Reação de Hipersensibilidade Tipo IV

A reação de hipersensibilidade tipo IV, ou hipersensibilidade tardia, é uma resposta mediada por células à exposição a antigénios. A reação envolve linfócitos T, e não anticorpos, e desenvolve-se ao longo de vários dias. Os linfócitos T previamente sensibilizados iniciam a defesa imunitária, conduzindo a danos teciduais. É ativado um processo mediado por citocinas por linfócitos T auxiliares, enquanto os linfócitos T citotóxicos libertam citotoxinas diretamente nas células infetadas ou disfuncionais, levando a lise celular. As manifestações clínicas decorrem do sistema envolvido, pelo que os testes de diagnóstico dependem da história clínica e dos achados ao exame objetivo. O tratamento inclui o controlo da resposta imunológica com glucocorticoides e terapêutica imunossupressora, com a gestão concomitante das complicações associadas à doença.

Última atualização: Nov 3, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

  • Reação de hipersensibilidade
    • Uma resposta imunológica exagerada dirigida a agentes patogénicos ambientais que deviam ser tratados como inofensivos
    • Os tipos I, II e III representam reações imediatas que ocorrem em 24 horas.
    • A reação de tipo IV desenvolve-se ao longo de vários dias.
  • Reação de hipersensibilidade tipo IV
    • Reação de hipersensibilidade mediada por células
    • Ao contrário das outras reações de hipersensibilidade, que são mediadas por anticorpos (Abs, pela sigla em inglês), o tipo IV envolve linfócitos T efetores específicos para determinados antigénios.
    • Não ocorre até 24–72 horas após a exposição num indivíduo sensibilizado (portanto, hipersensibilidade tardia)
    • O atraso deve-se ao tempo necessário para a diferenciação dos linfócitos T, a secreção de citocinas e quimiocinas e a acumulação de leucócitos no local.

Fisiopatologia

Função do linfócito T

  • As reações de hipersensibilidade tipo IV não envolvem anticorpos.
  • Em vez disso, estão envolvidos linfócitos T. Tipos principais:
    • Linfócitos T auxiliares (Th, pela sigla em inglês)
      • Linfócitos T/Th CD4+
      • Modulam a resposta imunológica através da secreção de citocinas que ativam os linfócitos B, outros linfócitos T e fagócitos
    • Linfócitos T citotóxicos
      • Linfócitos T/T citotóxicos (Tc) CD8+
      • Matam as células diretamente ou utilizam citocinas numa resposta imunológica

Patogénese

Fase de sensibilização

  • Captação, processamento e apresentação do antigénio (Ag)
  • Células dendríticas/macrófagos (células apresentadoras de antigénios [APCs, pela sigla em inglês]) reconhecem o Ag → apresentam-no aos linfócitos Th e os linfócitos T tornam-se “primed”, do inglês

Fase da efetuação

  • Mediada por citocinas
    • O Ag (na superfície das APCs) é reconhecido pelos linfócitos Th “primed” → as APCs produzem interleucina (IL-12), o que induz a diferenciação para linfócitos Th1
    • Os linfócitos Th1 produzem
      • IL-2: aumenta a produção de linfócitos Th1 de linfócitos T
      • Interferão-gama (IFNγ, pela sigla em inglês): recruta macrófagos
      • Fator de necrose tumoral (TNF, pela sigla em inglês): aumenta a permeabilidade vascular e recruta mais leucócitos
    • Libertação de mediadores inflamatórios → dano celular, depois lesão tecidual
    • Estimulação persistente por antigénios → formação de granulomas
      • Uma vez que o Ag não pôde ser fagocitado, o sistema imunitário tenta “vedar” a área.
      • Os macrófagos tornam-se alongados (epitélioides) e podem fundir-se (célula gigante de Langhans).
      • Mais linfócitos são recrutados, com os fibroblastos a formar uma “walled off-ball formation”, do inglês.
  • Citotoxicidade celular direta: linfócitos T CD8+/T citotóxicos libertam citotoxinas → morte das células alvo → lesão tecidular

Apresentação clínica

Dermatite de contacto alérgica

  • Etiologia: hera venenosa (antigénio: uroshiol), níquel, perfume, sabão, látex
  • Erupção pruriginosa, pode ser papular e/ou vesicular
  • Pode espalhar-se para outras partes do corpo através da transferência de antigénios pelo toque

Tuberculina

  • Injeção intradérmica de tuberculina, um derivado proteico purificado (PPD, pela sigla em inglês) do bacilo da tuberculose
  • Reação localizada tipo IV no local da inoculação em 24–72 horas
  • Visto grosseiramente como um nódulo firme e edemaciado
  • A reação é geralmente mínima e de curta duração

Doenças granulomatosas

  • O tempo máximo de reação é de 21–28 dias
  • Exemplos:
    • Infeções originam uma presença persistente de Ag
      • Tuberculose (Mycobacterium tuberculosis): sintomas pulmonares (pode ter manifestações extratorácicas)
      • Lepra/doença de Hansen (M. leprae): lesões cutâneas crónicas e perda sensorial
    • Sarcoidose
      • Agente etiológico pouco claro, provável infeção ou ambiente
      • Sintomas pulmonares (também tem manifestações extratorácicas)
    • Doença de Crohn (colite granulomatosa)
      • Dor abdominal, diarreia com ou sem hemorragia e perda ponderal
      • Pode levar a fístulas e a abcessos intestinais

Miocardite autoimune

  • Doença inflamatória do músculo cardíaco
  • Decorre maioritariamente de infeção viral cardiotrópica, especialmente com o vírus de Coxsackie B3
  • Apresentação clínica: infeção respiratória superior recente, mialgias, insuficiência cardíaca

Diabetes mellitus tipo I

  • Os linfócitos T medeiam a destruição das células beta nas ilhotas pancreáticas/ilhotas de Langerhans
  • Apresentação clínica: perda ponderal, poliúria, polidipsia, polifagia, infeções frequentes
  • Cetoacidose diabética:
    • Complicação potencialmente fatal
    • Pode ser a primeira apresentação da doença nalguns pacientes

Hipersensibilidade a medicamentos

  • Apresentação tardia, normalmente 48-72 horas após a exposição ao medicamento
  • A reação de hipersensibilidade medicamentosa tardia mais perigosa:
    • Síndrome de Stevens-Johnson/necrólise epidérmica tóxica (SJS/TEN, pela sigla em inglês):
      • Dermatite bolhosa grave, febre; sinal de Nikolsky
      • Potencialmente fatal
      • Medicamentos comuns: alopurinol, antiepiléticos, sulfonamidas (antibióticos)
    • Exantema medicamentoso com eosinofilia e sintomas sistémicos/síndrome de hipersensibilidade induzida por medicamentos (DRESS/DiHS, pela sigla em inglês):
      • Erupção cutânea, febre e falência de múltiplos órgãos
      • Fígado: órgão mais comummente envolvido
      • Com origem em vários medicamentos antiepiléticos

Síndrome de Guillain-Barré

  • Pós-infeção (muitas vezes por Campylobacter jejuni ou doença viral)
  • Uma doença respiratória superior ou gastrointestinal precede o início dos sintomas em 3–4 semanas.
  • Reações imunológicas dirigidas contra a cápsula de C. jejuni:
    • Reação cruzada com o gangliosídio na mielina (mimetismo molecular) → dano neuronal
  • Polineuropatia inflamatória desmielinizante aguda (AIDP, pela sigla em inglês):
    • Apresentação clínica mais comum
    • Parésia simétrica inicial das extremidades que se desenvolve numa paralisia ascendente
  • Em 25% dos pacientes, parésia dos músculos respiratórios → insuficiência respiratória
Doença Antigénio alvo Efeitos
Dermatite de contacto alérgica Produtos químicos ambientais, como o urushiol (da hera venenosa e do carvalho venenoso), metais (por exemplo, níquel), medicação tópica Necrose epidérmica, inflamação, exantema e flitenas
Miocardite autoimune Proteína da miosina de cadeia pesada Cardiomiopatia
Diabetes mellitus tipo I Proteínas das células beta pancreáticas (possivelmente insulina, glutamato descarboxilase) Insulite, destruição de células beta
Granulomas Vários, dependendo da doença subjacente Lesão “walled-off” com macrófagos e outras células
Algumas neuropatias periféricas Antigénio celular de Schwann Neurite, paralisia
Tireoidite de Hashimoto Antigénio da tiroglobulina Hipotiroidismo, bócio duro, timite folicular
Doenças inflamatórias intestinais Microbiota entérica e/ou autoantigénios Hiperativação dos linfócitos T, libertação de citocinas, recrutamento de macrófagos e de outras células do sistema imunitário, inflamação
Esclerose múltipla Antigénios da mielina (por exemplo, proteína básica de mielina) Destruição da mielina, inflamação
Artrite reumatóide Possivelmente colagénio e/ou proteínas citrulinadas do próprio organismo Artrite crónica, inflamação, destruição da cartilagem articular e do osso
Reação da tuberculina (teste de Mantoux) Tuberculina A induração e o eritema ao redor do local de injeção indicam exposição anterior
A case of steven-johnson syndrome after antibiotic use showing erythematous rash with flaccid blisters

Um caso de um indivíduo com síndrome de Steven-Johnson após utilização de antibiótico que mostra uma erupção cutânea eritematosa com flictenas flácidas

Imagem: “Erythematous rash with flaccid blisters affecting the trunk” por Neila Fathallah et al. Licença: CC BY 4.0

Diagnóstico e Tratamento

Dermatite de contato alérgica

  • Diagnóstico: Teste de contato (patch test, em inglês)
    • O alergénio é colocado num penso, que depois é aplicado na pele (costas ou braço)
    • Faz-se a leitura após 2 dias e no dia 4 ou 5
    • Resultado positivo: eritema, pápulas, vesículas
  • Tratamento:
    • Evitar alergénios
    • Anti-histamínicos, glucocorticoides tópicos/sistémicos, dependendo da gravidade

Tuberculose

  • Diagnóstico:
    • Teste de tuberculina positivo
    • Radiografia do tórax: infiltração focal no(s) lobo(s) superior(es)
    • Exame direto da expetoração com a coloração de Ziehl-Neelsen para bacilos ácido-álcool resistentes (BAAR) e cultura de micobactérias
    • Testes moleculares
  • Tratamento: isoniazida, rifampicina, etambutol, pirazinamida (regime terapêutico basal)

Lepra ou doença de Hansen

  • Diagnóstico:
    • Biópsia de pele, esfregaço de pele (pesquisa de BAAR)
    • Reação em cadeia da polimerase (PCR, pela sigla em inglês)
  • Tratamento:
    • Primeira linha: dapsona, rifampicina, clofazimina

Sarcoidose

  • Diagnóstico:
    • Teste de tuberculina negativo
    • Radiografia de tórax: inicialmente com adenopatia hilar bilateral, posteriormente com opacidades reticulares
    • Biópsia (transbrônquica ou pulmão/nódulo linfático): granuloma não caseoso
  • Tratamento:
    • Dependendo dos sintomas, o tratamento pode variar de observação atenta apenas (“esperoterapia”) até à utilização de esteroides e de terapêutica imunossupressora.

Doença de Crohn

  • Diagnóstico:
    • Avaliação do trânsito gastrointestinal com fluoroscopia e ingestão de bário: pode mostrar sinal do cordel/da corda (estenose do lúmen do intestino)
    • Ileocolonoscopia com biópsia: segmentos de intestino normal interrompidos por áreas extensas com doença; reto poupado
    • Patologia: ulcerações focais, com granulomas observados em 30%
  • Tratamento:
    • Doença moderada: glucocorticoides, aminossalicilatos
    • Doença moderada a grave: imunomoduladores, inibidor do fator de necrose tumoral alfa (TNF alfa, pela sigla em inglês)
    • Cirurgia aquando perfuração intestinal, obstrução, fístula entérica refratária

Miocardite autoimune

  • Diagnóstico:
    • Suspeitar se existirem sinais de enfarte do miocárdio (alterações no eletrocardiograma [ECG], elevação de enzimas cardíacas), mas sem fatores de risco cardiovascular e com um angiograma coronário normal
    • Ecocardiograma: a disfunção sistólica é geralmente global
    • Ressonância magnética (RM) cardíaca: edema miocárdico (alta intensidade de sinal: necrose presente)
    • Biópsia endomiocárdica somente se os resultados mudarem o tratamento
  • Tratamento:
    • Tratar sequelas (insuficiência cardíaca, arritmia)

Diabetes mellitus tipo I

  • Diagnóstico: a avaliação analítica inclui hemoglobina A1c, painel metabólico
  • Tratamento: insulina

Hipersensibilidade a medicamentos

  • Diagnóstico:
    • Clínico; exame objetivo e antecedentes de exposição a medicamentos
    • O exantema medicamentoso com eosinofilia e sintomas sistémicos (DRESS, pela sigla em inglês) tem tipicamente um período mais longo entre a ingestão dos fármacos e o início dos sintomas
    • Biópsia de pele: dermatite de interface, alterações eczematosas (DRESS), necrose de queratinócitos, bolhas subepidérmicas (SJS)
  • Tratamento:
    • Evicção do medicamento agressor e cuidados de suporte
    • Glucocorticoides conforme necessário

Síndrome de Guillain-Barré

  • Diagnóstico:
    • Punção lombar: elevação do nível de proteínas no líquido cefalorraquidiano (proteinor­raquia)
    • Estudos electromiográficos e dos nervos: polineuropatia desmielinizante (diminuição da velocidade de condução nervosa nos nervos motores e sensoriais)
    • Provas de função respiratória: padrão restritivo
  • Tratamento:
    • Imunoglobulina intravenosa (IVIG, pela sigla em inglês), plasmaferese
    • Ventilação mecânica, se necessário

Referências

  1. King, T., Flaherty, K., Hollingsworth, H. (2019). Clinical manifestations and diagnosis of pulmonary sarcoidosis. UpToDate. Retrieved Aug 22, 2020, from https://www.uptodate.com/contents/clinical-manifestations-and-diagnosis-of-pulmonary-sarcoidosis
  2. Jyonouchi, H. (2018). Delayed Hypersensitivity Reactions. Medscape. https://search.medscape.com/search/?q=delayed%20hypersensitivity%20reaction
  3. Mak, T., Saunders, M., Jett, B. (2007). Primer to the Immune response. Elsevier, 2nd ed.
  4. Peppercorn, M., Kane, S., Rutgeerts, P., Robson, K. (2019). Clinical manifestations, diagnosis, and prognosis of Crohn’s disease in adults. UpToDate. Retrieved 24 Aug 2020, from https://www.uptodate.com/contents/clinical-manifestations-diagnosis-and-prognosis-of-crohn-disease-in-adults
  5. Pichler, W.; Adkinson, N.; Feldweg, A. (2019). Drug hypersensitivity: Classification and clinical features. UpToDate. Retrieved Aug 24, 2020, from https://www.uptodate.com/contents/drug-hypersensitivity-classification-and-clinical-features
  6. Vaillant, A., Zulfiqar, H., Ramphul, K. (2020). Delayed Hypersensitivity Reactions. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK519023/
  7. Vriesendorp, F. (2020). Guillain-Barre syndrome in adults: clinical features and diagnosis. UpToDate. Retrieved Aug 24, 2020, from https://www.uptodate.com/contents/guillain-barre-syndrome-in-adults-clinical-features-and-diagnosis

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