Linfoma de MALT

O linfoma da zona marginal extraganglionar (EMZL, pela sigla em inglês) do tecido linfoide associado à mucosa (também denomiado de MALToma, linfoma de MALT e/ou pseudolinfoma) é um grupo de linfomas não-Hodgkin que historicamente foram agrupados uma vez que parecem surgir de células B da zona marginal do centro pós-germinativo e compartilham um imunofenótipo semelhante. Acredita-se que o linfoma de MALT surja no contexto de uma estimulação imune crónica, sendo geralmente devida a estímulos bacterianos, virais ou autoimunes. Os linfomas de MALT apresentam sintomas devido ao envolvimento localizado dos tecidos epiteliais glandulares no local específico onde se desenvolvem. O diagnóstico é feito através de análise morfológica, imunofenotípica e genética de amostras de biópsia. O linfoma de MALT gástrico positivo para Helicobacter pylori é tratado através da erradicação de H. pylori, e o linfoma de MALT gástrico negativo para H. pylori é tratado com radioterapia. O linfoma de MALT não gástrico é tratado com base na área envolvida e na extensão da doença. Doentes com linfoma de MALT têm bom prognóstico, com sobrevida mediana de > 10 anos.

Última atualização: Jul 4, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Definição

O linfoma de MALT é um linfoma não-Hodgkin clinicamente indolente, que surge de células B de memória do centro pós-germinativo com a capacidade de se diferenciarem em células da zona marginal e em plasmócitos.

Epidemiologia

  • É um subtipo relativamente incomum de linfoma não-Hodgkin:
    • 5–10% de todos os linfomas não-Hodgkin
    • Aproximadamente metade dos linfomas não-Hodgkin ocorrem no estômago, nos anexos oculares e no pulmão
  • Incidência nos Estados Unidos: 18,3 casos por 1 milhão de pessoas-ano
  • Observado principalmente em adultos (idade média ao diagnóstico: 66 anos)
  • Maior incidência em brancos não hispânicos
  • Menor incidência em afro-americanos
  • Nos homens, o envolvimento mais comum ocorre no:
    • Estômago
    • Intestino delgado
    • Pele
    • Rim
  • Nas mulheres, o envolvimento mais comum em:
    • Glândulas salivares
    • Tecidos moles
    • Tiroide

Etiologia

  • Geralmente presente num cenário de estimulação imune crónica devido a estímulos bacterianos, virais ou autoimunes:
    • Doenças autoimunes implicadas:
      • Síndrome de Sjögren (linfoma da zona marginal extra-ganglionar da parótida (EMZL, pela sigla em inglês))
      • Lúpus eritematoso sistémico
      • Policondrite recidivante
      • Tiroidite de Hashimoto (EMZL da tiroide)
    • Bactérias implicadas:
      • Gastrite por Helicobacter pylori: relação mais bem estabelecida
      • Chlamydia psittaci (anexos oculares)
      • Campylobacter jejuni (intestino delgado)
      • Borrelia afzelii (pele)
      • Achromobacter xylosoxidans (pulmão)
  • Ocorrem várias translocações resultando no aumento da ativação do fator nuclear kappa-B com e sem estimulação imune, tendo estas sido implicadas como uma potencial etiologia.

Fisiopatologia

  • O linfoma de MALT desenvolve-se devido à estimulação crónica do tecido linfoide:
    • Leva à acumulação local e proliferação de células B e células T dependentes de antigénio
    • Com o tempo, as células B, que ainda são antigénio-dependentes, desenvolvem mutações.
    • As células B monoclonais desenvolvem então mutações adicionais e tornam-se independentes do antigénio e são capazes de disseminação sistémica.
  • A proliferação de células MALT em certos locais depende de células T ativadas, dirigidas por antigénios.
  • O linfoma MALT reproduz as características morfológicas do MALT normal:
    • Os folículos reativos estão geralmente presentes com células neoplásicas a ocuparem a zona marginal e/ou a região interfolicular.
    • As células neoplásicas podem ocasionalmente colonizar folículos.
  • Translocações cromossómicas comuns que levam ao aumento da expressão do fator nuclear kappa-B (que fornece uma vantagem de sobrevivência para as células B neoplásicas):
    • t(11;18)(q21;q21)
    • t(14;18)(q32;q21)
    • t(1;14)(p22;q32)
    • t(3;14)(p13;q32)
  • Gamapatia monoclonal:
    • Presente em 27–36% dos doentes
    • Correlaciona-se com:
      • Diferenciação plasmocítica
      • Doença avançada
      • Envolvimento de gânglios linfáticos e medula óssea
  • Exemplo prototípico:
    • Infeção por H. pylori com gastrite crónica
    • Pode levar ao desenvolvimento de MALT gástrico
    • Permanece localizado por períodos de tempo significativos (mas é uma neoplasia clonal de células B)
    • Recorre com frequência
    • Potencial para disseminação sistémica
    • Pode transformar-se num linfoma de células B agressivo

Apresentação Clínica

A apresentação clínica varia dependendo do local onde o linfoma de MALT se desenvolve.

  • Estômago:
    • DRGE
    • Dor ou desconforto epigástrico
    • Anorexia
    • Perda de peso
    • Hemorragia GI oculta
  • Anexos oculares:
    • Massa de crescimento lento
    • Eritema ocular
    • Epífora (lacrimejo excessivo)
  • Glândulas salivares:
    • Massa de crescimento lento
    • Minoria de doentes: envolvimento bilateral
  • Pele:
    • Pápulas, placas ou nódulos vermelhos a violáceos
    • Frequentemente localizado no tronco e extremidades superiores
  • Pulmão:
    • Assintomático
    • Nódulos pulmonares e/ou consolidação na imagem
  • Intestino delgado:
    • Diarreia intermitente
    • Dor abdominal em cólica
    • Sintomas relacionados com a má absorção

Disseminação para outros locais do tecido MALT:

  • 30% dos casos
  • Gânglios linfáticos
  • Medula óssea

O sangue periférico geralmente não está envolvido.

Os sintomas sistémicos B são incomuns:

  • Febre
  • Suores noturnos
  • Perda de peso

Diagnóstico

História clínica

  • Constitucional:
    • Anorexia
    • Perda de peso
  • Cabeça, olhos, ouvidos, nariz, garganta (HEENT, pela sigla em inglês):
    • Olhos vermelhos e lacrimejantes
    • Massa oral
  • Gastrointestinal:
    • DRGE
    • Dor e desconforto epigástrico
    • Hemorragia GI
    • Diarreia
    • Dor abdominal em cólica
  • Pele: alterações do tronco e membros superiores
  • Avaliação nutricional e de desempenho usando as seguintes escalas de desempenho:
    • Eastern Cooperative Oncology Group (ECOG)
    • Karnofsky

Exame objetivo

  • HEENT:
    • Massa da glândula salivar/oral
    • Vermelhidão dos olhos
    • Epífora
  • Gânglios linfáticos aumentados
  • Hepatoesplenomegalia (se fígado ou baço envolvidos)
  • Pele:
    • Pápulas, placas ou nódulos avermelhados
    • Mais comum no:
      • Tronco
      • Membros superiores

Avaliação laboratorial

  • Biópsia do local afetado:
    • A análise morfológica, imunofenotípica e genética da amostra de biópsia deve ser analisada no contexto clínico:
      • Morfologia: infiltrado polimorfo de pequenas células com folículos de aparência reativa
      • Imunofenótipo: células B positivas para CD19, CD20 e CD22 e negativas para CD5, CD10 e CD23
      • Análise genética: a análise por PCR do rearranjo de IgH é útil para diferenciar o linfoma MALT de proliferações reativas.
    • Obter uma amostra grande (para que o carcinoma não se perca na amostra de biópsia).
    • Endoscopia digestiva alta:
      • Para linfoma de MALT gástrico
      • Múltiplas biópsias de cada região gástrica
    • Biópsias para H. pylori:
      • Se negativo: realizar teste de antigénio fecal ou teste respiratório de ureia
      • Teste de FISH ou PCR para t(11;18) para identificar tumores com pouca probabilidade de responder à erradicação do H. pylori
  • Avaliação analítica (pode fornecer informações sobre órgãos envolvidos/doenças associadas):
    • Hemograma com plaquetas
    • Eletrólitos séricos
    • Perfil hepático
    • Testes de função renal
    • ↑ LDH
    • Eletroforese de proteínas séricas (para avaliar gamapatia monoclonal)
    • Teste serológico:
      • VIH
      • Hepatite C ou B
  • Imagiologia:
    • TC e RMN:
      • Para avaliar a presença de doença à distância
      • Extensão da lesão primária
      • Não diferencia lesões de MALT malignas de benignas
      • Pode visualizar tórax, abdómen, pelve, órbitas e glândulas salivares
    • PET/TC com flurodesoxiglucose (FDG) combinada de corpo inteiro para avaliar:
      • Radioterapia
      • Suspeita de transformação de células grandes
  • Biópsia da medula óssea para confirmar suspeita de doença precoce (estádio I/II)
Mucosa-associated lymphoid tissue lymphoma of the esophagus
Linfoma esofágico de tecido linfoide associado à mucosa: a tomografia computorizada (imagem A) e a endoscopia (imagem B) mostram uma neoplasia do esófago médio e inferior.
Imagem: “F1” de Medicine. Licença: CC BY 4.0
Linfoma malt gástrico associado a h. Pylori

Linfoma de MALT gástrico associado a H. pylori:
a: Folículo linfoide com um centro germinativo reativo e zona marginal ligeiramente expandida (H&E, ampliação original, 100X)
b: A imunocoloração de H. pylori mostra bactérias intra-foveolares de configuração curva, característica de H. pylori.

Imagem: “Gastric mucosa-associated lymphoid tissue lymphoma and Helicobacter pylori infection: a review of current diagnosis and management” por Hu Q, Zhang Y, Zhang X, Fu K. Licença: CC BY 4.0
Linfoma malt do cólon

Linfoma de MALT do cólon:
Infiltrado de células linfoides de aparência maligna na lâmina própria, sugestiva de linfoma MALT

Imagem: “Synchronous adenocarcinoma and mucosa-associated lymphoid tissue lymphoma of the colon” por Devi P, Pattanayak L, Samantaray S. Licença: CC BY 2.0

Estadiamento

  • Sistema de estadiamento de Lugano (para envolvimento gástrico):
    • Estadio I/II:
      • Lesão primária única
      • Múltiplas lesões, não contíguas, confinadas ao trato GI que podem ter envolvimento ganglionar
    • Nenhum estadio III definido
    • Estadio IV:
      • Envolvimento extra-ganglionar disseminado ou
      • Envolvimento ganglionar supra-diafragmático concomitante
  • Sistema de estadiamento Ann Arbor para MALT não gástrico:
    • Estadio 1: região ganglionar única
    • Estádio 2: um lado do diafragma
    • Estádio 3: ambos os lados do diafragma
    • Estádio 4: disseminado

Tratamento e Prognóstico

Tratamento

  • Linfoma de MALT gástrico:
    • H. pylori – positivo:
      • Terapêutica de erradicação de H. pylori
      • Acompanhamento com endoscopias seriadas
      • Falência do tratamento: tratar com radioterapia (RT)
      • Resseção gástrica caso haja perfuração, hemorragia descontrolada ou obstrução
    • H. pylori – negativo:
      • RT
      • Imunoterapia ou quimioterapia se falência de RT ou estadio Lugano IV
  • Linfoma de MALT não gástrico: o tratamento depende da localização e estadio da doença:
    • RT no local envolvido (ISRT, pela sigla em inglês): opção principal
    • Cirurgia: para fins de diagnóstico ou para tumores em áreas não propícias à RT, como o pulmão
    • Rituximab se o doente não puder receber ISRT ou se doença avançada
  • Linfoma de grandes células coexistente (em qualquer local ou estadio) tratado como linfoma difuso de grandes células B

Prognóstico

  • Geralmente, o prognóstico é relativamente bom: sobrevida mediana > 10 anos
  • O prognóstico é pior se linfoma de MALT de alto grau.
  • Índice de Prognóstico Internacional de MALT (MALT-IPI, pela sigla em inglês):
    • Sistema de pontuação de prognóstico para o linfoma de MALT
    • Identifica doentes com doença de alto risco, com maior probabilidade de progressão
    • 3 fatores prognósticos adversos independentes identificados:
      • Idade ≥70 anos
      • Estadio III ou IV
      • Nível sérico de LDH superior ao limite superior do normal
    • 3 grupos de risco:
      • Baixo risco (sem fatores de risco): sobrevida global, 99%
      • Risco intermédio (1 fator de risco): sobrevida global, 93%
      • Alto risco (≥ 2 fatores de risco): sobrevida global, 64%

Diagnóstico Diferencial

  • Lesões reativas: tecido hiperplásico indolor resultante de uma resposta de reparação: desenvolvem-se lesões reativas em resposta à inflamação crónica. As lesões reativas são geralmente limitadas ao folículo. O linfoma de MALT pode ser geralmente diferenciado de lesões reativas pela evidência de restrição da cadeia leve de imunoglobulinas ou rearranjos clonais de IgH por técnicas moleculares. O tratamento é altamente variável e depende da etiologia e do local.
  • Linfoma da zona marginal ganglionar e esplénica (NMZL, pela sigla em inglês): um linfoma ganglionar primário com características histológicas idênticas às dos gânglios envolvidos pelo linfoma de MALT ou pelo linfoma da zona marginal esplénica, mas sem envolvimento extraganglionar proeminente: O diagnóstico de NMZL é mais provável quando há envolvimento ganglionar disseminado, mesmo que haja esplenomegalia e/ou doença extra-ganglionar mínima. O tratamento foca-se no alívio dos sintomas, na reversão das citopenias e na melhoria da qualidade de vida.
  • Outras neoplasias de células B:
    • Linfoma difuso de grandes células B (LDGCB): o subtipo mais comum de linfoma não Hodgkin com apresentação principalmente extra-ganglionar: O linfoma difuso de grandes células B é clinicamente muito agressivo e tem um crescimento rápido. Caracterizado por grandes aglomerados de células ou camadas de células grandes, o LDGCB é citogenÉtica, biológica e clinicamente diferente do linfoma de MALT e tem um prognóstico muito pior. O tratamento é com rituximab e/ou quimioterapia.
    • Linfoma linfocítico de pequenas células (LLPC): é uma variante do tumor sólido da LLC mais comum: o linfoma linfocítico de pequenas células tem principalmente envolvimento ganglionar, e a doença extraganglionar desenvolve-se apenas mais tarde na evolução da doença. Imunofenotipicamente, o LLPC co-expressa CD5 e CD23, enquanto que os linfomas de MALT não. O tratamento é principalmente vigilância; não existe um algoritmo de tratamento padrão.
    • Linfoma de células do manto (LCM): é um linfoma não-Hodgkin de células B maduras composto por linfócitos de pequeno a médio tamanho que podem envolver o trato GI: Na imunofenotipagem, o LMC expressa CD5 e ciclina D1 devido à translocação t(11;14). O linfoma de MALT não expressa estes marcadores nem possui esta translocação. O tratamento é feito com quimioterapia combinada associada a imunoterapia com transplante autólogo de células hematopoiéticas.
    • Linfoma folicular (LF): é um linfoma derivado de células B do centro germinativo com folículos proeminentes e/ou reativos que às vezes são colonizados por células da zona marginal ou monocitoides: a apresentação é geralmente uma adenopatia periférica indolor. O tratamento passa por vigilância, com tratamento direcionado ao alívio dos sintomas, que inclui RT e anticorpos monoclonais CD20.

Referências

  1. Freedman AS, Aster JC. (2020). Clinical manifestations, pathologic features, and diagnosis of extranodal marginal zone lymphoma of mucosa associated lymphoid tissue (MALT). UpToDate. Retrieved March 20, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/clinical-manifestations-pathologic-features-and-diagnosis-of-extranodal-marginal-zone-lymphoma-of-mucosa-associated-lymphoid-tissue-malt
  2. Freedman AS, Friedberg JW, Ng AK. (2021). Treatment of extranodal marginal node lymphoma of mucosa associated lymphoid tissue (MALT). UpToDate. Retrieved March 20, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/treatment-of-extranodal-marginal-zone-lymphoma-of-mucosa-associated-lymphoid-tissue-malt-lymphoma
  3. Kumar V, Abbas AK, Aster JC. (2015). Robbins & Cotran Pathologic Basis of Disease. Philadelphia: Elsevier Saunders.
  4. Novak U, et al. (2011). Genomic analysis of non-splenic marginal zone lymphomas (MZL) indicates similarities between nodal and extranodal MZL and supports their derivation from memory B-cells. Br J Haematol 155(3):362–365. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/21883140/
  5. Sagaert X, et al. (2007). The pathogenesis of MALT lymphomas: where do we stand? Leukemia 21(3):89–396. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/17230229/
  6. Zucca E, et al. (2020). Marginal zone lymphomas: ESMO Clinical Practice Guidelines for diagnosis, treatment and follow-up. Ann Oncol 31(1):17–29. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31912792/

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