Invaginação Intestinal

A invaginação acontece quando uma porção do intestino (intestino intussusceptum) se desloca para dentro de outra parte (intussuscipiens). Esta patologia pode causar obstrução e, caso não seja tratada, progredir para isquemia intestinal. A invaginação é mais frequente na população pediátrica, mas ocorre, ocasionalmente, em adultos. Normalmente, as crianças apresentam dor abdominal cíclica aguda e vómitos, enquanto que os adultos apresentam sintomas relacionados com a obstrução intestinal. Habitualmente, nas crianças, o diagnóstico é clínico, mas pode ser suportado por uma ecografia abdominal a mostrar o sinal clássico em alvo. Nas crianças, o tratamento inclui opções como o uso de enema de contraste ou pneumático, sendo que as alternativas cirúrgicas estão reservadas para a falência do tratamento médico, complicações como a gangrena ou perfuração, e tratamento da patologia subjacente. Nos adultos, normalmente, é necessária a cirurgia.

Última atualização: Jan 18, 2024

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Definição

A invaginação consiste na inserção da parte proximal do intestino (intussusceptum) na parte distal (intussuscipiens).

Epidemiologia

  • Incidência: 26–38 por cada 100.000 nados-vivos
  • Causa mais frequente de obstrução intestinal na faixa etária dos 6 aos 36 meses
  • 60% dos casos ocorre no 1.º ano de vida
  • Sexo masculino > sexo feminino (proporção de 3:2)
  • A prevalência é maior perto da época em que as infeções virais são mais frequentes

Etiologia

  • Idiopática (75%–80% dos casos) sem um ponto de partida principal “lead point“:
    • Mais frequente em crianças
    • Rara em adultos
  • Infeção (causa hipertrofia da placa de Peyer):
    • Infeção do trato respiratório superior (30%)
    • Enterite bacteriana
    • Imunização ou infeção recente por rotavírus
  • Patologia subjacente:
    • Divertículo de Meckel (mais comum)
    • Púrpura de Henoch-Schönlein (causa espessamento da mucosa)
    • Linfoma
    • Pólipos ou neoplasias intestinais

Fisiopatologia e Apresentação Clínica

Fisiopatologia

  • A invaginação é considerada idiopática caso não seja identificado um ponto de partida principal “lead point“.
  • A invaginação idiopática é mais frequente na população pediátrica.
  • Ponto de partida principal “lead point”: lesão que fica retida durante o peristaltismo, arrastando esse segmento intestinal para o interior da parte distal do intestino:
    • Tumor/pólipo
    • Divertículo de Meckel
    • Quisto de duplicação
    • Malformação vascular
    • Hematoma
  • Deve ser levantada a suspeita de um “lead point” patológico se:
    • Ocorrerem vários episódios de invaginação
    • Nos adultos e crianças com idade < 6 meses ou > 3 anos
  • Tendo em consideração a localização anatómica, a invaginação pode ser:
    • Ileocecal/ileocólica (mais frequente, acontece em 85%–90% dos casos)
    • Ileoileal
    • Ileocólica
    • Jejuno-ileal
    • Jejuno-jejunal
    • Colo-cólica
  • Inserção do intestino dentro de si próprio → obstrução e bloqueio da drenagem linfática
  • Aumento da pressão na parede do intestino invaginado → comprometimento da drenagem venosa e linfática → comprometimento vascular
  • Isquemia da mucosa do intestino invaginado → enfartes e descamação da mucosa intestinal → fezes sanguinolentas
  • Com a isquemia prolongada podem ocorrer necrose transmural e perfuração

Apresentação clínica

Crianças/lactentes:

  • Início súbito, com dor abdominal, em cólica, intermitente e intensa
  • Levantar as pernas em direção ao abdómen
  • Choro inconsolável
  • Os episódios ocorrem a cada 15–20 minutos e tornam-se mais frequentes com o passar do tempo.
  • Vómitos:
    • Inicialmente não biliares
    • Após episódio de dor
    • À medida que a obstrução agrava podem tornar-se biliares
  • Fezes raiadas de sangue (50% dos casos)
  • Tríade clássica (presente apenas em 15% dos casos):
    • Dor abdominal
    • Massa em forma de salsicha no QSD
    • Fezes em geleia de morango:
      • Sangue misturado com muco
      • Sugere necrose da mucosa e descamação
      • Apresentação numa fase tardia

Adultos/crianças mais velhas:

  • O sintoma mais frequente é a dor abdominal intermitente.
  • Podem ocorrer outros sintomas associados à obstrução intestinal:
    • Náuseas/vómitos
    • Obstipação
  • Sintomas relacionados com a patologia subjacente (por exemplo, neoplasia, infeção):
    • Febre
    • Perda ponderal

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Diagnóstico

Invaginação na idade pediátrica

História clínica:

  • Episódios de choro, pernas encolhidas em direção ao abdómen
  • Episódios de letargia
  • Fezes sanguinolentas
  • Vómitos
  • Febre
  • Conviventes doentes
  • Provável intoxicação alimentar/exposição a toxinas

Exame objetivo:

  • Aparência geral:
    • Palidez
    • Letargia
  • Palpação:
    • Massa em forma de salsicha no QSD
    • Sinal da dança: escavação (vazio) no QID
    • A criança pode, ou não, apresentar dor abdominal localizada
    • Defesa, dor à descompressão: normalmente, sinais que aparecem numa fase avançada associados à isquemia intestinal
  • Auscultação: ruídos hidroaéreos agudos (sugestivos de obstrução)

Imagiologia:

  • Ecografia abdominal:
    • É considerado o melhor exame a ser pedido como 1.ª linha
    • Sinal do alvo: a porção do intestino invaginada aparece como um anel dentro de um alvo (parede externa do intestino)
    • Sinal do pseudo-rim: aparência do segmento intestinal distal, semelhante a um rim
  • Radiografia abdominal:
    • Exame pouco sensível ou específico
    • Sinal em crescente: densidade dos tecidos moles a projetar-se no lúmen do cólon
    • Sinais de obstrução do intestino delgado:
      • Ansa dilatada
      • Ausência de ar no cólon
    • Pode ser visível pneumoperitoneu, se perfuração
  • TC abdominal:
    • Realizado apenas caso os exames de imagem iniciais não esclareçam o diagnóstico
    • Normalmente, identifica uma patologia subjacente, se esta estiver presente (“lead point“)
  • Enema de contraste ou pneumático:
    • Exame confirmatório
    • Exame diagnóstico e terapêutico para a invaginação ileocecal
    • Realizado via ecografia ou fluoroscopia
    • Procedimento: O ar/contraste é injetado dentro dos intestinos para criar pressão, que ejeta a parte do intestino invaginado para fora do intestino distal.

Invaginação em adultos

História clínica:

  • Revelará sintomas compatíveis com obstrução intestinal
  • A clínica pode apresentar um início agudo ou lento, insidioso e intermitente

Exame objetivo:

  • Distensão abdominal
  • Dor localizada ou difusa
  • Numa fase tardia pode ser objetivável peritonite, sugestiva de isquemia/perfuração.

Imagiologia:

  • Radiografia abdominal:
    • Inespecífica
    • Pode mostrar padrão obstrutivo:
      • Ansas do intestino delgado dilatadas
      • Ausência de ar no cólon
      • Pode ser visível pneumoperitoneu, se perfuração
  • TC abdominal:
    • Obstrução do intestino delgado:
      • Ansas do intestino delgado dilatadas
      • Intestino delgado distal e cólon colapsados
    • Espessamento da parede intestinal
    • Sinal do alvo, massa em forma de salsicha
Intussuscepção jejuno-jejunal

Invaginação jejuno-jejunal secundária a pólipo fibroide inflamatório

Imagem: “Recurrent adult jejuno-jejunal intussusception due to inflammatory fibroid polyp – Vanek’s tumour: a case report” de Joyce KM, Waters PS, Waldron RM, Khan I, Orosz ZS, Németh T, Barry K. Licença: CC BY 4.0

Tratamento

Invaginação na idade pediátrica

Tratamento inicial:

  • Pausa alimentar
  • Descompressão nasogástrica
  • Fluidoterapia

Redução não cirúrgica:

  • É o tratamento de 1.ª linha para:
    • Invaginação ileocecal
    • Doentes estáveis sem peritonite/evidência de perfuração/isquemia
  • Realizada com o enema de contraste ou pneumático
  • Taxa de sucesso: 80%–95% nos centros experientes
  • Caso a redução seja parcial, pode ser tentada uma nova redução.
  • A taxa de recorrência é de 10%–20% (50% destas ocorrem nas primeiras 72 horas).
  • Pode ser repetida a redução em doentes estáveis.

Tratamento cirúrgico:

  • Indicações:
    • Doente instável, peritonite; evidência de perfuração/isquemia
    • Tentativa de redução completa com enema mal sucedida
    • Ausência persistente de preenchimento após a redução, sugerindo a existência de uma neoplasia
    • No caso da invaginação do intestino delgado para dentro do intestino delgado:
      • Algumas vão resolver espontaneamente.
      • Habitualmente, caso a invaginação não resolva, está indicada a cirurgia.
      • Normalmente, a redução com enema não é bem-sucedida.
      • Além disso, a probabilidade de existir um “lead point“/patologia subjacente é maior
  • Procedimentos:
    • Manobra de Hutchinson:
      • Redução manual da invaginação
      • O intestino pode parecer edemaciado/inflamado, mas se viável, não é necessário ressecar.
      • Se não existir um ponto de partida principal identificado, é necessário realizar apenas a redução manual.
      • Por vezes, é realizada a apendicectomia concomitante.
      • Pode ser feita por laparotomia ou laparoscopia
    • Ressecção intestinal:
      • Realizada no caso de ocorrer perfuração intestinal
      • Realizada se intestino inviável: encarceramento permanente ou ausência de pulsação
      • Ponto de partida principal patológico identificado (divertículo de Meckel, neoplasia)
Redução da intussuscepção ileocólica

Redução da invaginação ileocólica com uso do enema baritado numa criança com 2 anos. Na última imagem é possível visualizar o preenchimento do cego e do intestino delgado distal, indicando redução completa.

Imagem: “Comparison of different modalities for reducing childhood intussusception”de Alehossein M, Babahidarian P, Salamati P. Licença: CC BY 2.5

Invaginação na idade adulta

Considerações gerais:

  • Invaginação assintomática sem obstrução:
    • Normalmente, corresponde a um achado incidental na TC
    • Resolve espontaneamente, sem ser necessário intervir
  • Invaginação associada à obstrução intestinal:
    • Normalmente, associado a um ponto de partida principal patológico (> 92% dos casos)
    • Pode envolver o intestino delgado ou o cólon
    • Requer cirurgia
    • A abordagem geral é a mesma de qualquer obstrução intestinal.

Tratamento inicial/de suporte:

  • Pausa alimentar
  • Descompressão nasogástrica
  • Fluidoterapia intravenosa, correção dos desequilíbrios eletrolíticos

Cirurgia:

  • O procedimento cirúrgico depende da causa subjacente
  • Normalmente, consiste na ressecção intestinal/do ponto de partida principal patológico (neoplasia, divertículo de Meckel)
Imagem intraoperatória de uma intussuscepção ileoileal

Imagem intraoperatória de uma invaginação ileoileal

Imagem: “Ileoileal intussusception induced by a gastrointestinal stromal tumor” de Vasiliadis K, Kogopoulos E, Katsamakas M, Karamitsos E, Tsalikidis C, Pringos B, Tsalikidis A. Licença: CC BY 2.0

Diagnóstico Diferencial

  • Volvo: obstrução do intestino delgado secundária a má rotação intestinal nas crianças. Os doentes apresentam manifestações semelhantes às da invaginação, com vómitos e retração dos joelhos. O diagnóstico pode ser estabelecido através da ecografia ou imagem do trato grastrointestinal superior. Esta condição requer cirurgia de emergência para distorção intestinal.
  • Hérnia inguinal estrangulada: hérnia inguinal não redutível que contem uma ansa intestinal com compromisso do suprimento sanguíneo. Apresenta-se como uma massa inguinal irredutível, normalmente dolorosa e associada a sintomas de obstrução do intestino delgado. Habitualmente, o diagnóstico é feito através do exame objetivo. O tratamento consiste na reparação cirúrgica emergente de hérnia.
  • Gastroenterite: infeção viral aguda do trato gastrointestinal que se manifesta com diarreia e dor abdominal. Normalmente, a diarreia aquosa é uma característica proeminente e o diagnóstico é estabelecido clinicamente. Normalmente, o diagnóstico é de suporte e consiste em hidratação oral ou intravenosa.
  • Cólicas: episódios agudos de dor abdominal associados a choro e irritabilidade no lactente. Pode ser confundido com invaginação, mas o lactente é saudável e próspero, com exame objetivo normal.
  • Apendicite: inflamação aguda do apêndice. Em crianças pequenas, manifesta-se por dor abdominal e crises de choro. Normalmente, o quadrante inferior direito é extremamente doloroso ao exame físico, sem massa palpável. O diagnóstico é estabelecido com base no exame objetivo e exames de imagem, normalmente, a ecografia em crianças. O tratamento consiste na apendicectomia.

Referências

  1. Bordeianou L., Yeh D.D. (2019). Etiologies, clinical manifestations, and diagnosis of mechanical small bowel obstruction in adults. Retrieved 12 February 2021, from https://www.uptodate.com/contents/etiologies-clinical-manifestations-and-diagnosis-of-mechanical-small-bowel-obstruction-in-adults
  2. Erkan N, Haciyanli M, Yildirim M, Sayhan H, Vardar E, Polat A.F. Intussusception in adults: an unusual and challenging condition for surgeons. Int J Colorectal Dis. 2005;20(5):452. Epub 2005 Mar 10. 
  3. Nghia V, Sato T.T. (2020). Intussusception in children. Retrieved 12 February 2021, from: https://www.uptodate.com/contents/intussusception-in-children
  4. Ntoulia A, Tharakan S.J., Reid J.R., Mahboubi S. Failed Intussusception Reduction in Children: Correlation Between Radiologic, Surgical, and Pathologic Findings. AJR Am J Roentgenol. 2016;207(2):424. Epub 2016 May 25.
  5. Williams N., Bulstrode Ch. (2013). Bailey and Love’s Short Practice of Surgery 26th edition (pg 1184-1185).

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