Intolerância à Lactose

A intolerância à lactose (LI) é uma condição clínica que se apresenta com sintomas intestinais após a ingestão de lactose. A má absorção nem sempre está presente, mas quando existe, a causa mais comum é o défice de lactase devido à não persistência da enzima. A lactose é um dissacarídeo presente no leite que requer a lactase para a decompor nos seus 2 constituintes absorvíveis, a glucose e a galactose. A LI apresenta-se tipicamente com distensão e cólicas abdominais, diarreia e flatulência. A suspeita do diagnóstico de IL pode ser clínica, com base nos sintomas após uma refeição contendo lactose e confirmado por um teste respiratório do hidrogénio com lactose. O objetivo do tratamento é eliminar os sintomas, mantendo, ao mesmo tempo, uma ingestão suficiente de cálcio e vitamina D.

Última atualização: Mar 11, 2023

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Epidemiologia

  • Em crianças: a prevalência é baixa em crianças com idade < 6 anos → a atividade da lactase, geneticamente regulada, começa a diminuir após o desmame do leite materno
  • Em adultos:
    • > 70% dos adultos apresentam um défice primário de lactase (DL), mas menos de metade tem intolerância à lactose (IL).
    • População com menor prevalência de DL: Europeus do Norte
    • População com maior prevalência de DL: Africanos, Afro-Americanos, Asiáticos, Asiáticos Americanos, Hispânicos e Nativos Americanos

Etiologia

DL primário

  • Também intitulado de défice de lactase primário adquirido, ausência de persistência de lactase e hipolactasia primária do adulto
  • Forma mais frequente de DL (> 70% dos adultos); a regulação epigenética do gene da lactase, determinada geneticamente, diminui, parcial ou totalmente, a atividade da lactase após o desmame do leite
  • Mais da metade das pessoas com DL primário não apresenta IL.

DL secundário

  • Diminuição da lactase e de outras enzimas da bordadura em escova, assim como anomalias nos mecanismos de transporte
  • Causado por infeção do intestino delgado ou doença primária da mucosa, como doença celíaca

Formas menos frequentes de DL

  • Congénitas (por exemplo, deficiência rara de lactase)
  • Do desenvolvimento: em lactentes prematuros, dado que a atividade da lactase desenvolve-se no final da gestação

Fisiopatologia

Considerações gerais

  • Adultos: A maioria tem DL primário, mas normalmente não desenvolvem IL.
  • Lactentes: todos os lactentes têm lactase, cuja função é digerir a lactose → carbohidrato em maior quantidade no leite materno (responsável por 40% das calorias do leite).
  • Os carbohidratos são absorvidos unicamente no intestino delgado e apenas como monossacarídeos.

Lactase

  • Uma das enzimas presentes na bordadura em escova do intestino delgado
  • Decompõe a lactose em glicose e galactose, que são transportadas ativamente para dentro dos enterócitos através do cotransportador sódio/glicose (galactose) (SGLT1)
  • A atividade da lactase decresce durante o desmame do aleitamento e está ausente após os 6 anos de idade em >70% das pessoas, com consequente DL primário, mas não necessariamente IL.
  • No DL secundário, os níveis de atividade das outras enzimas e os mecanismos de transporte também diminuem, secundariamente a infeção ou inflamação do intestino delgado.

Efeitos da lactose não digerida

  • A lactose não digerida provoca um gradiente osmótico que puxa a água e eletrólitos para o intestino → diarreia aquosa
  • Ocorre a produção de gás no cólon resultante da fermentação bacteriana (hidrogénio, dióxido de carbono e metano):
    • Resulta em distensão excessiva, flatulência e dor abdominal
    • Adaptação do cólon ou “processamento aprimorado da lactose no cólon”: diminuição dos sintomas de intolerância, provavelmente relacionada com a alteração do microbioma → redução dos sintomas
  • A probabilidade de desenvolver sintomas após a ingestão de lactose depende de vários fatores.
Patogênese dos sintomas de intolerância à lactose

Patogénese dos sintomas da IL:
A probabilidade de uma pessoa com DL primária desenvolver sintomas após a ingestão de lactose depende de vários fatores.

Imagem de S. Oiseth, Lecturio.

Apresentação Clínica

Crianças e adolescentes

  • Não é frequente o aparecimento de sinais compatíveis com IL abaixo dos 6 anos
  • Diarreia, com fezes volumosas, espumosas e aquosas
  • Incapacidade de ganhar peso
  • Dor abdominal
  • Distensão abdominal
  • Flatulência
  • Náuseas
  • Vómitos

Adultos

  • Os sintomas dependem de vários fatores, incluindo da quantidade de lactose ingerida: normalmente é necessária a ingestão de > 480 mL (2 copos) de leite
  • Dor abdominal
  • Distensão abdominal
  • Flatulência
  • Náuseas
  • Vómitos
  • A diarreia é rara em adultos.

Diagnóstico

Considerar o diagnóstico de IL caso os sintomas típicos ocorram dentro de poucas horas após a ingestão de uma refeição que contenha lactose e desapareçam após 5 a 7 dias.

Estudos para o DL

Nota: Os estudos realizados para o DL não são suficientes para confirmar IL, exceto se os sintomas também forem provocados pela ingestão de lactose.

  • Questionário validado
  • Teste respiratório do hidrogénio:
    • Avalia a má absorção da lactose
    • Método de avaliação em adultos:
      • Administrar 50 g de lactose por via oral e obter uma amostra do hidrogénio expirado no início e a cada 30 minutos durante 3 a 4 horas.
      • Um aumento na concentração do hidrogénio de 20 partes por milhão (ppm) acima da linha de base é diagnóstico de má absorção de lactose.
      • Sensibilidade: 78%; especificidade: 98%
  • Biópsia do intestino delgado:
    • Considerado o exame de diagnóstico “gold standard“, mas raramente realizado por ser invasivo
    • Pode ajudar a distinguir entre DL primário e secundário

Causas secundárias de DL

Quando é realizado o diagnóstico, devem ser sempre consideradas possíveis causas secundárias do DL:

  • Enterite infeciosa, incluindo giardíase
  • Doença celíaca
  • Doença inflamatória intestinal (principalmente doença de Crohn)
  • Enterite induzida por fármacos ou radiação
  • Supercrescimento bacteriano intestinal secundário

Tratamento

Intolerância à lactose primária

  • Restrição de lactose:
    • Reduzir a quantidade para ≤ 480 mL (2 copos) de leite, ou equivalente, por dia.
    • Deve ser consumida com outros alimentos para atrasar o esvaziamento gástrico
    • O consumo diário de lactose é melhor comparativamente com a ingestão intermitente devido à adaptação do cólon.
    • O leite e os gelados apresentam as quantidades mais elevadas de lactose: o alto teor de gordura pode aliviar os sintomas ao atrasar a taxa de esvaziamento gástrico.
    • Queijos: normalmente, contêm menores quantidades de lactose
    • Os iogurtes de cultura viva contém lactase endógena → decompõe a lactose em galactose e glicose
  • Substituir os produtos lácteos por pré-digeridos ou produtos vegan.
  • Preparações com a enzima lactase: não hidrolisam completamente a lactose ingerida; a eficácia é altamente variável
  • Aumentar o consumo de cálcio e vitamina D, com suplementos, se necessário, caso o doente evite todos os laticínios → monitorizar os níveis séricos

Intolerância à lactose secundária

Tratar a patologia primária. Pode demorar meses até que a atividade da lactase regresse ao normal.

Diagnóstico Diferencial

  • Alergia à proteína do leite de vaca: alergia alimentar mais frequente em crianças pequenas, mas rara em adultos. As proteínas do leite de vaca podem provocar uma resposta imune mediada/ou não por IgE. O diagnóstico é feito com base no doseamento de anticorpos IgE específicos e/ou pela eliminação dietética.
  • Intolerância à proteína alimentar: pode manifestar-se com sintomas semelhantes com os da IL, causados pelos componentes não absorvidos no intestino. Embora, a associação temporal dos sintomas com o alimento ingerido possa sugerir qual é o produto alimentar responsável, a melhor forma para diferenciar as 2 patologias é através do teste de hidrogénio expirado ou de uma dieta sem lactose.
  • Síndrome do intestino irritável: pode apresentar sintomas semelhantes (dor abdominal, distensão abdominal e diarreia) e pode agravar uma IL coexistente. A associação temporal dos sintomas apenas com a ingestão de produtos lácteos sugere intolerância à lactose. A melhor forma para diferenciar as duas patologias é através de um teste de hidrogénio expirado ou de uma dieta sem lactose.
  • Diarreia pediátrica: apresenta muitas causas potenciais, incluindo diarreia secretora e osmótica, distúrbios da motilidade e diarreia causada pela diminuição da área de superfície. Existem várias ferramentas de diagnóstico disponíveis.
  • Absorção incompleta de carbohidratos simples ingeridos por via oral: estes carbohidratos incluem o sorbitol, manitol, xilitol, frutose e FODMAPsfermentable oligo-, di-, monosaccharides, and polyols (oligo- , di- , monossacarídeos fermentáveis e polióis). O sorbitol, manitol e xilitol são utilizados como adoçantes artificiais, e o manitol é utilizado como laxante. Habitualmente, o diagnóstico é simples e baseia-se na história alimentar ou num teste respiratório para a frutose.

Referências

  1. Hammer, H.F., Högenauer, S. (2020). Lactose intolerance: Clinical manifestations, diagnosis, and management. UpToDate. Retrieved December 18, 2020, from https://www.uptodate.com/contents/lactose-intolerance-clinical-manifestations-diagnosis-and-management
  2. Binder, H.J.  (2018). Disorders of absorption/carbohydrates. In Jameson, J.L., et al. (Ed.), Harrison’s Principles of Internal Medicine (20th ed. Vol 1, p. 2248).
  3. Seetharam, B., Perrillo, R., Alpers, D.H. (1980). Effect of pancreatic proteases on intestinal lactase activity. Gastroenterology. 1980 Nov;79(5 Pt 1):827-32. PMID: 6774905.
  4. Suarez, F.L., Savaiano, D.A., Levitt, M.D. (1995). A comparison of symptoms after the consumption of milk or lactose-hydrolyzed milk by people with self-reported severe lactose intolerance. The New England Journal of Medicine, 333(1), 1–4.
  5. Gerbault, P., Liebert, A., Itan, Y., Powell, A., Currat, M., Burger, J., Swallow, D.M., Thomas, M.G. (2011). Evolution of lactase persistence: an example of human niche construction. Philosophical transactions of the Royal Society of London. Series B, Biological sciences, 366(1566), 863–877. https://doi.org/10.1098/rstb.2010.0268
  6. Forsgård R. A. (2019). Lactose digestion in humans: intestinal lactase appears to be constitutive whereas the colonic microbiome is adaptable. The American Journal of Clinical Nutrition, 110(2), 273–279. https://doi.org/10.1093/ajcn/nqz104

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