Pericardite

A pericardite é a inflamação do pericárdio, associada frequentemente a acumulação de líquidos. Pode ser causada por infeção (frequentemente viral), enfarte do miocárdio, fármacos, neoplasias, distúrbios metabólicos, doenças auto-imunes ou trauma. Existem formas agudas, subagudas e crónicas. A pericardite aguda é geralmente idiopática e manifesta-se por febre, dor torácica do tipo pleurítica e um atrito pericárdico audível na auscultação. O diagnóstico pode ser confirmado por elevações côncavas difusas do segmento ST no ECG inicial e derrame pericárdico no ecocardiograma. A pericardite aguda é normalmente autolimitada (2-6 semanas); assim sendo, o tratamento é conservador. Caso ocorra tamponamento cardíaco ou pericardite constritiva, o débito cardíaco pode diminuir acentuadamente. O tratamento depende da causa subjacente, mas por norma as medidas gerais incluem analgésicos, anti-inflamatórios, colchicina e, raramente, cirurgia.

Última atualização: Jan 17, 2024

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Definição e Classificação

Definição

A pericardite é uma inflamação do pericárdio, que corresponde ao saco de duas camadas que envolve o coração.

Pode ser classificada com base na sua duração.

  • Aguda (< 6 semanas)
    • Fibrinosa
    • Efusiva (serosa ou sero-hemática)
  • Subaguda (6 semanas a 6 meses)
    • Efusivo-constritiva
    • Constritiva
  • Crónica (> 6 meses)
    • Constritiva
    • Adesiva (não constritiva)

Epidemiologia e Etiologia

Epidemiologia

  • Descrita em 0,1%–0.2% dos pacientes hospitalizados
  • Encontrada em 5% dos pacientes admitidos no serviço de urgência (SU) por dor torácica não isquémica

Etiologia

Idiopática (mais comum) Após exclusão de outras causas
Infeção viral
  • Coxsackievirus B
  • Influenza
  • VIH
  • Echovirus
Infeção bacteriana
  • Tuberculose (principal causa a nível mundial)
  • Família do Streptococcus (febre reumática)
  • Doença de Lyme
  • Pseudomonas
  • Família do Staphylococcus
  • Mycoplasma
Infeção fúngica (muito rara)
  • Histoplasma
  • Blastomyces
  • Coccidioides
  • Aspergillus
Doenças auto-imunes
  • Lúpus eritematoso sistémico
  • Artrite reumatóide
  • Sarcoidose
  • Vasculites (doença de Behcet, arterite de Takayasu)
Metabólica
  • Uremia
  • Hipotiroidismo
Cardiovascular
  • Cardiomiopatia de Takotsubo
  • Síndrome de Dressler
    • Enfarte do miocárdio
    • Lesão cardíaca (por exemplo, após cirurgia)
  • Disseção aórtica
  • Insuficiência cardíaca crónica
Neoplasias
  • Neoplasia do pulmão
  • Neoplasia da mama
  • Leucemia
  • Linfoma
  • Radioterapia
Fármacos
  • Procainamida
  • Hidralazina
  • Penicilina
  • Isoniazida
  • Quimioterapia

Fisiopatologia

  • A cascata inflamatória estimula a libertação de fluido no espaço pericárdico, provocando derrame.
  • A acumulação rápida de grandes quantidades de fluido no espaço pericárdico pode levar a tamponamento cardíaco, comprometendo assim o débito cardíaco e originar um potencial choque obstrutivo.
  • A pericardite constritiva é caracterizada por um saco pericárdico espessado e cicatrizado que envolve o coração e impede um enchimento diastólico adequado.

Apresentação Clínica e Diagnóstico

Apresentação clínica típica

  • O paciente apresenta dor torácica que agrava com a inspiração ou com a posição de decúbito. A dor pode aliviar na posição de sentado com o tronco inclinado para a frente.
  • A febre pode estar presente.
  • O atrito pericárdico (som semelhante ao de arranhar, que ocorre durante a sístole e a diástole) pode ser ouvido na auscultação em 50% dos casos.
Achados clínicos e diagnósticos importantes da pericardite aguda, crónica e constritiva
Achados Aguda Crónica Constritiva
Dor
  • Severa/tipo facada
  • Frequentemente: pleurítica1
  • Por vezes: constante (pode ser confundida com enfarte agudo do miocárdio[MI])
  • Irradiação: pescoço, ombros, membros superiores, trapézio
  • Menos intensa
  • Pode estar ausente caso se desenvolva gradualmente
Ausente
Outros sintomas
  • A dor agrava com a posição de decúbito dorsal
  • A dor alivia com a inclinação do tronco para a frente
Pode ocorrer dispneia
  • Fraqueza muscular
  • Fadiga
  • Ganho ponderal
  • Dispneia de esforço
Exame físico
  • Pode surgir engurgitamento jugular
  • Atrito pericárdico2
  • Pode surgir engurgitamento jugular
  • Raio-x: Aumento da silhueta cardíaca
  • Engurgitamento jugular
  • “Knock” pericárdico3
  • Sinal de Kussmaul4
  • Pulso paradoxal5
  • Hepatomegalia, ascite, edema periférico
  • Curva PVJ: onda x proeminente e descida da onda y
  • Raio-X: silhueta cardíaca pequena/normal/ligeiramente aumentada e calcificações pericárdicas
ECG
  • Elevação difusa do segmento ST com concavidade superior e sem inversões da onda T 6
  • Alternância elétrica7 com grandes derrames
Alternância elétrica7 com grandes derrames
  • QRS de baixa voltagem
  • Fibrilhação auricular num ⅓ dos casos
Ecocardiograma8 Derrame pleural Derrame pleural Espessamento pericárdico
Tamponamento9 Rápida acumulação de fluidos Incomum Nunca
Comentários Pode ocorrer elevação dos marcadores cardíacos, mimetizando um diagnóstico de EAM.
  1. Dor pleurítica: dor exacerbada com a inspiração ou expiração e aliviada parcial ou totalmente com a suspensão da respiração.
  2. Atrito pericárdico: som semelhante ao de raspar, arranhar ou ranger com até 3 componentes por ciclo cardíaco e melhor audível durante a expiração, com o paciente inclinado para a frente
  3. “Knock”pericárdico: terceiro som precoce
  4. Sinal de Kussmaul: ausência da descida habitual da pressão venosa jugular com a inspiração; também presente na estenose tricúspide, enfarte do ventrículo direito e cardiomiopatia restritiva.
  5. Pulso paradoxal: declínio de > 10 mm Hg na pressão arterial sistólica (PAS) durante a inspiração (ou seja, diferença entre o primeiro som da PAS ouvido durante a expiração e o primeiro som da PAS audível durante todo o ciclo respiratório > 10 mm Hg)
  6. As alterações subsequentes do ECG incluem: elevação do segmento ST que retorna ao normal após vários dias (estadio 2), seguida de inversões da onda T (estadio 3) e, por fim, normalização completa do ECG após semanas a meses (estadio 4)
  7. Alternância elétrica: amplitudes do QRS alternadas
  8. Ecocardiograma na pericardite: exame mais utilizado (TAC e RM são mais precisos para a doença pericárdica)
  9. Tamponamento: derrame pericárdico, geralmente de início rápido, excedendo as pressões de enchimento ventricular e provocando colapso cardíaco associado a uma acentuada redução do débito cardíaco.

Achados etiológicos sugestivos

  • Pericardite viral ou idiopática aguda:
    • Dor torácica 1-2 semanas após uma doença viral é sugestiva.
    • Devem excluir-se outros diagnósticos, tais como: EAM, lesão pós-cardíaca, doenças do tecido conjuntivo, fármacos, pericardite piogénica, etc.
    • A complicação mais frequente é a recidiva de pericardite.
  • Pericardite aguda pós lesão cardíaca:
    • 1-4 semanas após cirurgia cardíaca ou traumatismo contuso/penetrante
  • Pericardite tuberculosa:
    • Causa frequente de derrame pericárdico crónico nos países em desenvolvimento
    • Num paciente com tuberculose ou doença sistémica e aumento da silhueta cardíaca: uma cultura positiva do fluido drenado ou observação de granulomas caseosos na biópsia pericárdica confirmam o diagnóstico.
  • Pericardite urémica:
    • Associada a insuficiência renal grave ou em doentes dialisados crónicos

Tratamento

Pericardite viral ou idiopática

  • Oxigénio e analgesia
  • Aspirina de alta dose / anti-inflamatórios não esteróides (AINEs) (por exemplo, ibuprofeno, indometacina) associados a um protetor gástrico
  • A terapia adjuvante com colchicina melhora a resposta e reduz a taxa de recorrência.
  • Os corticóides de curta duração de ação podem ser administrados nos casos refratários ou em que a terapêutica com AINEs/colchicina está contra-indicada.

Pericardite constritiva

  • A resseção pericárdica completa (pericardiectomia) é o único tratamento definitivo e deve ser realizada o mais precocemente possível.
  • Diuréticos para tratamento sintomático

Tratamentos específicos

  • Início ou intensificação da diálise, associado aos AINEs na pericardite urémica
  • Antibióticos se for encontrada uma etiologia infeciosa subjacente
  • Terapêutica tuberculostática ± pericardiectomia

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Diagnósticos Diferenciais

  • Angina estável e instável: dor torácica paroxística ou desconforto causado por isquemia miocárdica. A angina estável é caracterizada por queixas de curta duração que estão frequentemente associadas a estímulos como exercício físico ou stresse. Na angina instável os sintomas estão presentes mesmo em repouso. A maioria dos indivíduos com angina tem concomitantemente doença coronária.
  • IM: a obstrução completa ou constrição drástica da artéria coronária provoca isquémia do tecido miocárdico que, por sua vez, culmina na morte de células miocárdicas. Os sintomas típicos incluem dor torácica que pode irradiar para o membro superior esquerdo, mandíbula, pescoço e região dorsal superior, assim como náuseas e vómitos. A elevação do segmento ST no ECG pode estar presente (STEMI) ou ausente (NSTEMI).
  • Estenose aórtica:comprometimento da abertura da válvula aórtica, caracterizada por um estreitamento da via de saída do ventrículo esquerdo, causando obstrução do fluxo sanguíneo para a aorta.
  • Esofagite:inflamação da mucosa esofágica, que pode ser causada pela doença do refluxo gastroesofágico (DRGE), infeções, fármacos e reações alérgicas.
  • Pancreatite:inflamação do pâncreas que tipicamente cursa com dor epigástrica com irradiação dorsal.
  • Pneumonia: inflamação aguda ou crónica do tecido pulmonar mais comummente causada por infeção bacteriana, viral ou fúngica.
  • Pleurite: também conhecida como pleurisia, que corresponde à inflamação da pleura que reveste os pulmões. Pode ser causada por uma infeção viral (mais frequente), pneumonia, cancro do pulmão, doenças auto-imunes ou embolia pulmonar.
  • Tuberculose: doença causada pela bactéria Mycobacterium tuberculosis, que geralmente acomete os pulmões, podendo também afetar outras partes do corpo. Manifesta-se com febre, perda ponderal, suores noturnos e tosse produtiva
  • Pneumotórax: presença de ar na cavidade pleural que provoca colapso do pulmão devido à perda de pressão negativa. Manifesta-se com dor torácica do tipo pleurítica, dispneia, taquicardia e diminuição dos sons respiratórios ipsilateralmente.
  • Herpes zoster: erupção cutânea com bolhas/vesículas dolorosas, precedida de uma dor intensa do tipo queimadura, causada pela reativação do vírus varicella-zoster. Afeta frequentemente os dermátomos de T3 até L3.

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