Penfigóide Bolhoso e Pênfigo Vulgar

O penfigóide bolhoso e o pênfigo vulgar são duas doenças bolhosas autoimunes distintas. No penfigóide bolhoso, os autoanticorpos atacam os hemidesmossomas, que conectam os queratinócitos epidérmicos à membrana basal, resultando na formação de grandes bolhas subepidérmicas sob tensão. No pênfigo vulgar, os autoanticorpos atacam as proteínas desmossómicas, responsáveis pela conexão entre os queratinócitos, resultando numa condição mais grave, potencialmente fatal, com bolhas frágeis e flácidas, geralmente com envolvimento significativo da mucosa. O diagnóstico é realizado com biópsia e imunofluorescência para identificar e localizar os anticorpos. O tratamento requer imunossupressão com corticosteroides e outros agentes imunomoduladores poupadores de corticosteroides.

Última atualização: Jun 20, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Definição

Penfigóide bolhoso:

  • Uma doença autoimune crónica, sem risco de vida
  • Caracterizado por bolhas subepiteliais
  • Causado pela perda de adesão entre a epiderme e a derme

Pênfigo vulgar:

  • Uma doença autoimune crónica, com risco de vida
  • Caracterizado por bolhas intraepiteliais
  • Causado pela perda de adesão entre os queratinócitos (acantólise)

Epidemiologia e etiologia

Penfigóide bolhoso Pênfigo vulgar
Incidência por ano 6‒13 por 1 milhão 0,1‒0,5 por 100.000
Idade > 60 anos 40 – 60 anos
Predominância de género Mulheres = homens Mulheres = homens
Viés racial/étnico Nenhum Mais comum em:
  • Judeus Asquenazes
  • Sudeste da Europa
  • Médio Oriente
  • Índia
Etiologia Nenhuma comprovada, mas existem várias associações possíveis:
  • Fármacos (particularmente os inibidores da DPP-4)
  • Genética
  • Trauma
  • Radioterapia
  • Luz UV
Possíveis associações:
  • Fármacos (mais frequentemente: penicilamina, captopril)
  • Genética (HLA-DR4 e HLA-DR14)
  • Luz UV
DPP-4: dipeptidil peptidase-4
UV: ultravioleta

Fisiopatologia

O penfigóide bolhoso e o pênfigo vulgar são doenças autoimunes que se caracterizam pelo atingimento das conexões que servem de âncora aos queratinócitos epidérmicos.

Revisão da anatomia e fisiologia

  • Desmossomas:
    • Complexo juncional
    • Conexão entre os queratinócitos epidérmicos
  • Hemidesmossomas:
    • Semelhantes aos desmossomas
    • Ancoragem da camada basal de queratinócitos epidérmicos à membrana basal subjacente
    • Formam a junção dermo-epidérmica
Conexões de queratinócitos epidérmicos

Conexões de queratinócitos epidérmicos:
Os desmossomas fazem a conexão entre os queratinócitos, enquanto os hemidesmossomas servem de âncora entre a camada basal dos queratinócitos e a membrana basal.

Imagem por Lecturio.

Penfigóide bolhoso

  • Reação de hipersensibilidade tipo II
  • Autoanticorpos IgG atacam proteínas hemidesmossómicas:
    • Proteínas alvo: Antigénios BP180 e BP230 do penfigóide bolhoso
    • Ativação do complemento e de mastócitos → neutrófilos e eosinófilos libertam mediadores inflamatórios
    • Produção de proteases → separação da epiderme da derme → grandes bolhas sob tensão
  • Os desmossomas que fazem a conexão entre os queratinócitos permanecem intactos → a pele sobrejacente mantém-se forte e resistente

Pênfigo vulgar

  • Reação de hipersensibilidade tipo II
  • Autoanticorpos IgG atacam proteínas desmossómicas:
    • Proteínas alvo: desmogleína (DSG) tipos 1 e 3
    • Rutura dos desmossomas → separação das camadas epidérmicas → acantólise
    • Resulta em bolhas frágeis e flácidas que se rompem facilmente
      • Barreira cutânea disfuncional
      • Suscetível a infeção secundária
  • Os hemidesmossomas permanecem intactos:
    • A camada basal de queratinócitos permanece ancorada à membrana basal → histologia com aparência “fila de lápides”
Fisiopatologia do pênfigo vulgar e penfigoide bolhoso

Fisiopatologia do pênfigo vulgar e do penfigóide bolhoso:
A: Localização dos desmossomas e hemidesmossomas na epiderme
B: No pênfigo vulgar, os anticorpos contra a desmogleína provocam a rutura dos desmossomas, causando acantólise e formação de bolhas na epiderme.
C: No penfigóide bolhoso, os anticorpos contra as proteínas hemidesmossómicas provocam separação da epiderme da derme.

Imagem por Lecturio.

Apresentação Clínica

Penfigóide bolhoso

  • Fase prodrómica (com duração de semanas a meses):
    • Prurido (moderado a grave)
    • As lesões de pele podem surgir como:
      • Pápulas
      • Placas eczematosas
      • Tipo urticária
  • Desenvolvimento de bolhas subepidérmicas:
    • Tensas (que não rompem com facilidade)
    • Grandes (1‒3 cm)
    • Com conteúdo fluido claro
    • Numerosas e difundidas
    • Surgem em pele normal ou eritematosa
    • Locais frequentemente afetados:
      • Zona Inferior do abdómen
      • Axilas
      • Flexuras das extremidades
      • Pregas inguinais
      • Envolvimento da mucosa (10%‒30% dos pacientes)
  • Rutura de bolhas:
    • Provoca erosões húmidas e crostas
    • Sem cicatrizes

Pênfigo vulgar

O pênfigo vulgar é caracterizado por bolhas com as seguintes características:

  • Bolhas acantolíticas superficiais
  • Flácidas
  • Rompem com facilidade:
    • Provocando erosões
    • Sangramento fácil
  • Dolorosas
  • Surgem em pele normal ou eritematosa
  • Podem ocorrer em qualquer parte do corpo, mais frequentemente:
    • Mucosa (quase sempre presente):
      • Oral (muitas vezes 1.º local) → odinofagia (deglutição dolorosa) → desnutrição
      • Esófago
      • Mucosa nasal → epistaxis
      • Conjuntiva
      • Vulva, vagina e colo do útero
      • Pénis
      • Ânus
    • Pele:
      • Rosto e couro cabeludo
      • Tronco
      • Virilhas e axilas
  • A infeção secundária é comum:
    • Drenagem purulenta
    • Eritema circundante e endurecimento

Diagnóstico

O diagnóstico envolve a verificação do sinal de Nikolsky, a realização de biópsias para histopatologia de rotina e imunofluorescência (IF) e testes ELISA.

Abordagem recomendada

  • Sinal de Nikolsky → ajuda a determinar a localização do defeito
    • Aplicar pressão de raspagem → procurar por descamação da pele ou rutura de bolha
    • Positivo: descamação/rutura da pele → doença dentro da camada epidérmica
    • Negativo: sem descamação ou rutura da pele doença na junção dermo-epidérmica
  • Biópsias da pele → para avaliar o próprio tecido:
    • Locais ideais de biópsia:
      • Penfigóide bolhoso: pele lesional
      • Pênfigo vulgar: pele perilesional de aparência normal (ou mucosa)
    • Histopatologia de rotina (coloração H&E)
    • Teste de IF direta
  • Testes serológicos → para deteção de anticorpos circulantes
    • IF indireta
    • ELISA
Comparação de resultados
Teste Penfigóide bolhoso Pênfigo vulgar
Sinal de Nikolsky Negativo Positivo
Coloração H&E
  • Bolhas não-acantolíticas subepidérmicas
  • Espessura total da epiderme
  • Infiltrado inflamatório dérmico
  • Espongiose eosinofílica (lesões iniciais)
  • Bolhas acantolíticas suprabasais
  • Aparência “fila de lápides”
  • Infiltrado inflamatório disperso na derme
IF Coloração linear ao longo da membrana basal Coloração dentro da epiderme em padrão reticular (semelhante a rede)
ELISA Autoanticorpos contra os antigénios BP180 e BP230 do penfigóide bolhoso Autoanticorpos contra DSG-1 e DSG-3
Bolhoso e pênfigo

Achados histológicos no penfigóide bolhoso e pênfigo vulgar:
A: Coloração H&E no penfigóide bolhoso a revelar bolha subepidérmica e numerosos eosinófilos.
B: Coloração H&E no pênfigo vulgar a revelar bolha acantolítica suprabasal. De salientar a aparência “fila de lápides” (uma camada de queratinócitos ainda sob adesão à membrana basal).

Imagem A: “Disease stabilization with pembrolizumab for metastatic acral melanoma in the setting of autoimmune bullous pemphigoid” por Beck, K. M., Dong, J., Geskin, L. J., Beltrani V. P., Phelps R. G., Carvajal, R. D., Schwartz, G., Saenger, Y. M., Gartrell, R. D. Licença: CC BY 4.0, editado por Lecturio.
Imagem B: “A rare presentation of pemphigus vulgaris as multiple pustules” por Yang, Y., Lin, M., Huang, S. J., Min, C., Liao, W. Q. Licença: CC BY 2.0, editado por Lecturio.
Penfigoide bolhoso por imunofluorescência e pênfigo vulgar

Achados na imunofluorescência de penfigóide bolhoso e pênfigo vulgar:
A: No penfigóide bolhoso, a coloração do complemento e dos anticorpos ocorre na junção dermo-epidérmica.
B: No pênfigo vulgar, a coloração dos anticorpos ocorre dentro da epiderme num padrão reticular (em forma de rede).

Imagem A: “A 74-year-old woman with a 1-month history of itching and skin rash” por Ghosh, S., Ghosh, A. K., Collier, A. Licença: CC BY 2.0, editado por Lecturio.
Imagem B: “Pemphigus immunofluorescence” por Emmanuelm. Licença: CC BY 3.0, editado por Lecturio.

Tratamento

O objetivo do tratamento do penfigóide bolhoso e do pênfigo vulgar é diminuir a produção de autoanticorpos, minimizando os efeitos adversos provocados pelos fármacos.

Penfigóide bolhoso

  • Tratamento base inicial:
    • Corticosteroides (tópicos ou sistémicos):
      • Tópico (doença localizada): propionato de clobetasol
      • Sistémicos (doença generalizada): prednisona, prednisolona
    • Niacinamida
    • Tetraciclinas (para efeito anti-inflamatório):
      • Doxiciclina
      • Tetraciclina
      • Minociclina
  • Doença avançada e refratária:
    • Agentes imunomoduladores poupadores de corticosteroides:
      • Micofenolato mofetil
      • Azatioprina
      • Dapsona
      • Metotrexato
      • Ciclofosfamida
    • Tratamentos biológicos:
      • Anticorpos monoclonais (e.g., rituximab)
      • Imunoglobulina intravenosa (IGIV)
  • Prognóstico:
    • Curso crónico e recorrente
    • A remissão a longo prazo é possível (após meses a anos).

Pênfigo vulgar

  • Tratamento base inicial:
    • Glucocorticóides sistémicos: prednisona
    • Agentes poupadores de corticosteroides:
      • Rituximab
      • Azatioprina
      • Micofenolato mofetil
      • Dapsona
      • Metotrexato
  • Doença refratária:
    • IGIV
    • Ciclofosfamida
  • Complicações:
    • Infeção secundária
    • Efeitos do uso de corticosteroides a longo prazo
  • Prognóstico:
    • Muitas vezes fatal na ausência de tratamento
    • A sépsis é a principal causa de morte.

Diagnóstico Diferencial

  • Dermatite herpetiforme: uma erupção cutânea autoimune pouco frequente, associada à doença celíaca: a dermatite herpetiforme apresenta-se com bolhas inflamatórias, intensamente pruriginosas nas superfícies extensoras. O sinal de Nikolsky é negativo. O diagnóstico é confirmado por biópsia e IF, que podem mostrar microabscessos neutrofílicos e depósitos de IgA nas papilas dérmicas. O tratamento inclui dapsona e dieta sem glúten.
  • Síndrome de Stevens-Johnson: uma reação de hipersensibilidade mediada por imunocomplexos que atinge a pele e as membranas mucosas, frequentemente desencadeada por fármacos: após uma fase prodrómica com sintomas gripais, os pacientes desenvolvem máculas eritematosas com centros purpúricos, bolhas e descamação da pele. O envolvimento da mucosa é muito comum. O sinal de Nikolsky é positivo. O diagnóstico é clínico e o tratamento é de suporte. É necessária a remoção do agente causador.
  • Síndrome da pele escaldada estafilocócica: uma doença mediada por toxinas, potencialmente fatal, que atinge principalmente crianças pequenas e é provocada pela bactéria Staphylococcus aureus: a DSG-1 é clivada, resultando num eritema cutâneo difuso e doloroso, formação de bolhas e descamação superficial sem envolvimento da mucosa. O sinal de Nikolsky é positivo. O diagnóstico é clínico e confirmado com cultura. O tratamento é realizado com antibióticos e cuidados de suporte.

Referências

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