Infeções por Listeria monocytogenes

Listeria spp. são bacilos intracelulares facultativos, gram-positivos, móveis, flagelados. A principal espécie patogénica é Listeria monocytogenes. A Listeria faz parte da flora gastrointestinal normal de mamíferos domésticos e aves e é transmitida ao homem através da ingestão de alimentos contaminados, sobretudo lacticínios não pasteurizados. A Listeria também pode infetar o feto no útero ou recém-nascidos durante o parto vaginal. Indivíduos saudáveis expostos a L. monocytogenes geralmente não adoecem se o inóculo for pequeno, ou podem desenvolver gastroenterite autolimitada. Os indivíduos imunodeprimidos ou idosos, recém-nascidos e mulheres grávidas podem desenvolver doença invasiva, nomeadamente meningite e bacteriemia. O tratamento da listeriose invasiva inclui ampicilina e gentamicina.

Última atualização: Jul 8, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Classificação

Fluxograma de microbiologia classificação de bactérias gram-positivas

Bactérias gram-positivas:
A maioria das bactérias pode ser classificada de acordo com um procedimento de laboratório chamado coloração de Gram.
As bactérias com paredes celulares que possuem uma camada espessa de peptidoglicano retêm a coloração de cristal violeta utilizada na coloração de Gram, mas não são afetadas pela contracoloração de safranina. Estas bactérias aparecem azul-púrpura na coloração, o que indica que são gram-positivas. As bactérias podem ainda ser classificadas de acordo com a morfologia (filamentos ramificados, bacilos e cocos em aglomerados ou cadeias) e capacidade de crescer na presença de oxigénio (aeróbio versus anaeróbio). Os cocos também podem ser identificados. Os estafilococos podem ser reduzidos com base na presença da enzima coagulase e na sua sensibilidade ao antibiótico novobiocina. Os estreptococos são cultivados no meio agar de sangue e classificados com base no padrão de hemólise (α, β ou γ). Os estreptococos são ainda mais reduzidos com base na sua resposta ao teste de pirrolidonil-β-naftilamida (PYR), sensibilidade a antimicrobianos específicos (optoquina e bacitracina) e capacidade de crescer em meio de cloreto de sódio (NaCl).

Imagem por Lecturio. Licença: CC BY-NC-SA 4.0

Características Gerais

As características gerais das espécies de Listeria incluem:

  • Bacilos Gram-positivos
  • Mobilidade através de flagelos em cultura (mobilidade oscilante a 22-28°C (71,6-82,4°F), mas não a 37°C (98,6°F)
  • Mobilidade através de movimentos de célula a célula no microorganismo hospedeiro
  • Anaeróbios intracelulares facultativos
  • Catalase positivos
  • Não produtores de esporos
  • Conseguem sobreviver e crescer a baixas temperaturas (até 1ºC (33,8°F)), baixo pH e condições de alto teor de sal
  • Apresentam uma β-hemolisina fraca, também conhecida como listeriolisina O (LLO), importante na patogénese
Micrografia eletrônica de varredura da bactéria listeria monocytogenes

Micrografia eletrónica da bactéria Listeria monocytogenes

Imagem: “2287” por Elizabeth White. Licença: Domínio Público

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Fisiopatologia

Fatores de virulência

  • O crescimento intracelular protege as bactérias da resposta imune humoral.
  • O movimento célula a célula de bactérias dentro do hospedeiro permite a disseminação da infeção sem expôr as bactérias ao sistema imunológico.
  • A bactéria L. monocytogenes produz várias proteínas que são cruciais para sua patogénese:
    • LLO, uma β-hemolisina fraca semelhante à estreptolisina; leva à ruptura da membrana do vacúolo fagocítico, permitindo a sua sobrevivência intracelular e saída dos fagossomas.
    • A fosfolipase A (PlcA) e B (PlcB) auxiliam a “fuga” da bactéria dos vacúolos da célula hospedeira.
    • A proteína indutora da montagem de actina (ActA) é responsável pela mobilidade intracelular.
    • As internalinas (InlA e InlB) são proteínas com atividade de invasinas, que medeiam a invasão bacteriana de células hospedeiras via proteínas transmembranares de caderina e recetores Met, respetivamente.

Patogénese

  1. Exposição de um indivíduo saudável a grandes quantidades de L. monocytogenes ou de um indivíduo imunodeprimido, idoso, grávida ou recém-nascido a pequenas quantidades de L. monocytogenes
  2. As proteínas adesinas facilitam a ligação às células hospedeiras e as internalinas interagem com a E-caderina na superfície da célula hospedeira, promovendo a fagocitose de bactérias livres.
  3. A listeriolisina O provoca a rutura do fagolisossoma → libertação de bactérias no citoplasma da célula fagocítica → replicação das bactérias
  4. A ActA induz a polimerização de actina (“foguetes de actina”) → deslocação das bactérias para a superfície da célula onde formam projeções de filopódios
  5. As projeções, ou filopódios, são ingeridas por células epiteliais não fagocitárias adjacentes.
  6. As bactérias tornam-se apenas agentes patogénicos intracelulares, propagando-se de célula em célula sem exposição a anticorpos, complemento ou neutrófilos.
L. Monocytogenes cycle of infection

Ciclo de infeção da Listeria monocytogenes:
(A) A L. monocytogenes invade a célula hospedeira através da interação das internalinas de superfície A e B (InlA e InlB) com os recetores de superfície E-caderina e c-Met da célula hospedeira, respetivamente.
(B) A Listeria escapa dos fagossomas através da ação das toxinas LLO, PlcA e PlcB.
(D) A Listeria replica-se no citosol e dirige-se para a superfície celular via polimerização da actina, (E) promovendo a disseminação célula-a-célula.
(F) A rutura dos 2 vacúolos da membrana também é mediada pela LLO e toxinas da fosfolipase.
InIA: internalina A
InlB: internalina B
LLO: listeriolisina O
PlcA: fosfolipase A
PlcB: fosfolipase B
ActA: proteína A indutora da montagem da actina

Imagem por Lecturio.

Resposta imune

  • Imunidade inata:
    • Mediada por neutrófilos, macrófagos, citocinas e quimiocinas
    • Evitada devido à natureza intracelular e disseminação célula a célula
  • Imunidade adquirida
    • Mediada por células porque a Listeria permanece intracelular
    • As vacinas mortas não fornecem imunidade protetora, já que não provocam uma resposta mediada por células.

Transmissão e Epidemiologia

Transmissão

  • Ingestão de alimentos contaminados
    • Produtos lácteos não pasteurizados (por exemplo, queijos cremosos e leite cru)
    • Carne crua ou fumada
  • Transmissão transplacentária para o feto
  • Transmissão vaginal para o recém-nascido durante o parto
  • Não ocorre transmissão de pessoa para pessoa ou pela água.
  • O período de incubação após a exposição à bactéria pode durar de 1 a 70 dias, mas os sintomas desenvolvem-se geralmente dentro de 30 dias.

Fatores de risco

Em certas populações pode desenvolver-se uma forma invasiva da doença:

  • Indivíduos imunodeprimidos
  • Idosos (> 65 anos de idade)
  • Recém-nascidos
  • Mulheres grávidas (aumenta o risco em 10 vezes)
    • Relacionado com os mecanismos de tolerância fetomaternal, incluindo diminuição do número de células T circulantes durante a gravidez
    • 70%–90% dos fetos de mulheres infetadas são também infetados.
  • Doença gastrointestinal pré-existente (por exemplo, doença inflamatória intestinal, infeção por Clostridium difficile) pode aumentar o risco de infeção invasiva por Listeria ou exacerbar a condição pré-existente.

Epidemiologia

  • L. monocytogenes apresenta uma ampla distribuição.
    • Na natureza: solo, trato intestinal de mamíferos domésticos, roedores e pássaros
    • Aproximadamente 0.1%–5% dos adultos saudáveis assintomáticos podem revelar culturas de fezes positivas para L. monocytogenes.
  • A maioria das infeções são esporádicas, mas podem ocorrer surtos.
  • Incidência nos Estados Unidos: 1.600/ano (com aproximadamente 260 mortes/ano)

Apresentação Clínica

Dependendo do tamanho do inóculo e do sistema imunológico do indivíduo, a infeção por L. monocytogenes pode manifestar-se de várias formas.

  • Os indivíduos saudáveis normalmente não adoecem ou podem desenvolver gastroenterite autolimitada.
  • Os indivíduos de alto risco podem desenvolver doença invasiva, conhecida como listeriose, incluindo:
    • Bacteriemia
    • Infeção do sistema nervoso central (SNC): meningite, meningoencefalite, abcesso cerebral
    • Corioamnionite, aborto ou nado-morto nas mulheres grávidas
    • Listeriose congénita em fetos e recém-nascidos
Tabela: Infeções por Listeria monocytogenes
Tipo de apresentação clínica Características clínicas
Gastroenterite autolimitada Em indivíduos saudáveis <48 horas após a ingestão de grande inóculo em alimentos contaminados:
  • Febre
  • Diarreia aquosa
  • Cefaleia
  • A bacteriemia é rara
Não é necessário tratamento
Bacteriemia/Sépsis Em indivíduos imunodeprimidos ou idosos:
  • Febre
  • Diarreia aquosa
  • Mialgias/artralgias
  • Cefaleia
  • Doença semelhante à gripe
  • Náuseas e/ou vómitos
Infeções do SNC Em indivíduos imunodeprimidos ou idosos:
  • Meningite
  • 5–10% de todos os casos de meningite adquirida na comunidade nos Estados Unidos
    • Pode simular meningite assética nos indivíduos portadores de doença crónica ou idosos
    • Apresenta-se com rigidez da nuca, alteração do estado de consciência, ataxia e convulsões (frequentemente subagudas)
    • LCR: contagem de leucócitos <1.000/µL
  • Podem surgir abcessos cerebrais.
    • O LCR pode estar normal.
    • As sequelas neurológicas devido ao efeito de massa.
Infeção em grávidas
  • Pode levar a aborto espontâneo e nado-morto
  • O envolvimento do SNC é raro.
  • A sépsis pode apresentar-se como uma doença semelhante à gripe e facilita a transmissão transplacentária.
  • Pode evoluir para corioamnionite aguda, com intervilosite aguda e microabcessos intervilosos ao nível da placente
Infeção em fetos/recém-nascidos (listeriose congénita)
  • 70%–90% dos fetos são infetados.
  • Taxa de mortalidade:
    • Fetos no útero têm uma taxa de mortalidade de 50%.
    • Os recém-nascidos vivos, se tratados, têm uma taxa de mortalidade de 20%.
  • Início precoce:
    • Também conhecida como granulomatose infantil sética
    • Infeção fetal por transmissão transplacentária
    • Leva a microabcessos miliares generalizados e granulomas
  • Início tardio:
    • Infeção neonatal durante ou logo após o nascimento
    • Apresenta-se 2-3 semanas após a exposição como meningite e sépsis neonatal

Diagnóstico e Tratamento

Diagnóstico

  • A confirmação do agente etiológico não é necessária nos indivíduos saudáveis que se manifestam com gastroenterite autolimitada.
  • A doença invasiva pode ser diagnosticada através da identificação bacteriana.
    • A Listeria é identificada através da mobilidade ou crescimento característico em temperaturas frias.
    • A identificação pode ser feita por meio de cultura de sangue ou LCR.
  • A análise do LCR é sugestiva de meningite bacteriana se:
    • Leucocitose (neutrofilia)
    • Níveis elevados de proteína
    • Glicose diminuída

Tratamento

  • Gastroenterite autolimitada não complicada: sem tratamento
  • Doença invasiva:
    • Ampicilina IV nos adultos
    • Ampicilina e gentamicina IV nos recém-nascidos
    • Trimetoprim-sulfametoxazol (TMP-SMX) IV nos pacientes alérgicos à penicilina

Prevenção

  • Evitar lacticínios não pasteurizados
  • Cozinhar bem todas as carnes
  • Lavar os legumes frescos antes do seu consumo

Diagnóstico Diferencial

O diagnóstico diferencial da listeriose inclui todas as causas de meningite ou sépsis.

Meningite bacteriana Meningite viral Meningite fúngica/tuberculosa (TB)
Glicose Normal
Proteínas Normal
WBC ↑ Leucócitos polimorfonucleares (PMNs) ↑ Linfócitos ↑↑ Linfócitos
Pressão de abertura Normal ↑↑
Cor Turva Clara ou henorrágica Clara ou opaca

Referências

  1. Riedel, S., Hobden, J.A. (2019). In Riedel, S, Morse, S.A., Mietzner, T., Miller, S. (Eds.), Jawetz, Melnick, & Adelberg’s Medical Microbiology (28th ed, pp. 199–201).
  2. Hohmann, E.L., Portnoy, D.A. (2018). In Jameson, J.L., et al. (Ed.), Harrison’s Principles of Internal Medicine (20th ed. Vol 2, pp. 1100–1102). 
  3. Gelfand, M.S. (2020). Clinical manifestations and diagnosis of Listeria monocytogenes infection. Uptodate. Retrieved November 2, 2020, from https://www.uptodate.com/contents/clinical-manifestations-and-diagnosis-of-listeria-monocytogenes-infection?search=listeria&source=search_result&selectedTitle=1~150&usage_type=default&display_rank=1
  4. Medawar’s paradox and immune mechanisms of fetomaternal tolerance. (2020). OBM Transplantation | Medawar’s Paradox and Immune Mechanisms of Fetomaternal Tolerance. Retrieved November 4, 2020, from https://www.lidsen.com/journals/transplantation/
  5. U.S. Department of Agriculture. FSIS best practices guidance for controlling Listeria monocytogenes (Lm) in retail delicatessens. Retrieved November 3, 2020, from https://www.fsis.usda.gov/wps/portal/fsis/topics/regulatory-compliance/compliance-guides-index/controlling-lm-retail-delicatessens
  6. Vázquez-Boland J.A., Kuhn M, Berche P, Chakraborty T, Domínguez-Bernal G, Goebel W., González-Zorn B, Wehland J, Kreft J (2001). Listeria Pathogenesis and Molecular Virulence Determinants. Clin Microbiol Rev. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC88991/

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