Malformações Congénitas do Sistema Reprodutor Feminino

As malformações congénitas do sistema reprodutor feminino incluem qualquer alteração congénita que afete os ovários, trompas de Falópio, útero, colo do útero, hímen e/ou vulva. Qualquer uma destas alterações pode afetar as funções reprodutiva e sexual normais das mulheres afetadas. Tipicamente, a causa é desconhecida. Em termos clínicos, estas doentes apresentam geralmente alterações a nível menstrual e/ou da fertilidade, sendo que a apresentação clínica de cada doente varia com a sua anatomia. O diagnóstico baseia-se principalmente na história clínica, exame objetivo e imagiologia com ecografia e/ou ressonância magnética pélvica. O tratamento depende do tipo de defeito(s) presente(s) e geralmente inclui a correção cirúrgica e/ou reposição hormonal. A maioria das malformações pode ser tratada de forma eficaz e tem um bom prognóstico. As complicações associadas a esta patologia são a infertilidade e o impacto psicossocial e emocional de ter genitais “anormais”.

Última atualização: Mar 11, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Definição

As malformações congénitas do sistema reprodutor feminino incluem qualquer alteração congénita que afete os ovários, trompas de Falópio, útero, colo do útero, hímen e/ou vulva. Qualquer uma destas alterações pode afetar as funções reprodutiva e sexual normais das mulheres afetadas.

Epidemiologia

  • Prevalência das alterações uterinas congénitas (CUAs, pela sigla em inglês):
    • 5,5% em populações não selecionadas
    • 8% em doentes inférteis
    • 12% em doentes com história de abortamento espontâneo
    • 25% em doentes com história de infertilidade e abortamento espontâneo
  • Entre 1940 e 1960, houve um aumento da incidência de CUAs em mulheres expostas in utero ao medicamento dietilestilbestrol (DES), que era utilizado para tratar a náusea associada à gravidez. Atualmente, este fármaco já não é utilizado e a morbilidade relacionada com o DES em crianças é agora rara.
  • Incidência de agenesia vaginal: 1 por 5.000 recém-nascidas do sexo feminino

Classificação

Os tipos de malformações congénitas podem ser classificados com base nos órgãos afetados. É de salientar que as verdadeiras malformações congénitas da vulva são raras; o aumento do clitóris ou a ambiguidade dos genitais externos são tipicamente considerados uma perturbação do desenvolvimento sexual, causados pela exposição à testosterona.

Tabela: Tipos de malformações congénitas do sistema reprodutor feminino
Órgão Malformação
Ovários
  • Disgenesia ovárica (ovários em fita)
  • Agenesia ovárica
  • Ovários supranumerários
Trompas de Falópio Agenesia das trompas de Falópio
Útero
  • Útero septado
  • Útero bicorno
  • Útero arqueado
  • Útero unicorno
  • Didelfo
  • Agenesia uterina
Colo do útero
  • Agenesia cervical
  • Duplicação cervical
Vagina
  • Septo vaginal vertical: hemivagina obstruída
  • Septo vaginal transverso
  • Agenesia vaginal
Hímen
  • Hímen imperfurado
  • Hímen microperfurado
  • Hímen septado

Anatomia e Embriologia

Anatomia

O sistema reprodutor feminino divide-se em genitais externos e internos. Os genitais internos localizam-se na pelve verdadeira e os externos estão presentes fora desta.

Tabela: Genitais femininos internos versus externos
Tipo de genitais Estruturas presentes
Órgãos genitais internos
  • Ovários
  • Trompas de Falópio
  • Útero
  • Colo do útero (tecnicamente, a porção inferior do útero)
  • Vagina
Órgãos genitais externos
  • Monte púbico
  • Clitóris
  • Grandes e pequenos lábios
  • Meato uretral
  • Glândulas de Bartholin e Skene

Origens embrionárias

Tabela: Origens embrionárias dos órgãos reprodutores femininos
Estrutura embrionária Órgãos pélvicos femininos
Tumefação labio-escrotal Grandes lábios
Pregas urogenitais Pequenos lábios
Tubérculo genital Clitóris
Seio urogenital
  • Bexiga
  • Uretra
  • Glândulas uretrais e parauretrais
  • Vagina
  • Glândulas de Bartholin
Ducto mülleriano/paramesonéfrico
  • Útero
  • Colo do útero
  • Trompas de Falópio
  • Parte superior da vagina
  • Hímen
Remanescente do ducto de Wolff/mesonéfrico Ducto de Gartner
Gónada indiferenciada Ovário
Gubernáculo
  • Ligamento ovárico
  • Ligamento redondo
Diferenciação fenotípica da genitália externa em embriões masculinos e femininos

Diferenciação fenotípica dos genitais externos em embriões do sexo masculino e feminino

Imagem por Lecturio. Licença: CC BY-NC-SA 4.0
Diferenciação do sexo

Diferenciação de género

Imagem por Lecturio. Licença: CC BY-NC-SA 4.0

Descrição geral do desenvolvimento sexual típico

O sistema reprodutor permanece indiferenciado até à 6ª semana de vida intrauterina, onde estão presentes 2 pares de ductos genitais: os ductos müllerianos (ou paramesonéfricos), que se transformam nos genitais internos femininos, e os ductos de Wolff (ou mesonéfricos), que regridem nas mulheres.

  • Género cromossómico → determina o género gonadal → determina o género fenotípico
  • Até às 6 semanas de gestação, o desenvolvimento sexual é idêntico e não binário; nesta fase, estão em desenvolvimento as seguintes estruturas:
    • Gónadas não binárias, bipotentes, indiferenciadas
    • Ductos de Wolff e Müller (inicialmente, estão ambos presentes em ambos os sexos)
    • Seio urogenital
    • O tubérculo genital, tumefações genitais e pregas genitais
  • Os genes presentes no momento da fertilização vão determinar a diferenciação das gónadas bipotentes em desenvolvimento (por exemplo, num testículo ou ovário)
  • De seguida, as gónadas em desenvolvimento irão secretar hormonas:
    • A presença e/ou ausência de hormonas específicas determina como as restantes estruturas se diferenciam.
    • No geral, os órgãos e estruturas femininas são o fenótipo “padrão”, que prevalece quando não estão presentes genes e hormonas específicas para estimular a diferenciação masculina.

Órgãos e caracteres sexuais

  • Gónadas: desenvolvem-se consoante o cariótipo/genes presentes
    • Testículos:
      • Desenvolvem-se na presença da região determinante do sexo no cromossomo Y (gene SRY )
      • Secretam testosterona e hormona anti-Mülleriana (AMH, pela sigla em inglês)
    • Ovários: desenvolvem-se quando o cromossoma X está presente e/ou o gene SRY está ausente
    • Ovotestis: gónada que contém tecido ovárico e testicular, encontrada em doentes com hermafroditismo verdadeiro
  • Estruturas müllerianas: diferenciam-se através dos ductos müllerianos (paramesonéfricos) quando a AMH está ausente
    • Útero
    • Trompas de Falópio
    • ⅓ superior da vagina
  • Estruturas de Wolff: diferenciam-se através dos ductos de Wolff (mesonéfricos) na presença de testosterona
    • Epidídimo
    • Canais deferentes
    • Vesículas seminais
    • Ductos ejaculatórios
  • Genitais externos: desenvolvem-se a partir do tubérculo genital, tumefação genital e pregas genitais indiferenciadas com base na presença ou ausência de testosterona
    • Masculino: testosterona → pénis e escroto
    • Feminino: falta de testosterona → clitóris, grandes lábios, pequenos lábios
  • Caracteres sexuais secundárias: o seu desenvovimento depende do ambiente hormonal na puberdade
    • Caracteres androgénicos: pela presença de testosterona e/ou diidrotestosterona (DHT)
      • Pelos púbicos e axilares
      • Pelos faciais e corporais de distribuição e qualidade androgénica (escuros e grossos)
      • Diminuição da tonalidade vocal
      • ↑ Massa muscular
    • Caracteres estrogénicos: pela presença de estrogénio
      • Desenvolvimento mamário
      • Ancas mais largas

Desenvolvimento das malformações congénitas

  • Alterações ováricas: devido a defeitos no desenvolvimento gonadal
  • Alterações Müllerianas:
    • Alterações do útero, colo do útero, parte superior da vagina e trompas de Falópio
    • Desenvolvem-se devido a defeitos na:
      • Formação/extensão dos ductos
      • Fusão dos ductos na linha média
      • Regressão das paredes na linha média (deixando divisões na linha média)
  • Parte inferior da vagina: defeitos no desenvolvimento do seio urogenital/bulbos sinovaginais
  • Vulva e clitóris: ambiente hormonal anormal, normalmente considera-se como um distúrbio do desenvolvimento sexual em vez de uma verdadeira alteração congénita

Malformações Congénitas dos Ovários

Tipos de malformações ováricas e das trompas de Falópio

  • Agenesia ovárica: falência na formação do ovário
  • Disgenesia ovárica (também chamados “ovários em fita”):
    • Ovários anormais e disfuncionais, pequenos e hipoplásicos
    • Associada à síndrome de Turner
  • Ovários supranumerários: ovário extra
  • Agenesia da trompa de Falópio: falência na formação de uma trompa de Falópio

Apresentação clínica

Nas mulheres, os ovários são a principal fonte de produção de estrogénio. Sem ovários adequadamente funcionais, não existe uma produção de estrogénio em quantidades significativas.

  • Ausência de estrogénio:
    • Ausência de proliferação endometrial → amenorreia primária
    • Ausência de desenvolvimento dos óvulos → infertilidade
    • Ausência de caracteres sexuais secundárias (por exemplo, desenvolvimento mamário) na puberdade
  • Nota: Para que as funções menstrual e de fertilidade sejam normais, basta estar presente 1 ovário:
    • Alterações num e/ou ausência de um único ovário são tipicamente assintomáticas e clinicamente irrelevantes.
    • O excesso de tecido ovárico ou um ovário extra (um ovário supranumerário) também são tipicamente assintomáticos, embora as mulheres possam apresentar alguma irregularidade menstrual.
  • Alterações das trompas de Falópio:
    • As trompas de Falópio são estruturas müllerianas (como o útero), ou seja, as alterações tubárias estão tipicamente associadas a alterações uterinas do mesmo lado.
    • A agenesia unilateral isolada de uma trompa de Falópio é possível e provavelmente assintomática, assumindo que o lado contralateral é normal.
    • A agenesia bilateral isolada das trompas de Falópio é tecnicamente possível e seria assintomática até a doente se apresentar com infertilidade, mas isto geralmente não se observa.

Princípios gerais do diagnóstico e tratamento

  • Imagiologia:
    • Ecografia: A melhor forma de diagnosticar qualquer alteração ovárica é com ecografia pélvica (1º exame).
    • A ressonância magnética pode contribuir com informações adicionais.
  • Deve obter-se o cariótipo.
  • Avaliação laboratorial (testes de rastreio para a amenorreia):
    • Hormona folículo-estimulante (FSH, pela sigla em inglês): secretada pela glândula pituitária; está ↑ na tentativa de estimular os ovários anormais/ausentes a trabalhar
    • Estradiol: está ↓ (não pode ser sintetizado pelos ovários anormais/ausentes)
    • Esta combinação de ↑ FSH + ↓ estradiol localiza o problema nos ovários (em oposição ao útero ou hipotálamo).
  • O tratamento envolve normalmente:
    • Terapêutica de reposição hormonal (TRH) se os ovários não forem funcionais
    • Excisão cirúrgica de ovários/tecido ovárico anormal devido ao ↑ do risco de malignidade na presença de ovários em fita
    • Frequentemente as doentes conseguem gerar descendência através da tecnologia de reprodução assistida (ART, pela sigla em inglês):
      • Requer um óvulo de dadora/embrião de dadora para ovários não funcionais
      • Fertilização in vitro (FIV) na presença de alterações das trompas de Falópio

Resumo e comparação

Tabela: Resumo comparativo das malformações congénitas dos ovários
Ovários em fita Agenesia ovárica
Definição
  • Uma forma de disgenesia ovárica (malformação e disfuncionalidade dos ovários)
  • Associados à síndrome de Turner (45X,0)
  • Ausência congénita de ambos os ovários
  • Já foram relatados casos de agenesia unilateral, mas é extremamente rara.
Apresentação clínica
  • Amenorreia primária
  • Poucos ou nenhuns caracteres sexuais secundários (↓ estrogénio)
  • Características da síndrome de Turner: baixa estatura, pescoço alado, mamilos espaçados, alterações cardíacas
  • Amenorreia primária
  • Ausência de caracteres sexuais secundários (ausência de estrogénio)
Diagnóstico
  • Ecografia: ovários rudimentares ou não visíveis
  • Cariótipo: 45X,0
  • Ecografia: ovários ausentes
  • Cariótipo: 46X,X
  • Avaliação laboratorial: ↑ FSH, ↓ estradiol
Tratamento
  • Excisão cirúrgica (ooforectomia) devido ao alto risco de malignidade
  • TRH
  • TRH
  • Terapia psicossocial
  • Fertilidade: A gravidez é possível através de óvulo ou embrião de dadora e ART.
ART: tecnologia de reprodução assistida
FSH: hormona folículo-estimulante
TRH: terapêutica de reposição hormonal

Malformações congénitas do útero e colo do útero

Descrição geral das malformações uterinas

  • O útero forma-se a partir dos ductos de Müller, que se fundem na linha média para criar o útero, o colo do útero e a parte superior da vagina. Portanto, inicialmente, estas estruturas encontram-se divididas ao nível da linha média, até que haja regressão desse septo.
  • Tipos de defeitos:
    • Defeitos da fusão lateral: ocorrem quando o septo da linha média não regride, resultando em septos verticais e cavidades divididas ou “duplicadas”
    • Defeitos da fusão vertical: resultam em defeitos transversais e obstrutivos (normalmente na vagina)
    • Hipoplasia ou agenesia: ausência de desenvolvimento completo de um órgão ou tecido (hipoplasia) ou ausência completa do órgão (agenesia)
  • Tipos de CUAs:
    • Útero arqueado
    • Útero septado
    • Útero bicorno
    • Útero unicorno
    • Útero didelfo
    • Agenesia uterina
  • Doentes com CUAs têm maior risco de alterações adicionais:
    • Renal ( 20%–30%, tipicamente ipsilateral à CUA)
    • Esquelético
    • Parede abdominal
Malformações do útero

Malformações do útero

Imagem por Lecturio. Licença: CC BY-NC-SA 4.0

Características das alterações uterinas congénitas

Exceto pela agenesia uterina, as ACUs são todas causadas por defeitos da fusão lateral. As frequências de cada alteração em específico (entre todas as CUAs) estão indicadas entre parênteses.

  • Arqueado (18%):
    • Contorno uterino liso
    • Indentação ligeira, geralmente ampla, do fundo uterino na linha média
    • Muitas vezes considerada uma variante do normal, porque não se associa a resultados adversos na gravidez
    • As doentes são tipicamente assintomáticas e estes achados são incidentais.
  • Útero septado (35%):
    • Fusão lateral completa dos ductos de Müller com regressão incompleta do septo na linha média
    • Contorno uterino liso
    • Presença de uma fina faixa de tecido a dividir o útero, que consiste geralmente em miométrio coberto por endométrio, tipicamente vascularizado
    • Quantidades variáveis de tecido fibroso e muscular e de graus de vascularização
    • Pode ser parcial, completo ou estender-se até à vagina:
      • Septo parcial (conhecido como útero subseptado): O septo poupa o colo do útero
      • Útero septado completo: O septo estende-se até ao colo do útero.
      • Útero e vagina septados: O septo estende-se através do colo do útero até a vagina.
  • Bicorno (26%):
    • Fusão parcial (em vez de completa) dos ductos Müllerianos
    • Indentação da cavidade fúndica do útero, com cavidades endometriais moderadamente separadas
    • 1 colo do útero
    • Pode ser parcial ou completo (que se estende até ao colo do útero)
  • Unicorno (10%):
    • Decorrente de hipoplasia ou agenesia de 1 dos ductos de Müller
    • Apenas está presente um “corno” uterino, com uma cavidade uterina, trompa de Falópio e colo do útero “normais”.
    • O ducto alterado pode estar completamente ausente ou pode apresentar-se como um “corno” rudimentar:
      • Cornos rudimentares podem ou não comunicar com o útero.
      • Cornos rudimentares não comunicantes podem ter tecido endometrial hormonalmente ativo, sem a presença de um trato de saída → apresentam-se com dismenorreia grave ou dor pélvica crónica
  • Didelfo (8%): “útero duplo”
    • Falência na fusão do ducto Mülleriano, o que resulta na duplicação das estruturas reprodutivas
    • 2 úteros separados, cada um com o seu colo do útero (2 colos do útero observados durante o exame com espéculo)
    • 75% também têm uma vagina septada.
    • 15%–20% também têm outras alterações unilaterais associadas:
      • Exemplos: hemivagina obstruída, agenesia renal ipsilateral
      • As alterações estão no lado direito em 65% dos casos.
  • Agenesia uterina (3%):
    • Também conhecida como síndrome de Mayer-Rokitansky-Küster-Hauser (MRKH)
    • Podem haver diferentes graus de hipoplasia uterina, incluindo (mais frequentemente) a ausência completa do útero, colo do útero e parte superior da vagina
    • Também inclui agenesia cervical

Apresentação clínica

A apresentação clínica destas alterações depende das malformações subjacentes:

  • Devido à presença de paredes uterinas (por exemplo, septo uterino pouco vascularizado) e/ou formato da cavidade anormais:
    • Abortos recorrentes
    • Infertilidade
    • Parto prematuro
    • Apresentação fetal pélvica
    • Descolamento prematuro da placenta
  • Devido à obstrução completa ou à presença de porções obstruídas da via de saída uterina:
    • Dor cíclica
    • Massa vaginal ou pélvica
  • Devido a agenesia:
    • Amenorreia primária
    • Infertilidade

Diagnóstico

No geral, todas as doentes com amenorreia primária, dor pélvica, infertilidade e/ou abortos recorrentes devem fazer exames de imagem pélvica, forma como são tipicamente diagnosticadas as ACUs. Os métodos imagiológicos incluem:

  • Ecografia pélvica:
    • Exame de 1ª linha na obtenção de imagem do útero, colo do útero e ovários
    • Bom delineamento do contorno uterino externo
    • Não é possível visualizar-se a anatomia dentro da cavidade uterina
  • Ressonância Magnética Pélvica:
    • Pode ajudar no diagnóstico quando a ecografia é inconclusiva
    • Permite delinear tanto os contornos uterinos internos, como os externos (por exemplo, pode diferenciar úteros septados de bicornos)
  • Ecografia com infusão salina (SIS, pela sigla em inglês):
    • Um fluido estéril é injetado na cavidade uterina através de um cateter. Este provoca a distensão da cavidade uterina, para permitir a obtenção de imagens de ecografia em tempo real.
    • Permite a avaliação da cavidade uterina interna (em adição a todas as imagens obtidas com a ecografia tradicional, como as do contorno uterino externo)
    • Pode identificar septos, pólipos e miomas submucosos
  • Histerossalpingografia:
    • Exame fluoroscópico com injeção de contraste na cavidade uterina, com preenchimento desta e extravasamento através das trompas de Falópio
    • Fornece informações sobre os contornos internos da cavidade uterina e a permeabilidade das trompas de Falópio
    • Não fornece informações sobre o contorno uterino externo
Útero bicorno

Histerossalpingografia (HSG) de um útero bicorno

Imagem : “HSG of secondary infertility patient showing bicornuate uterus” pelo Muhammad Usman Aziz, MBBS, FCPS (Radiology). Senior Registrar, Department of Radiology, Liaquat National Hospital, National Stadium Road, Karachi, Pakistan. Licença: CC BY 3.0
Tabela: Diagnóstico imagiológico das alterações uterinas congénitas
Contorno uterino externo Contorno uterino interno
Útero arqueado Contorno uterino liso
  • Indentação mínima do fundo uterino < 1.5 cm.
  • A indentação é ampla (> 90º)
Útero septado Contorno uterino liso, ou indentação com < 1 cm
  • 2 cavidades endometrias separadas, mas próximas
  • Indentação fúndica com > 1,5cm
  • Ângulo da indentação < 90º
Útero bicorno
  • Indentação do contorno do fundo uterino ≥ 1 cm
  • 1 colo do útero
2 cavidades endometriais moderadamente separadas
Útero didelfo
  • Indentação profunda do contorno fúndico
  • 2 colos do útero
2 cavidades endometriais amplamente separadas

Tratamento

  • Quaisquer áreas obstruídas devem ser cirurgicamente abertas e/ou ressecadas, de forma a permitir o efluxo total do fluido menstrual.
  • Os septos uterinos são tipicamente ressecados histeroscopicamente.
  • O tratamento cirúrgico das alterações bicornais e didelfas é altamente complexo e raramente se realiza, uma vez que não está claro que melhoram os resultados da gravidez (que seria a única indicação para tal cirurgia).
  • Agenesia cervical isolada:
    • Considerar um tratamento médico com supressão da menstruação, até que a doente deseje a conceção via ART:
      • Uso contínuo de terapêutica combinada de estrogénio/progesterona (por exemplo, pílulas anticoncecionais orais)
      • Terapêutica apenas com progesterona
      • Agonista da hormona libertadora de gonadotrofinas (GnRH, pela sigla em inglês) (a administração de GnRH contínua suprime a FSH, induzindo um estado semelhante à menopausa)
    • Tratamento cirúrgico:
      • Histerectomia
      • Cirurgias reconstrutivas para permitir a menstruação (mais riscos)

Malformações Congénitas da Vagina e do Hímen

Desenvolvimento das alterações da vagina e do hímen

  • Assim como as alterações uterinas, as alterações vaginais são devidas a:
    • Agenesia/hipoplasia
    • Defeitos da fusão lateral → resultando em septos verticais
    • Defeitos da fusão vertical → resultando em septos transversais
  • O hímen é uma membrana transversal constituída por tecido conjuntivo fibroso:
    • Resulta da junção embriológica dos bulbos sinovaginais e do seio urogenital
    • Normalmente é perfurado, tornando-se patente na vida fetal → cria uma conexão entre o lúmen vaginal e as estruturas genitais externas
    • A falha na perfuração pode resultar em alterações do hímen.

Tipos de alterações vaginais

  • Septo vaginal longitudinal:
    • Pode ser parcial ou completo (até ao introito vaginal)
    • Hemivagina obstruída: quando um septo longitudinal se une à parede lateral, criando uma área da vagina que se encontra obstruída
    • Normalmente ocorre em conjunto com um útero didelfo
  • Septo vaginal transverso:
    • Pode incluir “janelas”, chamadas fenestrações, que permitem um fluxo menstrual lento
    • Ou pode ser completamente obstrutivo
  • Agenesia vaginal:
    • Agenesia da parte superior da vagina (síndrome MRKH):
      • O colo do útero, corpo uterino e as trompas de Falópio normalmente também estão ausentes.
      • Os ovários (estruturas não müllerianas) estão geralmente presentes e são normais.
    • Agenesia da parte inferior da vagina:
      • Devido ao desenvolvimento anormal dos bulbos sinovaginais
      • Os ductos müllerianos são normais. A parte superior da vagina, colo do útero/útero, trompas de Falópio e ovários estão tipicamente presentes e são normais.
Anomalias vaginais congênitas

Alterações vaginais congénitas:
À esquerda: útero didelfo com septo vaginal longitudinal
No meio: útero didelfo com septo longitudinal e hemivagina obstruída
À direita: útero normal com septo vaginal transverso

Imagem por Lecturio. Licença: CC BY-NC-SA 4.0

Tipos de alterações do hímen

  • Hímen imperfurado
  • Microperfurado ou perfurações cribriformes
  • Septado
Malformações do hímen

Hímen normal numa parturiente em comparação com malformações comuns do hímen, incluindo hímen microperfurado, septado, cribriforme e imperfurado

Imagem por Lecturio. Licença: CC BY-NC-SA 4.0

Apresentação clínica

  • Alterações completamente obstrutivas (por exemplo, septos vaginais transversos, agenesia vaginal, hímen imperfurado):
    • Incapacidade de penetrar completamente na vagina durante:
      • Inserção de tampão
      • Relação sexual
      • Exame objetivo
    • Se o útero e ovários forem funcionais, na menarca as doentes também experienciam:
      • Dismenorreia severa
      • Dor pélvica cíclica ou crónica
      • Massa ou protuberância vaginal
  • Obstruções incompletas (por exemplo, hímen septado, hemivagina obstruída) apresentam sintomas de dor semelhantes e:
    • Hemorragia irregular
    • Hemorragia prolongada
  • Todas as alterações vaginais e do hímen podem também apresentar dor durante a relação sexual (conhecida como dispareunia).
  • Septo vaginal longitudinal versus hímen septado:
    • Hemorragia apesar da utilização de tampão → septo vaginal longitudinal
    • Incapacidade de remover um tampão depois de inserido → hímen septado. Como o tampão é fino no aplicador, ele pode passar por 1 lado, mas após a colocação ele expande e não é possível remover.

Diagnóstico

  • O diagnóstico obtém-se através de um exame pélvico e ecografia.
  • A ressonância magnética pode ser usada para diferenciar entre um septo transverso alto e agenesia cervical/uterina.
  • Todas as doentes com alterações vaginais e himenais devem ser submetidas a exames de imagiologia pélvica para procurar alterações uterinas associadas.
  • Nos exames de imagem, as lesões obstrutivas podem demonstrar:
    • Hematocolpos: acumulação de sangue menstrual na vagina
    • Hematometra: acumulação de sangue no útero

Tratamento

  • Para as alterações septais e do hímen: resseção cirúrgica
  • Para a agenesia vaginal:
    • Os dilatadores vaginais utilizados de forma regular podem permitir atingir um bom comprimento funcional (para relações sexuais) na maioria das doentes.
    • Existem procedimentos cirúrgicos complexos especializados para criar uma neovagina, se desejado pela doente, para relações sexuais com penetração.

Referências

  1. Marc R Laufer, Alan H DeCherney (2021). Congenital uterine anomalies: clinical manifestations and diagnosis. UpToDate. Retrieved June 25, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/congenital-uterine-anomalies-clinical-manifestations-and-diagnosis
  2. Marc R Laufer, Alan H DeCherney (2021). Congenital uterine anomalies: surgical repair. UpToDate. Retrieved June 25, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/congenital-uterine-anomalies-surgical-repair
  3. Marc R Laufer (2021). Congenital anomalies of the hymen and vagina. UpToDate. Retrieved June 25, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/congenital-anomalies-of-the-hymen-and-vagina
  4. Marc R Laufer (2020). Benign cervical lesions and congenital anomalies of the cervix. UpToDate. Retrieved June 25, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/benign-cervical-lesions-and-congenital-anomalies-of-the-cervix
  5. Northwell Health (2021). Congenital anomalies of the female genital tract. https://www.northwell.edu/obstetrics-and-gynecology/conditions/congenital-anomalies-of-the-female-genital-tract
  6. Aurora M Miranda, Rebecca Heuer Schnatz (2018). Female reproductive organ anatomy. UpToDate. Retrieved June 25, 2021, from https://emedicine.medscape.com/article/1898919-overview

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