Neurofibromatose Tipo 1

A neurofibromatose tipo 1 (NF1), também conhecida como facomatose, é uma doença neurocutânea que é mais frequentemente de hereditariedade autossómica dominante devido a mutações no gene NF1. A neurofibromatose tipo 1 apresenta uma variedade de manifestações clínicas, sendo as características mais proeminentes as várias lesões cutâneas pigmentadas chamadas máculas de café com leite (CALMs, pela sigla em inglês), tumores benignos da bainha nervosa chamados neurofibromas, sardas nas regiões inguinal e axilar e hamartomas da íris, referidos como nódulos de Lisch. Pelo menos metade dos indivíduos com NF1 tem dificuldades de aprendizagem. A neurofibromatose tipo 1 também pode causar osteodisplasia e transformação maligna de tumores. O diagnóstico é baseado na apresentação clínica típica e pode ser confirmado através de testes genéticos. O tratamento depende da apresentação clínica e pode variar desde a remoção cirúrgica até à quimioterapia/radioterapia de tumores, terapia ocupacional e fisioterapia se défices motores, tratamento com hormona do crescimento e órtese no caso de alterações ósseas.

Última atualização: Jun 20, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Epidemiologia

  • A neurofibromatose tipo 1 (NF1) é o tipo mais comum de neurofibromatose.
  • Incidência: aproximadamente 1 em 2.600–3.000 indivíduos, independentemente de etnia e género
  • Herdado em cerca de metade dos casos
  • Expectativa de vida:
    • A idade média à data da morte é de 54,4 anos.
    • A mediana de idades à data da morte é de 59 anos.

Etiologia

  • Hereditariedade autossómica dominante
  • Menos freqentemente, mutações de novo (principalmente em cromossomas derivados do pai)

Fisiopatologia

  • Mutações no gene NF1 localizado no cromossomo 17
  • NF1 codifica a neurofibromina, uma proteína citoplasmática.
    • Predominantemente expressa nos neurónios, células de Schwann, oligodendrócitos, leucócitos
    • Molécula multidomínio que regula vários processos intracelulares importantes:
      • Via do AMP cíclico RAS
      • Cascata de cinase regulada por sinais extracelulares (ERK, pela sigla em inglês)/proteína cinase ativada por mitógeno (MAPK, pela sigla em inglês)
      • Adenilil ciclase
      • Montagem do citoesqueleto
    • Também funciona como um supressor tumoral
  • O envolvimento da neurofibromina em várias vias explica a ampla variedade de manifestações clínicas.

Apresentação Clínica

  • Máculas de café com leite (CALMs, pela sigla em inglês):
    • Máculas planas e uniformemente hiperpigmentadas
    • Aparecem no 1º ano após o nascimento
    • Aumento durante fase inicial da infância
  • Sardas:
    • Aparecem nas regiões axilares ou inguinais
    • Surgem aos 3-5 anos de idade
  • Nódulos de Lisch:
    • Hamartomas elevados de cor bronzeada na íris
    • Mais comum em adultos do que em crianças
  • Tumores:
    • Neurofibromas periféricos:
      • Cutâneo
      • Plexiforme
      • Nodular
    • Gliomas da via ótica:
      • Astrocitomas pilocíticos de baixo grau
      • Ocorre em crianças < 6 anos de idade
      • Raro em crianças mais velhas e adultos
      • A maioria das crianças tem uma visão normal.
      • Alguns gliomas podem ser sintomáticos com perda visual progressiva.
    • Outras neoplasias do SNC:
      • Astrocitomas de baixo grau
      • Gliomas do tronco cerebral
    • Sarcomas de tecidos moles:
      • Tumores malignos da bainha do nervo periférico
      • Rabdomiossarcoma
      • Tumores estromais gastrointestinais
      • Tumores glómicos
    • Outros tumores:
      • Leucemia mielomonocítica juvenil
      • Feocromocitoma
      • Cancro da mama
  • Alterações ósseas:
    • Displasia de ossos longos e pseudoartrose
    • Outras lesões ósseas:
      • Defeitos vertebrais
      • Fibromas não ossificantes em ossos longos
      • Displasia da asa do esfenóide
    • Baixa estatura
    • Escoliose
    • Osteoporose
  • Alterações neurológicas:
    • Défices cognitivos e dificuldades de aprendizagem
    • Convulsões
    • Macrocefalia
    • Neuropatia periférica
  • Doença cardíaca congénita
  • Hipertensão arterial
  • Vasculopatia
  • Outras manifestações:
    • Obstipação
    • Síndrome do intestino irritável
    • Hipertensão pulmonar
    • Estenose da artéria pulmonar
    • Doença pulmonar intersticial
    • Doença pulmonar bolhosa
    • Dissecção arterial (raro)
Máculas café com leite (calms)

Máculas de café com leite (CALMs, pela sigla em inglês):
Imagem a demostrar CALMs bem circunscritos, castanho-claro e pigmentados que são frequentemente encontrados na população em geral. As máculas podem ter alguns milímetros a vários centímetros (> 20 cm) de tamanho e podem aparecer ao nascimento ou no início da vida. O desenvolvimento de múltiplos CALMs pode estar associado a síndromes genéticas como o neurofibroma tipo 1. As máculas podem ser tratadas com terapêutica com laser para fins estéticos.

Imagem: “Case one: photograph of café-au-lait spots.” por Khalil J. et al.  Licença: CC BY 4.0

Diagnóstico

O diagnóstico de NF1 geralmente é feito clinicamente com base na apresentação clínica típica e confirmado por testes genéticos.

  • Critérios de diagnóstico: Pelo menos 2 características devem estar presentes:
    • ≥ 6 CALMs:
      • > 5 mm de diâmetro em indivíduos pré-púberes
      • > 15 mm de diâmetro em indivíduos pós-púberes
      • Medir o maior diâmetro.
      • Usar a luz normal da sala.
    • ≥ 2 neurofibromas de qualquer tipo ou 1 neurofibroma plexiforme
    • Sardas nas regiões axilares ou inguinais
    • Glioma ótico
    • ≥ 2 nódulos de Lisch
    • Uma lesão óssea distintiva (e.g., displasia esfenoidal, espessamento do córtex de ossos longos com ou sem pseudoartrose)
    • Um familiar de 1º grau (pais, irmãos ou filhos) com NF1 definida pelos critérios acima
  • Testes genéticos
  • Rastreio de familiares
  • Testes pré-natais
  • Neuroimagem (RMN ou TAC), potenciais achados:
    • Pontos brilhantes focais em imagens ponderadas em T2 (desaparecem com a idade)
    • Aumento do volume cerebral
    • Vasculatura cerebral alterada

Tratamento

Tumores

  • Neurofibromas cutâneos e subcutâneos
    • Remoção por cirurgia, laser ou eletrodissecação
    • As indicações para remoção incluem:
      • Dor
      • Hemorragia
      • Interferência com a função
      • Desfiguração
    • Gabapentina (para oprurido)
  • Neurofibromas plexiformes:
    • Selumetinib (para regressão tumoral)
    • Resseção cirúrgica (debulking)
    • Imatinib ou interferon peguilado (encolhimento)
  • Gliomas da via ótica e outros gliomas de baixo grau:
    • Quimioterapia:
      • Carboplatina
      • Vincristina
      • Vimblastina
    • Radiação (evitada em indivíduos pediátricos)
  • Gliomas de alto grau:
    • Ressecção cirúrgica
    • Radiação convencional + temozolomida
  • Tumores malignos da bainha do nervo periférico:
    • Ressecção cirúrgica
    • Radioterapia adjuvante
  • Rabdomiossarcoma:
    • Quimioterapia
    • Cirurgia, se possível
    • Radioterapia
  • Tumores estromais gastrointestinais: pouco responsivos ao imatinib

Alterações neurológicas

  • Défices cognitivos e de aprendizagem:
    • Dificuldades de aprendizagem: apoio académico
    • Défices da fala: fonoaudiologia
    • Comprometimento motor: terapia ocupacional e fisioterapia
  • Convulsões: anticonvulsivantes
  • Neuropatia periférica: Tratar a causa subjacente e aliviar os sintomas.

Outros

  • Questões psicossociais: aconselhamento
  • Hipertensão: anti-hipertensivos
  • Aconselhamento genético para indivíduos afetados e para as suas famílias

Diagnóstico Diferencial

  • Neurofibromatose tipo 2: distúrbio neurocutâneo que pode surgir de mutações no gene NF2. As principais características clínicas são schwannomas vestibulares bilaterais e meningiomas intracranianos/espinhais. O diagnóstico é feito clinicamente e confirmado com base em testes genéticos, RMN e histopatologia. Recomenda-se a vigilância de tumores, o acompanhamento e o rastreio de familiares em risco. O tratamento inclui intervenção cirúrgica, radioterapia e/ou terapêutica com anticorpos monoclonais com bevacizumab.
  • Síndrome de Noonan: distúrbio genético que ocorre após uma mutação num dos vários genes envolvidos na via de sinalização do RAS, especialmente proteína-tirosina fosfatase, tipo não recetor. As características clínicas incluem baixa estatura, pescoço alado, hipertelorismo, inclinação do olhar para baixo, pavilhões auditivos de implantação baixa, estenose pulmonar e CALMs. O tratamento envolve a identificação e monitorização atempada das várias apresentações clínicas.
  • Esclerose tuberosa: doença autossómica dominante que se apresenta principalmente com sintomas neurocutâneos. A mutação no gene TSC causa um crescimento tumoral excessivo no cérebro, olhos, coração, rim e pulmões. As manifestações cutâneas incluem hipopigmentação (ou seja, manchas em formato de folha (ash-leaf)) ou crescimento excessivo (ou seja, angiofibroma). O diagnóstico é feito clinicamente e confirmado por testes genéticos. O tratamento envolve uma abordagem multidisciplinar que visa a monitorização e tratamento das várias manifestações da doença.
  • Síndrome da deficiência do mismatch repair: distúrbio autossómico recessivo raro resultante da herança de mutações deletérias em ambas as cópias de 1 dos 4 genes de reparação de incompatibilidade. A síndrome da deficiência do mismatch repair resulta no início precoce (< 18 anos de idade) de cancros hematológicos, cerebrais ou do cólon e podem apresentar pigmentação cutânea semelhante à da NF1. O diagnóstico é clínico. A gestão destes doentes é centrada no rastreio precoce de tumores e aconselhamento genético para as famílias dos indivíduos afetados.

Referências

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