Reação de Hipersensibilidade Tipo III

A reação de hipersensibilidade tipo III, também conhecida como hipersensibilidade mediada por complexos imunes, ocorre quando anticorpos e antigénios formam complexos imunes (CI) em circulação, que se depositam em tecidos suscetíveis. O sistema do complemento desencadeia a resposta imunológica, levando ao recrutamento de leucócitos e a lesões teciduais. Não há uma síndrome clínica única para esta hipersensibilidade. Os sintomas refletem o comprometimento de múltiplos sistemas de órgãos com base nos locais de deposição de CI. A abordagem diagnóstica depende em grande parte da anamnese, incluindo testes laboratoriais, imagiologia e biópsia do órgão afetado. O tratamento consiste na remoção ou evicção de agentes agressores e, em condições graves, glucocorticoides ou terapêutica imunossupressora.

Última atualização: Jul 12, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

  • Reação de hipersensibilidade
    • Uma resposta imunológica exagerada dirigida a agentes patogénicos ambientais que deviam ser tratados como inofensivos
    • Os tipos I, II e III representam reações imediatas que ocorrem em 24 horas.
    • A reação de tipo IV desenvolve-se ao longo de vários dias.
  • Reação de hipersensibilidade tipo III
    • Hipersensibilidade mediada pelo complexo imune (CI): desencadeada por complexos antigénio-anticorpo (Ag-Ab, pela sigla em inglês) depositados nos tecidos
    • Ag: intrínseco (parte do hospedeiro) ou extrínseco (fonte exógena, como bactérias, vírus)
    • Tal como na hipersensibilidade tipo II, a lesão celular é semelhante: o sistema do complemento conduz a uma reação que produz danos celulares.
    • Ao contrário da hipersensibilidade tipo II, nas reações de tipo III:
      • Os antigénios não estão ligados a superfícies celulares.
      • Os complexos Ag-Ab formam-se em circulação.
      • O alvo da resposta imunológica não é o tecido ou a célula.
      • O alvo é o CI depositado no tecido.

Fisiopatologia

Fisiologia

  • Normalmente, a formação de complexos imunes leva à neutralização de antigénios.
  • O sistema do complemento reduz a acumulação patológica de CI.
    • Os anticorpos (Ab, da sigla em inglês) têm 2 regiões:
      • Região Fab: liga-se aos antigénios
      • Região Fc: interage com o sistema do complemento e com células com recetor Fc (células portadoras de FcR, da sigla em inglês)
    • C1q: ativa o sistema do complemento e liga-se à região Fc do Ab, mediando a eliminação do CI pelas células portadoras de FcR.
    • C3b: solubiliza os CIs e marca-os para fagocitose (opsonização).

Patogénese

Formação de complexos imunes: CI é formado pela ligação entre Ag e Ab

Deposição do complexo imune

A deposição do complexo imune depende de:

  • Propriedades físicas do CI:
    • Afinidade do Ab para o sistema do complemento, tamanho e carga do CI
    • Aumento da taxa de formação de CIs → sobrecarrega a eliminação de CIs → CIs circulam livremente para os órgãos
  • Rácio antigénio/anticorpo:
    • Níveis baixos ou excessivos de anticorpos → diminuição da ativação de efetores
  • Hemodinâmica tecidual específica
    • Os CIs depositam-se primeiro nos vasos sanguíneos → vasculite
    • As áreas usualmente afetadas são os tecidos sensíveis à “permeabilidade”:
      • Glomérulos (nefrite)
      • Articulações/sinóvia (artrite)

Reação inflamatória do complexo imune

  • Os depósitos de CI ativam a cascata do complemento.
  • O C3a inicia a desgranulação dos mastócitos:
    • A histamina aumenta a permeabilidade vascular no tecido envolvido.
    • Os CIs entram no tecido → um tecido normal com CIs torna-se num alvo para uma resposta inflamatória
  • O C5a (quimioatrativo) recruta neutrófilos → libertação de lisozimas e mediadores inflamatórios → morte celular e lesão tecidual
  • O C3b opsoniza o tecido → fagocitose e lise celular mediada pelo complexo de ataque à membrana (MAC, pela sigla em inglês)
  • Macrófagos, células NK → libertam mediadores líticos e lesam as células do tecido
  • Pode ocorrer agregação plaquetária → formação de microtrombos
Immune complex mediated pathways underlying type iii hypersensitivity.

Vias mediadas por complexos imunes, subjacentes à hipersensibilidade tipo III.

Imagem de Lecturio.

Apresentação Clínica

As manifestações clínicas dependem da porta de entrada, do(s) local(is) de deposição dos CIs e da persistência do(s) antigénio(s).

Fenómeno de Arthus / Reação de Arthus

  • Um antigénio é injetado localmente (por exemplo, uma vacina como a vacina combinada contra a tosse convulsa, o tétano e a difteria) e causa uma reação localizada.
  • Devido ao excesso de antigénio e à deposição de CIs nas paredes vasculares
  • Necrose dos tecidos afetados: dor, rubor, endurecimento e edema no local da injeção
  • Auto-limitado

Lúpus eritematoso sistémico (LES)

  • Anticorpos dirigidos contra partes do núcleo celular: anticorpos antinucleares (ANA), um achado universal no LES
  • Anticorpos dirigidos contra outras partes do núcleo:
    • Histona (Ab anti-histona)
    • ADN (Ab anti-dsDNA, pela sigla em inglês)
    • Ribonucleoproteína (Ab anti-RNP)
    • Antigénio de Smith (Ab anti-Sm)
  • Outro: Anticorpos contra os fosfolípidos celulares (Ab anti-fosfolípidos)
    • Presentes em 30%–40% dos pacientes com LES
    • Aumento do risco de trombose
  • Os complexos Ag-Ab depositam-se em múltiplas áreas:
    • Pele/região mucocutânea (erupção malar, fotossensibilidade, úlceras orais)
    • Rins (glomerulonefrite)
    • Articulações (artrite)
    • Vasos sanguíneos (vasculite, fenómeno de Raynaud, coágulos sanguíneos)
    • Pleura (derrame pleural)
    • Pericárdio (pericardite)
    • Células sanguíneas (anemia, leucopénia, trombocitopénia)
    • Sistema nervoso central (AVC, convulsões)

Glomerulonefrite pós-estreptocócica (PSGN, pela sigla em inglês)

  • Reação a antigénios nefritogénicos do estreptococo beta-hemolítico do grupo A (GAS, pela sigla em inglês)
  • Pode ter origem de uma infeção estreptocócica da garganta ou de uma infeção da pele
  • Apresentação clínica: hematúria, proteinúria, hipertensão arterial, edema e creatinina elevada.

Doença do soro

  • Reação a antissoros estranhos ao hospedeiro (por exemplo, antiveneno)
  • As administrações de doses mais elevadas do agente têm uma maior probabilidade de originar uma reação
  • 1–2 semanas após a exposição: febre, exantema, artrite; a proteinúria ocorre se houver envolvimento renal

Pneumonite de hipersensibilidade

  • Alveolite alérgica extrínseca
  • Antigénio: um microorganismo, proteína ou substância química
  • Deposição de CIs em alvéolos, interstício, bronquíolos e parênquima pulmonar
  • Pulmão do agricultor: Ag com origem em moldes termofílicos nas culturas
  • Doença do avicultor: Ag com origem na mucina intestinal dos excrementos ou nas penas
  • Nota: também pode ser mediada por linfócitos T (reação de tipo IV)

Poliarterite nodosa (PAN)

  • Etiologia maioritariamente idiopática, mas pode ser uma reação ao Ag de superfície do vírus da hepatite B
  • Inflamação das artérias de médio porte → ↓ fluxo sanguíneo, ↑ trombose; poupa as veias
  • Rins: órgão mais usualmente envolvido
  • Apresentação clínica:
    • Nódulos eritematosos dolorosos, hipertensão arterial, insuficiência renal e neuropatia
    • Alguns doentes têm sintomas abdominais (arterite mesentérica)

Diagnóstico e Tratamento

Diagnóstico

  • História clínica e achados (reação de Arthus, doença do soro com diagnóstico frequentemente clínico)
  • Avaliação analítica:
    • Hemograma completo
      • Anemia, trombocitopénia, leucopénia: LES
      • Eosinofilia: doença do soro, pneumonite de hipersensibilidade
    • Painel metabólico
      • A creatinina é anormal nas reações que envolvem os rins
    • Serologias e culturas
      • Painel de hepatite para a poliarterite nodosa
      • Cultura: infeção estreptocócica (apenas 25% dos pacientes terão resultados positivos porque a PSGN ocorre semanas após a infeção)
    • Níveis de complemento
      • Geralmente com níveis baixos em patologias associadas
    • Anticorpos
      • ANA, Ab anti-dsDNA, Ab anti-Sm, Ab anti-RNP, Ab anti-fosfolípidos: LES
      • PSGN: antiestreptolisina O (ASLO), teste da estreptozima
    • Urina II
      • Proteinúria: LES, PAN, doença do soro
      • PSGN: hematúria, proteinúria
    • Marcadores de inflamação
      • Proteína C reativa (PCR) geralmente elevada, velocidade de sedimentação (VS) durante a inflamação ativa
    • Imagiologia
      • Tomografia computorizada (TC) de alta resolução (pulmão): pneumonite de hipersensibilidade
      • Arteriografia ou angiografia por ressonância magnética/TC: para a poliarterite nodosa
      • Raio-x: envolvimento das articulações
    • Procedimentos cirúrgicos
      • Biópsia renal: para envolvimento renal
      • Biópsia da pele: para envolvimento cutâneo
      • Broncoscopia: para envolvimento pulmonar
Hypersensitivity pneumonitis

Uma paciente do sexo feminino com 27 anos com antecedentes de exposição ao bolor. A tomografia computorizada de alta resolução do tórax (janela pulmonar) ao nível dos lobos inferiores mostra opacidades extensas em vidro despolido (asteriscos), com focos sobrepostos de retenção de ar lobular (setas).

Imagem: “Hypersensitivity Pneumonitis” de Torres PP, Moreira MA, Silva DG, da Gama RR, Sugita DM, Moreira MA. Licença: CC BY 4.0

Tratamento

  • Remover ou evitar o agente agressor
  • Anti-histamínicos, anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) para o alívio dos sintomas (exantema, prurido, dor articular)
  • Nas reações devidas à infeção (PSGN), antibioterapia se a infeção ainda estiver presente
  • Controlo de complicações como a hipertensão (PSGN, PAN), o edema (PSGN, LES), os sintomas respiratórios (pneumonite de hipersensibilidade)
  • Os glucocorticoides são utilizados em casos graves para suprimir a inflamação
  • Opções terapêuticas para doenças específicas:
    • Pneumonite de hipersensibilidade: terapêutica imunossupressora (micofenolato, azatioprina)
    • LES:
      • Antimaláricos (hidroxicloroquina, cloroquina)
      • Terapêutica imunossupressora: micofenolato, azatioprina, ciclofosfamida, rituximab
      • Anticoagulação a longo prazo se existir trombose: varfarina, heparina de baixo peso molecular
    • PAN:
      • Metotrexato, um medicamento antirreumático modificador de doença (DMARD, pela sigla em inglês)
      • Terapêutica imunossupressora (ciclofosfamida, azatioprina)
  • Diálise para a doença renal em fase terminal decorrente do LES
  • Transplante de órgãos:
    • Transplante pulmonar para a doença pulmonar avançada em pneumonite de hipersensibilidade
    • Transplante renal para a doença renal em fase terminal no LES

Referências

  1. King, T., Flaherty, K. & Hollingsworth, H. (Eds.). (2019). Hypersensitivity pneumonitis (extrinsic allergic alveolitis): Clinical manifestations and diagnosis. UpToDate. Retrieved Aug 17, 2020, from https://www.uptodate.com/contents/hypersensitivity-pneumonitis-extrinsic-allergic-alveolitis-treatment-prognosis-and-prevention
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  3. Lu, L., Suscovich, T., Fortune, S., Galit, A. (2017). Beyond Binding: antibody effector functions in infectious diseases. Nature Reviews Immunology, 18, 46–61. https://doi.org/10.1038/nri.2017.106
  4. Mak, T., Saunders, M., Jett, B. (2007). Primer to the Immune response. Elsevier, 2nd ed.
  5. Mayadas, T., Tsokos, G., Tsuboi, N. (2009). Mechanisms of Immune Complex-mediated Neutrophil Recruitment and Tissue Injury : official publication of the Circulation, 120(20), 2012–2014. https://www.ahajournals.org/doi/10.1161/CIRCULATIONAHA.108.771170
  6. Merkel, P., Hunder, G. & Ramirez Curtis, M. (Eds.) (2019). Clinical manifestations and diagnosis of polyarteritis arteritis nodosa in adults. UpToDate. Retrieved 17 Aug 2020, from https://www.uptodate.com/contents/clinical-manifestations-and-diagnosis-of-polyarteritis-nodosa-in-adults
  7. Wallace, D., Gladman, D., Pisetsky, D., Shur, P & Ramirez Curtis, M. (Eds.) (2019). Overview of the management and prognosis of systemic lupus erythematosus in adults. UpToDate. Retrieved 17 Aug 2020, from https://www.uptodate.com/contents/clinical-manifestations-and-diagnosis-of-systemic-lupus-erythematosus-in-adults
  8. Wallace, D., Pisetsky, D., Shur, P & Ramirez Curtis, M. (Eds.) (2020,). Overview of the management and prognosis of systemic lupus erythematosus in adults. UpToDate. Retrieved 17 Aug 2020, from https://www.uptodate.com/contents/overview-of-the-management-and-prognosis-of-systemic-lupus-erythematosus-in-adults

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