Síndrome de Liddle

A síndrome de Liddle, um tipo de pseudo-hiperaldosteronismo, é uma causa rara de hipertensão secundária. A síndrome de Liddle resulta de mutações autossómicas dominantes de ganho de função nos genes que codificam as subunidades do canal epitelial de sódio (ENaC), também conhecido como "canal de sódio do túbulo coletor" ou "canal de sódio sensível a amilorida". A atividade da ENAC está aumentada, levando à retenção de sódio e água. A síndrome de Liddle apresenta-se com a tríade clássica de hipertensão resistente em idade jovem, hipocalemia e alcalose metabólica, que simula os sintomas do aldosteronismo primário; no entanto, esta síndrome está associada a baixos níveis plasmáticos de aldosterona. O diagnóstico é baseado na história clínica e exame físico, análises de sangue e urina, e testes genéticos. O tratamento é através do uso de diuréticos poupadores de potássio e restrição do sódio dietético. O atraso no tratamento pode levar a sérias complicações cardiovasculares e renais. O prognóstico é bom, se a síndrome de Liddle for tratada precocemente.

Última atualização: Nov 28, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Definição

A síndrome de Liddle é um distúrbio genético raro e autossómico dominante associado ao aumento anormal do funcionamento dos canais de sódio epiteliais (ENaCs, pela sigla em inglês) nos túbulos coletores. A síndrome de Liddle é clinicamente caracterizada por hipertensão, baixa atividade plasmática de renina, alcalose metabólica, hipocalemia e baixos níveis de aldosterona.

Epidemiologia

  • Desordem extremamente rara relatada em < 80 famílias
  • A prevalência geral da população é desconhecida.
  • Os indivíduos podem permanecer assintomáticos até aos 40 anos, mas a síndrome de Liddle também pode ser diagnosticada logo aos 12 anos, na maioria dos casos.
  • Muitas vezes permanece não diagnosticada

Etiologia

Uma mutação genética autossómica dominante com ganho de função altera a estrutura de um ENaC e também afeta a região da proteína envolvida na sinalização da sua quebra, que é normalmente controlada por aldosterona.

  • SCNN1A: codifica a subunidade alfa do ENaC
  • SCNN1B: codifica a subunidade beta do ENaC
  • SCNN1G: codifica a subunidade gama do ENaC
Hereditariedade da síndrome de liddle

A hereditariedade autossómica dominante da síndrome de Liddle

Imagem: “Liddle” por Dra marina. Licença: CC0 1.0

Fisiopatologia

  • A mutação ocorre nos genes SCNN1A, SCNN1B, e SCNN1G que codificam as subunidades alfa, beta e gama do ENaC.
    • Normalmente localizados na superfície celular epitelial de:
      • Rins (ducto coletor)
      • Pulmões
      • Cólon
      • Glândulas sudoríparas
    • Função normal dos canais: reabsorção de Na
  • Segue-se a desregulação do ENaC, devido a mudanças estruturais nas respetivas subunidades.
  • Mudança de domínio no canal → ↓ internalização e degradação dos ENaC (pela via ubiquitina-proteassoma)
  • Incapacidade de degradar os canais → ↑ presença do canal no ducto coletor → ↑ reabsorção de Na, que resulta em:
    • ↑ reabsorção de sódio e hipertensão
    • ↑ atividade da ATPase Na/K → ↑ influxo celular de K e secreção através dos canais de K apicais
  • A aldosterona é responsável por controlar o número de canais de Na. Esta capacidade é perdida na síndrome de Liddle → ↓ degradação destes canais → estado semelhante ao hiperaldosteronismo
Transport system of the renal collecting duct

O sistema de transporte renal do ducto coletor (E):
Na síndrome de Liddle, um aumento nos canais de sódio na superfície apical (membrana luminal) resulta no aumento da reabsorção de sódio. Este sódio é transportado de volta para o sangue via ATPase Na/K na membrana basolateral, resultando num aumento do potássio intracelular. Este potássio é secretado via canais de potássio na superfície apical.

Imagem por Lecturio.

Apresentação Clínica e Diagnóstico

Apresentação clínica

A síndrome de Liddle é rara e tem uma apresentação semelhante a muitas outras síndromes associadas ao excesso de mineralocorticóides. Assim, a síndrome de Liddle é muitas vezes mal diagnosticada ou permanece sem ser detetada.

A tríade clássica da apresentação clínica inclui:

  1. Hipertensão arterial:
    • Início precoce
    • Longa duração
    • Muitas vezes grave ou resistente
    • Características associadas:
      • Cefaleias intermitentes
      • Fadiga
      • Tonturas
      • Alterações da visão
  2. Sintomas de hipocalemia:
    • Fraqueza muscular
    • Fadiga
    • Palpitações
    • Mialgias
    • Obstipação
    • Intolerância ao exercício físico
  3. Alcalose metabólica

Diagnóstico

O diagnóstico preliminar da síndrome de Liddle é baseado principalmente na suspeita resultante da apresentação clínica. Também é importante:

  • Considerar a história familiar de hipertensão arterial precoce com ou sem hipocalemia.
  • Excluir outras causas de hipertensão, hipocalemia e alcalose metabólica.

Achados laboratoriais:

  • ↓ Renina plasmática
  • ↓ Aldosterona plasmática
  • ↓ Aldosterona urinária
  • ↓ Na urinário
  • Eletrólitos séricos:
    • ↑ Na
    • ↓ K
    • ↑ HCO3

Deve-se considerar a realização de testes genéticos em indivíduos com história familiar de síndrome de Liddle e naqueles em que se suspeita desta patologia.

Tratamento

Tratamento

O diagnóstico precoce da síndrome de Liddle leva à resolução ou controlo do distúrbio, permitindo que o indivíduo afetado tenha uma vida normal.

  • Diuréticos poupadores de potássio:
    • Atuam bloqueando a atividade do ENaC:
      • Amilorida
      • Triamtereno
    • Usado para tratar a hipertensão arterial enquanto resolve a hipocalemia e a alcalose metabólica.
  • Restrição salina: < 2 g de sódio/dia
  • Os tratamentos anti-hipertensores convencionais são ineficazes.
  • O transplante renal resolve o distúrbio por completo.

Complicações

Devido à sua rara ocorrência e semelhança de sintomas com outras doenças associadas ao excesso de mineralocorticóides, a síndrome de Liddle é frequentemente mal diagnosticada, o que pode levar a um aumento da ocorrência de complicações:

  • Hipertensão arterial resistente
  • Hipertrofia ventricular esquerda
  • Retinopatia hipertensiva
  • Nephrosclerose
  • Isquemia cerebral, levando a acidentes cerebrovasculares
  • Insuficiência renal crónica
  • Encefalopatia hipertensiva
  • Edema pulmonar

Prognóstico

  • O diagnóstico precoce e o tratamento são fundamentais para o prognóstico da síndrome de Liddle.
  • Tratamento adequado → bom prognóstico
  • Atraso na deteção → atraso no tratamento → manifesta-se com grandes complicações cardiovasculares e renais

Diagnóstico Diferencial

  • Hiperaldosteronismo primário: também conhecido como síndrome de Conn. O hiperaldosteronismo primário é caracterizado pelo excesso de produção de aldosterona, resultando em níveis baixos de renina. O hiperaldosteronismo primário é causado pela hiperplasia adrenal primária ou adenoma adrenal e apresenta-se com hipertensão, fraqueza muscular, espasmos musculares, poliúria e cefaleias. O diagnóstico é baseado na história clínica, exame físico e testes laboratoriais. O tratamento inclui adrenalectomia e terapia com espironolactona.
  • Excesso aparente de mineralocorticoides: um distúrbio raro, autossómico recessivo que se apresenta com hipertensão, hipocalemia, alcalose metabólica e níveis baixos de renina plasmática. O diagnóstico é feito através do cálculo da proporção de cortisol urinário livre para cortisona urinária livre, que é maior nos indivíduos afetados. O tratamento inclui antagonistas de aldosterona, como a espironolactona e o transplante renal.
  • Resistência ao glicocorticoides: doença familiar caracterizada pela redução dos efeitos do cortisol devido a um defeito no recetor dos glicocorticoides, contrariado pela hiperatividade do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal. Os indivíduos afetados apresentam sinais de superprodução adrenal de mineralocorticoides – hipertensão, alcalose hipocalémica, hirsutismo nas mulheres, calvície de padrão masculino e irregularidades menstruais. O diagnóstico é baseado nos níveis elevados de cortisol e níveis normais a altos da hormona adrenocorticotrófica (ACTH). O tratamento baseia-se no uso de glicocorticoides sintéticos poupadores de mineralocorticoides, para suprimir a secreção de ACTH.
  • Hipertensão renovascular: uma patologia causada pelo estreitamento ou oclusão das artérias renais e/ou os seus ramos, muitas vezes devido a aterosclerose ou displasia fibromuscular. A apresentação clínica da hipertensão renovascular inclui hipertensão, disfunção renal e edema pulmonar causados pela ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona. O diagnóstico baseia-se na imagiologia renal, tal como ecografia duplex. O tratamento é a intervenção cirúrgica.

Referências

  1. Young, W.F. (2019). Genetic disorders of the collecting tubule sodium channel: Liddle’s syndrome and pseudohypoaldosteronism type 1. UpToDate. Retrieved June 7, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/genetic-disorders-of-the-collecting-tubule-sodium-channel-liddles-syndrome-and-pseudohypoaldosteronism-type-1
  2. Liddle syndrome. (2016). Genetic and Rare Diseases Information Center. Retrieved June 7, 2021, from https://rarediseases.info.nih.gov/diseases/7381/liddle-syndrome
  3. Enslow, B.T., et al. (2019). Liddle’s syndrome mechanisms, diagnosis, and management. Integrated Blood Pressure Control 12:13–22.
  4. Hechanova, L.A. (2020). Liddle syndrome. MSD Manual Professional Version. https://www.msdmanuals.com/en-in/professional/genitourinary-disorders/renal-transport-abnormalities/liddle-syndrome
  5. Mubarik, A. et al. (2020). Liddle syndrome. Stat Pearls. https://www.statpearls.com/ArticleLibrary/viewarticle/42871

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