Poliarterite nodosa

A Poliarterite nodosa (PAN) é uma vasculite necrosante, sistémica, principalmente de vasos médios. A maioria dos casos de PAN são idiopáticos. Os fatores etiológicos da PAN secundária são a infeção por hepatite B e C e a leucemia de células pilosas. A PAN apresenta sintomas e sinais sistémicos tais como fadiga, perda de peso, febre, fraqueza, artralgia, hipertensão e edema dos membros. Uma vez que se trata de uma doença multissistémica que afeta a pele, os nervos, os músculos, os rins e os vasos sanguíneos que abastecem o coração e o trato gastrointestinal, a apresentação clínica depende dos órgãos envolvidos. O diagnóstico é feito com base na história, exame físico e resultados de testes laboratoriais e confirmado por biópsia ou angiografia. O tratamento depende da gravidade e extensão da doença. O método de tratamento primário é com glucocorticoides orais; agentes imunossupressores também podem ser necessários para os doentes com doença moderada a grave.

Última atualização: May 20, 2023

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Definição

A poliarterite nodosa (PAN) é uma vasculite sistémica, principalmente associada aos vasos médios, caracterizada por lesões inflamatórias necrotizantes. Esta condição acaba por resultar em microaneurismas que levam a hemorragias, trombose, isquemia e enfartes de órgãos.

Epidemiologia

  • Incidência anual:
    • Difícil de definir
    • Está a tornar-se rara com:
      • Vacinação generalizada contra o vírus da hepatite B (VHB)
      • As opções recentes de tratamento para o VHB e o vírus da hepatite C (VHC)
  • Afeta indivíduos de qualquer sexo ou origem étnica (um pouco mais predominante nos homens)
  • Pico de incidência: 45 – 65 anos

Etiologia

  • Idiopático (na maioria dos casos)
  • Alguns casos estão associados a:
    • Infeção pelo VHB (< 5% dos casos)
    • Infeção pelo VHC
    • Leucemia de células pilosas
    • Mutações recessivas com perda de função do gene CECR1:
      • Codifica adenosina deaminase 2 (ADA2)
      • Início normalmente na infância
      • Associação com PAN cutâneo (limitado à pele, não sistémico)

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Fisiopatologia

  • Uma “vasculite de médios vasos”
  • A fisiopatologia exata é desconhecida.
  • Mecanismo mais amplamente implicado: formação de complexos imunes (particularmente com infeção pelo VHB) → inflamação arterial segmentar:
    • Inflamação começa na íntima → espessamento e proliferação da parede do vaso → redução do calibre arterial → ↓ fluxo sanguíneo e predisposição para a trombose
    • Enfraquecimento da parede do vaso → formação de aneurisma → risco de rutura e hemorragia
    • Predisposição para isquemia e enfarte → manifestações clínicas baseadas no sistema orgânico envolvido
  • Normalmente envolvimento de múltiplos sistemas, os mais comuns:
    • Rins
    • Pele
    • Nervos periféricos
    • Músculos e articulações
    • Trato GI

Apresentação clínica

Os doentes com PAN apresentam tipicamente um envolvimento multissistémico, com sinais e sintomas sistémicos. No entanto, existe também uma forma limitada à pele denominada PAN cutânea.

Sinais e sintomas gerais

  • Fadiga
  • Perda de peso e perda de apetite
  • Febre
  • Fraqueza generalizada
  • Artralgia
Tabela: Manifestações específicas de PAN por sistema
Sistema Apresentação clínica
Renal
  • Dor nos flancos
  • Hipertensão (devido à ativação do eixo renina-angiotensina pela isquemia)
  • Proteinúria
  • Hematúria
  • Insuficiência renal
Cutâneo
  • Nódulos eritematosos dolorosos
  • Púrpura palpável
  • Livedo reticular
  • Úlceras
  • Erupção bolhosa/vesicular
  • Fenómeno de Raynaud
  • Gangrena dos dedos das mãos e dos pés (forma grave da doença)
Sistema nervoso
  • Mononeurite multiplex (polineuropatia assimétrica):
    • Afeta frequentemente os nervos mediano, cubital e peroneal
    • Pode evoluir e assemelhar-se a uma polineuropatia simétrica distal
  • Neuropatia cutânea
  • Cegueira monocular transitória
  • Convulsões
  • Mielopatia
  • AVC (isquémico ou hemorrágico)
Muscular
  • Mialgia
  • Fraqueza muscular
  • Claudicação
Gastrointestinal
  • Dores abdominais após as refeições:
    • “Angina intestinal”
    • Devido ao envolvimento arterial mesentérico
  • Náuseas e vómitos
  • Má absorção
  • Melenas
  • Diarreia com ou sem hemorragia
  • Complicações raras:
    • Enfarte pancreático
    • Pancreatite necrotizante
    • Colecistite
    • Enfarte e perfuração do intestino
    • Enfarte hepático
    • Enfarte esplénico
Cardiovascular
  • Isquemia ou enfarte do miocárdio
  • Insuficiência cardíaca (por isquemia ou hipertensão arterial)
Reprodutivo
  • Orquite
  • Envolvimento mamário e uterino
Oftalmológico
  • Visão turva
  • Retinopatia isquémica com:
    • Hemorragia
    • Descolamento da retina
  • Neuropatia isquémica ótica

Diagnóstico

O diagnóstico de PAN é feito com base na história, exame físico e resultados de testes laboratoriais e deve ser confirmado por biópsia, sempre que possível.

História clínica e exame objetivo

  • Uma história detalhada que revele um envolvimento multissistémico, levanta a suspeita de PAN.
  • Outras condições inflamatórias sistémicas que precisam de ser excluídas:
    • Lúpus eritematoso sistémico (LES)
    • Artrite reumatoide
    • Esclerose sistémica
  • O exame físico tem como objetivo determinar:
    • A extensão das lesões vasculares
    • Os órgãos afetados
    • A severidade da doença

Estudo laboratorial

Os resultados laboratoriais são geralmente inespecíficos e podem ser utilizados estudos para avaliar o envolvimento de sistemas de órgãos e excluir outros diagnósticos prováveis.

  • Os resultados do hemograma completo → podem ser consistentes com um processo inflamatório:
    • Leucocitose
    • Anemia normocrómica
    • Trombocitose
  • Marcadores inflamatórios (não específicos):
    • ↑ Velocidade de sedimentação eritrocitária (VS)
    • ↑ Proteína C reativa (PCR)
  • Avaliar o envolvimento renal:
    • ↑ Creatinina
    • Análise da urina:
      • Proteínas normais ou proteinúria mínima
      • Possível hematúria microscópica sem formação de cilindros hemáticos
  • Avaliações adicionais do envolvimento de órgãos:
    • Painel de função hepática
    • Creatina cinase (CK, pela sigla em inglês)
  • Rastreio infecioso:
    • Serologia das hepatites B e C → avaliar a presença de infeção pelo VHB ou VHC
    • Serologia do VIH → potencial para a coinfeção com VIH em indivíduos com hepatite
    • Títulos de anticorpos da doença de Lyme → excluem a doença de Lyme em regiões endémicas
    • Hemocultura → excluir infeção bacteriana
  • Processamento adicional:
    • Anticorpos citoplasmáticos antineutrófilos (ANCAs, pela sigla em inglês) → excluir as vasculites associadas aos ANCA
    • Anticorpos antinucleares (ANAs, pela sigla em inglês) → ↑ dos títulos sugerem uma doença autoimune (e.g., LES, esclerose sistémica ou uma síndrome de sobreposição)
    • Fator reumatoide (FR) e péptido citrulinado anticíclico (anti-CCP, pela sigla em inglês) → excluir a vasculite reumatoide
    • Componentes do complemento (C3 e C4) → ↓ níveis sugerem crioglobulinemia mista
    • Eletroforese de proteínas (soro e urina) → avaliar a presença de gamopatia monoclonal

Biópsia

  • Ajuda a confirmar o diagnóstico
  • Avalia um órgão clinicamente afetado como, por exemplo:
    • Pele
    • Rim
    • Testículos
    • Músculo esquelético
  • Achados histológicos característicos nos vasos sanguíneos:
    • Inflamação transmural segmentar
    • Infiltração celular com leucócitos polimorfonucleares ou células mononucleares
    • Fragmentos de glóbulos brancos (leucocitoclásia)
    • Disrupção da lâmina interna e elástica
    • Necrose fibrinoide (resulta numa aparência homogénea e eosinófila da parede do vaso)
    • As lesões dentro da mesma amostra têm frequentemente diferentes tempos de evolução.

Outros exames

  • A angiografia mesentérica ou renal pode demonstrar:
    • Aneurismas múltiplos
    • Estenose de grandes vasos
    • Oclusão de pequenas artérias
  • A TC e a RM detetam achados não específicos, tais como:
    • Áreas isquémicas em forma de cunha no rim
    • Espessamento da parede intestinal
    • Engurgitamento da vasculatura mesentérica
    • Espessamento difuso das pregas da mucosa gastrointestinal
  • Eletromiografia e estudos de condução nervosa:
    • Podem ajudar na seleção do local para a biopsia nervosa ou muscular
    • Podem ser utilizados para avaliar a presença de neuropatia periférica
Tc contrastada com hemorragia perirrenal bilateral espontânea (complicação rara) como a apresentação inicial de pan num indivíduo com dor de flanco e hipovolemia

TC contrastada com hemorragia perirrenal bilateral espontânea (complicação rara) como a apresentação inicial de PAN, num indivíduo com dor nos flancos e hipovolemia

Imagem: “Contrast enhanced CT on the day of admission. CT revealed nonspecific spontaneous bilateral perirenal hemorrhage and delayed enhancing lesion of renal medulla” por Choi HI, Kim YG, Kim SY, Jeong da W, Kim KP, Jeong KH, Lee SH, Moon JY. Licença: CC BY 3.0

Avaliação da gravidade da doença

A avaliação da gravidade da doença é útil para determinar a melhor opção de tratamento.

  • Ligeira:
    • Sinais e sintomas:
      • Sintomas constitucionais
      • Artralgias
      • Anemia
      • Lesões cutâneas
    • Função renal normal
    • Ausência de manifestações significativas em múltiplos órgãos ou de risco de vida
  • Moderada a severa:
    • Disfunção renal
    • Hipertensão de novo ou agravada
    • Envolvimento de vários sistemas (e.g., GI, cardíaco, neurológico) ou manifestações com risco de vida

Tratamento e Prognóstico

O tratamento depende da gravidade e extensão da doença e deve ser orientado por um especialista (reumatologista). O método de tratamento primário é com glucocorticoides orais. Os agentes imunossupressores também podem ser necessários em doentes com doença moderada a grave.

Objetivos do tratamento

  • Alcançar a remissão (ausência de doença ativa)
  • Resolver sintomas reversíveis
  • Prevenir a progressão para doença grave

Tratamento

PAN ligeira:

  • Monoterapia inicial com glucocorticoides orais
  • Podem ser adicionados imunossupressores, dependendo da resposta ao tratamento:
    • Azatioprina
    • Metotrexato
    • Micofenolato mofetil
  • Se associado a uma infeção pelo VHB ou HCV, justifica-se terapêutica antivírica

PAN de moderada a severa:

  • Terapêutica inicial: combinação de glucocorticoides e ciclofosfamida
  • Terapêutica de manutenção com:
    • Azatioprina
    • Metotrexato
  • Tratamento da hipertensão:
    • Os inibidores da ECA ou bloqueadores dos recetores de angiotensina (ARBs) são os recomendados.
    • Se a função renal agravar, mudar para outra classe anti-hipertensiva (e.g., bloqueadores dos canais de cálcio)
  • Se associado a infeção pelo VHB ou VHC, o tratamento pode também incluir:
    • Terapêutica antivítica
    • Plasmaferese

Monitorização da PAN:

  • Monitorização regular e a longo prazo da progressão e dos efeitos adversos dos fármacos
  • Parâmetros monitorizados:
    • Exame físico de rotina
    • Pressão arterial
    • Análises laboratoriais
    • Monitorização da toxicidade dos fármacos
    • Creatinina sérica e análise da urina
    • Avaliação de novos sintomas

Prognóstico

O prognóstico depende da gravidade da doença e da resposta ao tratamento.

  • PAN não tratada: mau prognóstico com uma taxa de sobrevida em 5 anos de aproximadamente 10%.
  • Com tratamento apropriado: taxa de sobrevida em 5 anos de aproximadamente 80%
  • Pior prognóstico associado a:
    • Envolvimento Renal
    • Envolvimento com GI (e.g., isquemia, perfuração)
    • Envolvimento do SNC
    • Cardiomiopatia
  • A recidiva da doença após uma remissão bem sucedida é de aproximadamente 20%.
  • A taxa de sobrevivência é mais elevada na PAN não associada ao VHB do que na PAN associada ao VHB.

Diagnóstico diferencial

  • Doença do anticorpo antimembrana basal glomerular (anti-MGB): doença autoimune caracterizada por anticorpos circulantes dirigidos contra as membranas basais glomerulares e alveolares. A apresentação clínica pode incluir fadiga, febre, epistáxis, dispneia, tosse, hematúria, oligúria, hipertensão e anemia. A deteção de anticorpos anti-MGB e o achado na biópsia renal de glomerulonefrite crescente com deposição linear de IgG ao longo da membrana basal, fornecem o diagnóstico. O tratamento é com plasmaferese associada a agentes imunossupressores.
  • Vasculite induzida por fármacos: Quase todas as classes de fármacos, e muitas drogas ilícitas, têm sido associadas a vasculite devido a uma resposta imunitária inflamatória. As manifestações clínicas variam desde erupções assintomáticas até ao envolvimento de múltiplos sistemas. As erupções incluem petéquias ou púrpura palpável e podem estar associadas a edema e ulceração. O diagnóstico é realizado com base no exame histopatológico ou na imunofluorescência. O tratamento inclui a suspenção do agente causador. As lesões cutâneas podem ser tratadas com glucocorticoides tópicos.
  • Síndrome antifosfolipídica: doença autoimune adquirida, que clinicamente se apresenta com trombose venosa ou arterial recorrente, ou perda fetal. A suspeita clínica deve ocorrer perante eventos trombóticos inexplicáveis (especialmente em doentes mais jovens) ou resultados adversos na gravidez. O diagnóstico envolve testes laboratoriais para anticorpos antifosfolípidos, tais como o anticorpo anticardiolipina, anticoagulante lúpico e anticorpo anti-beta-2 glicoproteína I. Os anticoagulantes são o tratamento principal nos doentes sintomáticos com tromboses recorrentes.
  • Granulomatose eosinofílica com poliangeíte (GEPA): tipo de vasculite necrotisante que afeta vasos de pequena a média dimensão e está associada a asma e eosinofilia no sangue e tecidos. O envolvimento de vários sistemas resulta em vários sinais e sintomas. Os estudos laboratoriais podem demonstrar eosinofilia e positividade para a mieloperoxidase-ANCA (p-ANCA), e o diagnóstico é confirmado com biopsia. O tratamento depende da gravidade da doença, mas os glucocorticoides e os fármacos imunossupressores continuam a ser a base do da orientação destes doentes.
  • Crioglobulinemia: doença rara causada por uma abundância de crioglobulinas (um tipo de proteína) no soro, que leva à vasculite. Os fatores etiológicos incluem infeções (e.g., VHC), neoplasias e condições autoimunes. As proteínas anormais podem agrupar-se e causar lesões cutâneas, artralgias e neuropatia periférica. A diminuição dos níveis do complemento e a biópsia podem ajudar no diagnóstico. O tratamento inclui imunossupressores e o tratamento da causa subjacente.
  • Púrpura de Henoch-Schönlein (PHS): doença mediada por IgA, caracterizada pela inflamação de pequenos vasos sanguíneos. Os fatores desencadeantes incluem infeção (especialmente infeções estreptocócicas do grupo A), vacinação e exposições ambientais. A PHS apresenta-se com um pródromo de cefaleia, anorexia e febre. Os outros sintomas comuns são a erupção cutânea, dor abdominal, artralgias e edema. O diagnóstico é clínico, embora os estudos laboratoriais possam excluir outros diagnósticos. O tratamento inclui terapêutica de suporte, AINEs se dores articulares e glicocorticoides/imunossupressores na doença grave.

Referências

  1. Merkel, P. A. (2022). Clinical manifestations and diagnosis of polyarteritis nodosa in adults. UpToDate. Retrieved January 9, 2023, from https://www.uptodate.com/contents/clinical-manifestations-and-diagnosis-of-polyarteritis-nodosa-in-adults
  2. Merkel, P. A. (2021). Treatment and prognosis of polyarteritis nodosa. UpToDate. Retrieved January 9, 2023, from https://www.uptodate.com/contents/treatment-and-prognosis-of-polyarteritis-nodosa
  3. Polyarteritis nodosa. (n.d.). NORD (National Organization for Rare Disorders). Retrieved January 9, 2023, from https://rarediseases.org/rare-diseases/polyarteritis-nodosa/
  4. Jacobs-Kosmin, D., Jackson, J. M. (2022). Polyarteritis nodosa. Retrieved July 11, 2022, from https://emedicine.medscape.com/article/330717-overview
  5. Stanton, M., Tiwari, V. (2022). Polyarteritis nodosa. Retrieved January 9, 2023, from https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK482157/
  6. Saadoun, D., Vautier, M., & Cacoub, P. (2021). Medium- and large-vessel vasculitis. Circulation, 143(3), 267–282. https://doi.org/10.1161/CIRCULATIONAHA.120.046657
  7. Springer, J. M., Byram, K. (2022). Polyarteritis nodosa: an evolving primary systemic vasculitis. Postgraduate Medicine, 1–8. https://doi.org/10.1080/00325481.2022.2088940
  8. Chung, S. A., Gorelik, M., et al. (2021). 2021 American College of Rheumatology/Vasculitis Foundation guideline for the management of polyarteritis nodosa. Arthritis Care & Research, 73(8), 1061–1070. https://doi.org/10.1002/acr.24633

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