Síndrome Medular Anterior

A síndrome medular anterior (SMA) é uma síndrome medular incompleta que afeta predominantemente os ⅔ anteriores (ventrais) da medula espinhal, poupando as colunas dorsais. A síndrome medular anterior pode ser causada por oclusão da artéria espinhal anterior ou por trauma, que resulte em herniação discal e fragmentos ósseos que rompem a medula espinhal. As manifestações clínicas incluem perda da função motora e sensitiva abaixo do nível da lesão. O diagnóstico da SMA é por exame clínico e neuroimagem com RMN. O tratamento é direcionado à resolução da causa subjacente. A preservação da função motora é uma prioridade, mas o prognóstico é mau.

Última atualização: Jun 23, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Definição

A síndrome medular anterior (SMA) é uma síndrome medular incompleta que afeta os ⅔ anteriores da medula espinhal, enquanto poupa as colunas dorsais, resultando em perda da função motora e sensitiva abaixo do nível da lesão.

Epidemiologia

  • Incidência estimada: 3,1 por 100.000
  • 2,7% das lesões traumáticas da medula espinhal
  • O padrão mais comum de enfarte da medula espinhal

Etiologia

  • Oclusão da artéria espinhal anterior (ASA) e isquemia da área que a ASA fornece:
    • Iatrogénico (mais comum): clamping cruzado da aorta durante a reparação de aneurisma da aorta torácica e abdominal
    • Hipotensão grave
    • Doença aterotrombótica
    • Vasculite
    • Cocaína (raro)
  • Lesão direta/trauma:
    • Lesão por esmagamento
    • Hérnia discal espinhal aguda
    • Fratura de explosão
    • Lesão por arma de fogo ou faca
  • Massa no canal vertebral:
    • Tumor benigno ou maligno
    • Hematoma
  • Mielopatia por radiação

Fisiopatologia

A síndrome medular anterior começa com a oclusão do suprimento sanguíneo ou a lesão da coluna vertebral. A síndrome raramente é causada por tumores da medula espinhal.

Mecanismos de lesão

  • Oclusão da ASA:
    • O fluxo sanguíneo através da ASA é interrompido → isquemia do tecido medular e enfarte do nível da interrupção do fluxo para baixo →
    • Enfarte das vias corticospinhal e espinotalâmica → SMA
  • Fraturas vertebrais/explosivas:
    • Força vinda de cima ou de baixo do corpo vertebral (dependendo da lesão) →
    • O núcleo polposo do disco intervertebral é forçado para dentro do corpo vertebral → fratura com quebra para fora (explosão) → lesão da medula espinhal relacionada com a força e direção do evento traumático
    • Fragmentos de fratura deslocados posteriormente → SMA

Sequelas neurológicas

  • Anatomia: Os núcleos motores da medula espinhal estão contidos no corno ventral. →
  • Os interneurónios medeiam informações de outros tratos descendentes (sistemas motores piramidais e extrapiramidais). →
  • Sinapse nos neurónios motores alfa e gama →
  • Deixam o corno ventral através da raiz nervosa ventral →
  • Lesão no corno ventral/medula espinhal anterior → lesão no:
    • Trato corticoespinhal (TCS) → paralisia motora e ausência de reflexos
    • Trato espinotalâmico (TST) → perda bilateral da sensação de dor e temperatura
    • Tratos autonómicos descendentes → perda do controlo da bexiga
  • A sensação tátil, de posição e vibratória permanecem normais (as colunas dorsais estão intactas).
  • Com lesão medular aguda:
    • A lesão secundária devido ao edema da medula espinhal pode manifestar-se como deterioração neurológica nas primeiras 8 a 12 horas.
    • Máximo 3-6 dias após a lesão
    • Regride aproximadamente 9 dias após a lesão
  • Gradualmente substituído por necrose hemorrágica central

Apresentação Clínica e Diagnóstico

Compreender as estruturas afetadas por uma lesão medular anterior é fundamental para correlacionar sinais e sintomas clínicos.

Apresentação clínica

História clínica:

  • Pode relatar o início agudo de sintomas neurológicos ou trauma
  • Indivíduos com mielopatia espondilótica cervical aguda e história de défices prévios leves ou inexistentes: emergência neurológica
  • Pode chegar ao serviço de urgência como resultado de trauma e com incapacidade de fornecer uma história
  • Pode apresentar sintomas no hospital após cirurgia aórtica

Achados ao exame físico:

  • Quase sempre bilaterais
  • Défice motor: paralisia abaixo do nível da lesão
  • Défice sensitivo: perda da sensação de dor e temperatura
  • Preservado (colunas posteriores são poupadas): posição, sensação de vibração e toque leve
  • Disfunção autonómica: incontinência urinária

Diagnóstico

  • Imagiologia:
    • Radiografia da coluna vertebral: para avaliar fratura
    • RMN:
      • Modalidade de imagem de eleição
      • Visão sagital: hiperintensidades finas em T2 “semelhantes a um lápis” dentro dos cornos anteriores
      • Visão axial: focos circulares a ovoides hiperintensos bilateralmente e simétricos nos cornos anteriores da medula espinhal, que lembram “olhos de coruja” (também conhecido como “sinal dos olhos de cobra” ou “sinal dos ovos fritos”)
  • Exames laboratoriais:
    • Se indicado, hemograma e hemoculturas para verificar se existe infeção
    • Velocidade de hemossedimentação (VS) e PCR, para avaliar a presença de etiologia inflamatória
    • Testes de coagulação, se potencial estado de hipercoagulabilidade
    • A punção lombar do LCR pode ser necessária para descartar infeção.
Visão sagital da rm espinhal em t2 mostrando alterações isquêmicas “semelhantes a lápis” na medula espinhal, consistentes com síndrome da medula anterior (sca)

Visão sagital de ressonância magnética espinhal em T2 a demostrar alterações isquémicas “semelhantes a um lápis” na medula espinhal, consistentes com síndrome medular anterior

Imagem: “T2 Weighted sagittal image shows linear hyperintensity along the lower cervical and thoracic cord without cord expansion” por Nilukshana Yogendranathan, et al. Licença: CC BY 4.0

Tratamento e Prognóstico

O tratamento é direcionado para o alívio dos sintomas e a preservação da função motora.

Cuidados de emergência

  • Fármacos (dependentes da causa da SMA):
    • O prognóstico melhora com altas doses de esteroides intravenosos até 8 horas após a lesão.
    • Infundir bólus IV de metilprednisolona nas primeiras 23 horas.
  • A trombólise pode ser considerada se causas aterotrombóticas ou embólicas.
  • Terapêutica de imunossupressão em vasculites e noutras causas autoimunes
  • Cateterismo vesical se bexiga neurogénica

Cuidados cirúrgicos

  • Laminectomia para descompressão espinhal, se indicada
  • Prevenção da SMA durante procedimentos cirúrgicos:
    • Protocolos para evitar isquemia medular durante a cirurgia aórtica
    • Evitar tempos de clampagem prolongados e vasopressores IV

Cuidados de longa duração via reabilitação

  • Fisioterapia extensa destinada a:
    • Preservar a força e amplitude de movimentos
    • Alongamentos para aliviar a espasticidade
  • Terapia ocupacional: para ajudar a manter a capacidade funcional para o autocuidado

Complicações da lesão medular

  • Insuficiência respiratória (acima de C3–C5): perda da função do nervo frénico → paralisia do diafragma (pode requerer cuidados prolongados com o ventilador)
  • Disreflexia autonómica (acima de T6): falta de uma resposta autonómica coordenada da frequência cardíaca e da pressão arterial em lesões na coluna vertebral
  • Espasticidade
  • Incontinência urinaria
  • Complicações da imobilidade:
    • Trombose venosa profunda (TVP)
    • Úlceras de stress gastrointestinais
    • Úlceras de pressão
    • Dor crónica

Prognóstico

  • SMA: tem o pior prognóstico de todas as síndromes medulares
  • A recuperação da função é má:
    • A maioria das mortes ocorre imediatamente após a lesão.
    • Poucos indivíduos recuperam a capacidade de andar.
    • A recuperação pode continuar nos anos seguintes à lesão.
  • Mulheres e idosos: ↑ risco de pior prognóstico

Diagnóstico Diferencial

  • Síndrome medular central: síndrome neurológica causada por uma lesão no centro da medula espinhal, que afeta os tratos espinotalâmico e corticoespinhal. A síndrome medular central é frequentemente causada por trauma em indivíduos com espondilose cervical. As manifestações clínicas são défices motores (afetam mais os membros superiores do que os inferiores), défices sensitivos variáveis abaixo do nível da lesão e disfunção vesical. O diagnóstico é realizado com base no exame clínico e na RMN. O tratamento pode ser clínico ou cirúrgico, dependendo da gravidade da lesão.
  • Síndrome medular posterior: síndrome medular incompleta caracterizada pela perda da sensação de vibração e posição abaixo do nível da lesão. Sendo uma condição muito rara, o status da síndrome medular posterior, como uma entidade clínica separada, ainda está em debate na literatura e pode sobrepor-se à síndrome medular central. O diagnóstico é clínico e com neuroimagem. O tratamento inclui esteroides, medicação para a espasticidade e/ou cirurgia para reparação de fraturas vertebrais.
  • Síndrome de Brown-Séquard: hemissecção da medula espinhal secundária a lesão. A síndrome de Brown-Séquard é mais frequentemente causada por trauma penetrante (e.g., ferimento por faca ou bala), mas outras etiologias incluem tumores, hérnias discais, desmielinização e enfarte. A apresentação clínica inclui fraqueza e paralisia de um lado do corpo e perda sensitiva no lado oposto. O diagnóstico é realizado com base no exame neurológico e na RMN. O tratamento inclui esteroides em altas doses precocemente; a gestão adicional do doente é sintomática e de suporte.
  • Esclerose múltipla: doença autoimune inflamatória crónica que leva à desmielinização do SNC. A etiologia da esclerose múltipla é incerta, mas acredita-se que fatores genéticos e ambientais desempenhem um papel. O diagnóstico é feito por RMN e exame do LCR. O tratamento envolve corticosteroides nas exacerbações agudas e agentes modificadores de prognóstico para reduzir as exacerbações/retardar a progressão da doença.
  • Hérnia discal (também conhecida como herniação do núcleo polposo): expulsão do núcleo polposo através de uma perfuração no anel fibroso do disco intervertebral. Mais frequentemente causada por doença degenerativa do disco, a hérnia discal é uma importante síndrome dolorosa com potencial para comprometimento neurológico. O diagnóstico é feito com base no exame clínico e na RMN. O tratamento pode ser conservador, com fármacos e fisioterapia. A cirurgia está indicada na dor intratável ou na mielopatia.

Referências

  1. Pearl, N.A., & Dubensky, L. (2021). Anterior cord syndrome. StatPearls. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing. Retrieved August 23, 2021, from http://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK559117/ 
  2. Go, S. (2020). Spine Trauma. In Tintinalli, J.E., et al. (Eds.), Tintinalli’s Emergency Medicine: A Comprehensive Study Guide, 9e. McGraw-Hill Education. http://accessmedicine.mhmedical.com/content.aspx?aid=1167028097 
  3. Decker, J.E., & Hergenroeder, A.C. (2020). Overview of cervical spinal cord and cervical peripheral nerve injuries in the child or adolescent athlete. UpToDate. Retrieved August 23, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/overview-of-cervical-spinal-cord-and-cervical-peripheral-nerve-injuries-in-the-child-or-adolescent-athlete 
  4. Yogendranathan, N., et al. (2018). A case of anterior spinal cord syndrome in a patient with unruptured thoracic aortic aneurysm with a mural thrombus. BMC cardiovascular disorders. 18(1), 48. https://dx.doi.org/10.1186%2Fs12872-018-0786-4
  5. Hansebout, R.R., & Kachur, E. (2018). Acute traumatic spinal cord injury. UpToDate. Retrieved September 1, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/acute-traumatic-spinal-cord-injury
  6. Eisen, A. (2020). Anatomy and localization of spinal cord disorders. UpToDate. Retrieved September 1, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/anatomy-and-localization-of-spinal-cord-disorders

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