Perturbações do Ciclo da Ureia

As perturbações do ciclo da ureia (UCD) são causadas por defeitos genéticos e resultam em deficiências das enzimas e dos transportadores do ciclo da ureia. Como resultado desses defeitos, os indivíduos são incapazes de livrar o corpo dos resíduos de azoto. Os sintomas comuns incluem vómitos, letargia, convulsões e alcalose respiratória. A maioria dos defeitos são autossómicos recessivos e o diagnóstico definitivo é feito através de testes genéticos moleculares. O tratamento visa reduzir a concentração de amónia no plasma. Em casos menos graves, os episódios agudos podem ser evitados através da restrição alimentar de proteínas. A doença não tratada pode levar a convulsões, coma ou morte.

Última atualização: Feb 25, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Definição

As perturbações do ciclo da ureia (UCD pela sigla em inglês) são um conjunto de síndromes resultantes de mutações genéticas, que causam deficiências nas enzimas e nos transportadores de aminoácidos do ciclo da ureia, resultando numa acumulação de produtos residuais azotados.

Epidemiologia

  • Incidência:
    • A nível global: 1 em cada 35.000 nados vivos
    • Estados Unidos: 1 em cada 8.200 nados vivos
    • Mais elevada em indivíduos com defeitos parciais
    • Difícil de quantificar: Os dados da prevalência são difíceis de monitorizar.
  • Incidência anual: cerca de 113 novos casos nos Estados Unidos e 149 na Europa
  • Sintomático no período de recém-nascimento: cerca de 26% dos casos
  • Apenas 2 UCD são atualmente detetados pelo rastreio de recém-nascidos nos Estados Unidos.

Etiologia

Todas as UCD derivam de anormalidades genéticas, que causam deficiências em enzimas importantes para o ciclo da ureia:

  • Deficiência de Carbamil fosfato sintetase I (CPSI)
  • Deficiência de N-acetilglutamato sintetase (NAGS)
  • Deficiência de ornitina transcarbamilase (OTC)
  • Deficiência de arginase
  • Deficiência de argininossuccinato sintetase (ASS) (citrullinemia clássica/tipo I)
  • Deficiência de argininossuccinato liase (ASL) (acidúria arginossuccínica)

Todos as UCD são herdadas como características autossómicas recessivas, exceto a deficiência e OTC (característica recessiva ligada ao cromossoma X).

Fisiopatologia

Fisiologia normal do ciclo da ureia:

  • Produz aminoácidos: arginina, ornitina e citrulina
  • Mecanismo de eliminação de azoto através da degradação de proteínas (catabolismo)
  • O catabolismo de proteínas resulta na produção de amónia.
  • A amónia é convertida em ureia.

A deficiência do ciclo da ureia no fígado causa hiperamonemia (acumulação de amónia no sangue). Dependendo da gravidade e da idade da manifestação, a amónia pode causar efeitos neurotóxicos no cérebro.

Ciclo da ureia

Diagrama esquemático do ciclo da ureia: O quadrado azul indica a reação “alimentadora”.

Imagem por Lecturio.

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Apresentação Clínica

Período neonatal

  • No caso de perturbação grave, os sintomas aparecem tipicamente após as primeiras 24 horas de vida.
  • Os sintomas aparecem após a alimentação.
  • É frequentemente mal diagnosticado como síndrome de Reye ou sépsis
  • Sintomas:
    • Irritabilidade
    • Recusa de alimentação
    • Vómitos
    • Letargia
    • Convulsões
    • Hipotonia
    • Alcalose respiratória
    • Coma

Infância

  • Casos leves/moderados de UCD presentes na primeira infância.
  • Se a condição permanecer não diagnosticada, pode ocorrer hiperamonemia, levando a coma e à morte.
  • Sintomas:
    • Má progressão estaturo-ponderal
    • Choro excessivo
    • Agitação
    • Comportamentos autodestrutivos
    • Recusa em comer alimentos ricos em proteínas
    • Letargia
    • Delírio

Idade adulta

  • Os indivíduos com deficiências leves podem não ser diagnosticados durante a infância.
  • Sintomas em casos leves podem ser observados após um episódio de doença viral, exercício excessivo, uso de fármacos (por exemplo, ácido valproico) ou no parto.
  • Sintomas:
    • Fala desarticulada
    • Desorientação
    • Confusão
    • Agitação
    • Delírio
    • Letargia
    • Sintomas tipo AVC
    • Problemas psiquiátricos como perturbação bipolar e esquizofrenia

Diagnóstico

  • Rastreio ao nível de amónia se:
    • Rastreio positivo para recém-nascidos
    • Apresentação com sintomas clínicos
    • Historial familiar de 3 gerações positivo: Foco em familiares com problemas neurológicos.
  • Exames adicionais para descartar UCD se:
    • Concentração de amónia no plasma ≥ 100–150 μmol/L
    • Gap aniónico normal
    • Concentração de glucose no plasma normal
  • Concentrações de aminoácidos no plasma:
    • Arginina:
      • Quatro vezes ↑ em deficiência de arginase
      • ↓ Deficiência de CPSI
      • ↓ Deficiência de OTC
      • ↓ Deficiência de NAGS
    • Glutamina:
      • ↑ Deficiência de CPSI
      • ↑ Deficiência de OTC
      • ↑ Deficiência de NAGS
    • Citrulina:
      • ↑ Deficiência de ASS
      • ↑ Deficiência de ASL
      • ↓ Deficiência de CPSI
      • ↓ Deficiência de OTC
      • ↓ Deficiência de NAGS
    • Ácido argininossuccínico:
      • Ausente na deficiência de ASS
      • ↑ Deficiência de ASL
  • Ácido orótico da urina:
    • ↑ Deficiência de OTC
    • ↓ Deficiência de CPSI
  • Testes genéticos moleculares:
    • Método de diagnóstico primário
    • Superior à atividade enzimática como método de teste definitivo
  • Ensaio de atividade enzimática
  • Rastreio de recém-nascidos: realizado de forma inconsistente nos Estados Unidos

Tratamento

O tratamento deve ser adaptado à perturbação específica:

Tratamento de doença aguda

  • Estabilização fisiológica:
    • Fluidos intravenosos (IV)
    • Vasospressores cardíacos
  • Descontinuação de proteína alimentar por 12–24 horas
  • Para reduzir a concentração de amónia no plasma:
    • Diálise
    • Hemofiltração
  • Excretar o excesso de azoto através de uma via alternativa ao ciclo da ureia:
    • Cloridrato de arginina IV
    • Benzoato de sódio IV
    • Fenilacetato de sódio IV
  • Indivíduos estáveis: nutrição entérica com calorias de glicose, gorduras e aminoácidos essenciais (trata o estado catabólico proteico)
  • Indivíduos instáveis: nutrição parenteral total
  • Monitorização com EEG contínuo para detetar convulsões subclínicas.

Terapia contínua após a estabilização

  • Início de alimentação enteral com nutrição sem proteínas:
    • Leite em pó especial para bebés
    • Suplemento com aminoácidos mistos
  • Monitorizar de perto a ingestão diária de proteínas:
    • Suficiente para um crescimento normal com base na idade
    • Transição para medicação oral.
    • Seguir de perto o nível sérico dos aminoácidos essenciais.

Hiperamonemia não tratada

A hiperamonemia não tratada pode causar:

  • Encefalopatia urémica
  • Convulsões
  • Coma
  • Morte

Diagnóstico Diferencial

  • Defeitos da oxidação de ácidos gordos: perturbações genéticas que resultam na falha do transporte de ácidos gordos para as mitocôndrias ou do seu metabolismo pelas mitocôndrias. A apresentação é variável, mas as formas mais severas apresentam-se apenas alguns dias após o nascimento. Os indivíduos apresentam-se com tónus muscular baixo, degeneração da retina, insuficiência hepática, cardiomiopatia, fadiga e morte súbita em formas mais graves. Os resultados laboratoriais incluem hiperamonemia, hipoglicemia e testes de função hepática elevada (AST/ALT). O diagnóstico é geralmente feito através do rastreio de recém-nascidos.
  • Doenças do metabolismo do piruvato: um grupo de distúrbios hereditários causados por deficiências de enzimas na via do metabolismo do piruvato. O piruvato é um substrato criado durante o metabolismo de proteínas e de hidratos de carbono, que funciona como fonte de energia celular. Dependendo da gravidade, os sintomas podem-se apresentar cedo na infância ou na primeira infância e podem incluir má progressão estaturo ponderal e/ou convulsões. O diagnóstico definitivo é obtido pela análise enzimática de fibroblastos cutâneos em cultura ou por análise de DNA.
  • Doença hepática e do trato biliar: causada por várias etiologias, incluindo atresia biliar, insuficiência hepática aguda e cirrose hepática. A falha da função hepática pode resultar em hiperamonemia, que mimetiza os achados e sintomas laboratoriais de UCD.

Referências

  1. Ah Mew N., Simpson K.L., Gropman A.L., Lanpher B.C., Chapman K.A., Summar M.L. (2003). Urea Cycle Disorders Overview. In: Adam M.P., Ardinger H.H., Pagon R.A., et al., eds. GeneReviews. Seattle (WA): University of Washington, Seattle. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/20301396/
  2. Gardeitchik T., Humphrey M., Nation J., Boneh A. (2012). Early clinical manifestations and eating patterns in patients with urea cycle disorders. J Pediatr. 328-32. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/22424941/
  3. Summar M.L., Dobbelaere D., Brusilow S., Lee B. (2008). Diagnosis, symptoms, frequency and mortality of 260 patients with urea cycle disorders from a 21-year, multicentre study of acute hyperammonaemic episodes. Acta Paediatr. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/18647279/
  4. Marshall L., Summar, M.L., Stefan Koelker, S., Debra Freedenberg, D., et al. (2013). The incidence of urea cycle disorders. Molecular Genetics and Metabolism, Volume 110, Issues 1–2. Pages 179–180. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1096719213002333

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