias, atraso no preenchimento capilar, pulsos fracos e uma pressão de pulso estreita sugerem baixo DC:
      • Pressão venosa jugular (PVJ) elevada e edema periférico: choque cardiogénico com insuficiência cardíaca direita
      • Elevação da PVJ e pulso paradoxal (ou seja, > 10 mm Hg de diminuição na pressão arterial sistólica durante a inspiração): choque obstrutivo devido a tamponamento cardíaco
      • Redução da PVJ (< 8 cm): choque hipovolémico
    • Lesões infetadas de pele/mucosas: choque séptico
    • Grande equimose sugere grandes hemorragias internas: choque hipovolémico
    • Sangue no toque retal: choque hipovolémico devido a hemorragia gastrointestinal
    • Ausência unilateral de sons respiratórios com percussão timpânica, enfisema subcutâneo e desvio lateral da traqueia: choque obstrutivo devido a pneumotórax hipertensivo

Avaliação analítica/laboratorial

  • Lactatos:
    • Recomenda-se medições seriadas para avaliar a resposta à terapêutica.
    • Elevações correlacionam-se com piores resultados.
  • Testes de função renal: nitrogénio ureico no sangue (BUN) e creatinina
  • Testes de função hepática: elevação da fosfatase alcalina (FA) para mais de 3 vezes o normal pode sugerir obstrução biliar como causa de septicemia e choque distributivo.
  • Enzimas cardíacas: elevações podem indicar enfarte do miocárdio, miocardite ou embolia pulmonar.
  • Hemograma completo (com diferencial): elevação de leucócitos com desvio esquerdo (contagem de granulócitos imaturos > 3% por analisador automático ou contagem manual de bandas > 10%), embora não diagnóstico, pode indicar infeção.
  • Tempo de protrombina (TP), tempo de tromboplastina parcial (TTP) e relação normalizada internacional (INR):
    • Elevações podem indicar uma coagulopatia relacionada com o choque séptico
    • Elevações podem sugerir uma etiologia para o choque hemorrágico
  • Culturas:
    • Sangue
    • Urina
    • Expectoração
    • LCR (se houver suspeita de meningite ou encefalite)
    • Catéteres internos (se houver suspeita de infeção da linha)
    • Feridas (se presentes)
  • Urinálise: Piúria indica infeção.
  • Gasimetria arterial: mostra o grau e tipo de alteração ácido-base e hipoxemia
  • O eletrocardiograma (ECG) pode sugerir a etiologia do choque:
    • Elevação do segmento ST: enfarte do miocárdio
    • Taquiarritmias ou bradiarritmias
    • Padrão S1Q3T3: embolia pulmonar
    • Voltagem QRS reduzida + alternâncias elétricas: tamponamento pericárdico

Imagiologia

  • Avaliação radiográfica incluindo radiografia de tórax e tomografia computorizada (TC) toracoabdominal
  • Ecografia point-of-care:
    • Coração: função do ventrículo esquerdo (VE) e do ventrículo direito (VD), função valvular, pericárdio, diâmetro e complacência da veia cava inferior (VCI)
    • Tórax: pneumotórax, hemotórax, empiema, aneurisma da aorta torácica
    • Abdómen: cavidade peritoneal para acumulação de fluidos e hemorragia, aneurisma da aorta abdominal
    • Membros inferiores proximais: trombose venosa profunda

Scores e índices

  • Índice de choque (SI, pela sigla em inglês): frequência cardíaca (FC; batimentos/min) / PAS (mm Hg)
    • SI de 0,5-0,7: Normal
    • SI > 0,9: indica hemorragia crítica e necessidade de transfusão
  • Score qSOFA (do inglês “quick Sequential Organ Failure Assessments”):
    • Já não é recomendado como ferramenta única de rastreio de sépsis
    • Útil como ferramenta preditiva
    • A presença de 2 dos 3 critérios seguintes indica um pior prognóstico num paciente com suspeita de sépsis (internamento em UCI prolongado ou morte).
      • PAS < 100 mm Hg
      • Frequência respiratória > 22/min
      • Alteração do estado mental

Tratamento

O choque é uma emergência médica!
Iniciar tratamento e avaliação simultâneos da etiologia, utilizando resultados da história, exame físico, monitorização hemodinâmica e estudos laboratoriais. Os resultados são melhores dentro de uma equipa multidisciplinar num ambiente equipado com recursos como a unidade de cuidados intensivos (UCI).

Abordagem ao choque — detetar o choque cedo

Abordagem ao choque

Image by Lecturio.

Suporte respiratório

  • Indicações para intubação endotraqueal e suporte ventilatório mecânico:
    • Hipoxémia significativa (PaO2 < 60 mm Hg ou saturação de oxigénio < 90%)
    • Hipoventilação (aumento da pressão parcial de dióxido de carbono (pCO2))
    • Nível de consciência significativamente alterado
    • Incapacidade de proteger as vias aéreas com risco de aspiração
    • Acidose metabólica persistente com pH < 7,20
  • Objetivo: saturação arterial de oxigénio de 92%95%.

Monitorização

  • Acesso venoso periférico: para possível terapia com fluidos e antibióticos
  • Colocação de cateter venoso central:
    • Considerar se a reanimação for inadequada através do acesso periférico.
    • Aplicações:
      • Administração agressiva de fluidos
      • Terapia vasopressora
      • Monitorização hemodinâmica (meios para medir a oxigenação venosa central e a pressão de encravamento capilar pulmonar (através de um cateter de Swan-Ganz))
  • Via intra-óssea: para acesso venoso central rápido em indivíduos gravemente doentes.
  • Linha arterial:
    • Para monitorização contínua da pressão arterial
    • Para monitorização contínua da tensão de oxigénio, uma vez que a oximetria periférica pode não ser fiável durante a hipoperfusão
    • Para medições repetidas do estado ácido-base e lactatos
  • Colocação de cateter urinário: para monitorização hemodinâmica através do débito urinário por hora

Ressuscitação de volume

  • Monitorização apertada do estado do volume com ajuste frequente da terapia, conforme necessário
  • Fluidos intravenosos (principalmente cristalóides):
    • Maioria dos indivíduos com choque indiferenciado
    • Todos os indivíduos com choque hipovolémico e distributivo (por exemplo, 30 mL/kg no choque séptico)
    • Alguns indivíduos com choque cardiogénico (por exemplo, enfarte agudo do ventrículo direito)
  • Produtos sanguíneos:
    • Concentrado eritrocitário: choque hipovolémico e hemorragia ativa
    • Plasma fresco congelado (PFC) e plaquetas:
      • Transfusões massivas
      • Coagulopatia
  • Métodos de monitorização não invasivos que indicam um estado de resposta ao volume:
    • Elevação passiva dos membros inferiores: alteração significativa na pressão de pulso ou do DC (não da pressão sanguínea!) após a administração de um bólus de fluido e reposicionamento do indivíduo de uma posição reclinada com uma elevação da cabeça a 45º para Trendelenburg com uma elevação das pernas a 45º.
    • Variação significativa da pressão de pulso ou VS durante o ciclo respiratório num indivíduo entubado
    • Ecocardiograma: diâmetro reduzido da VCI e colapso da VCI, avaliação seriada da função do VE
  • Métodos invasivos como o catéter de Swan-Ganz para PECP: já não é recomendado para a monitorização de rotina do estado de volume no choque porque a avaliação hemodinâmica geralmente pode ser feita de forma não-invasiva
Dynamic monitoring (co or sv)

Elevação passiva das pernas. CO, débito cardíaco; VS, volume sistólico.

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Tratamento farmacológico

  • Vasopressor e terapêutica inotrópica:
    • Se a hipotensão permanecer apesar da restauração do volume intravascular com fluidos
    • Choque distributivo (mais frequentemente séptico): norepinefrina (1.ª linha), vasopressina (2.ª linha)
    • Choque cardiogénico: dobutamina
    • Choque distributivo e cardiogénico misto: norepinefrina + dobutamina
  • Antibióticos:
    • Obter hemoculturas.
    • Administrar os antibióticos na 1.ª hora após o diagnóstico de choque.
    • Suspender os antibióticos se se excluir septicémia.
  • Terapias específicas:
    • Choque distributivo devido a anafilaxia:
      • Remoção de alergénio
      • Epinefrina
      • Fluidos IV e vasopressores
    • Choque distributivo devido a insuficiência suprarrenal: esteroides em altas doses
    • Choque cardiogénico devido a enfarte do miocárdio: revascularização
    • Choque cardiogénico devido a arritmias: suporte avançado de vida incluindo cardioversão e colocação de pacemakers temporários
    • Choque hipovolémico devido a hemorragia GI: intervenção endoscópica e/ou cirúrgica  
    • Choque obstrutivo devido a pneumotórax de tensão: descompressão imediata com colocação de um dreno torácico
    • Choque obstrutivo devido a embolia pulmonar massiva: terapêutica trombolítica ou remoção cirúrgica do coágulo
    • Choque obstrutivo devido a tamponamento pericárdico:
      • Pericardiocentese
      • Janela pericárdica

References

  1. Kasper DL, Fausi AS, Hauser SL, Longo DL, Lameson JL, Loscalzo J. Harrison’s Principles of Internal Medicine. New York, NY: McGraw-Hill Education; 2018.
  2. Gaieski DF, Mikkelsen ME. Evaluation of and initial approach to the adult patient with undifferentiated hypotension and shock. In: UpToDate, Post, TW (Ed), UpToDate, Waltham, MA, 2020.

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