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Infeções Cirúrgicas

Uma infeção é uma proliferação de microorganismos em tecidos, cavidades corporais ou espaços, que induz uma resposta imunológica, sobrecarregando os mecanismos de defesa natural do corpo. Em pacientes cirúrgicos, estas infeções são frequentemente causadas pela translocação de organismos comensais para tecidos mais profundos, associada ao comprometimento das defesas do hospedeiro, devido a lesão cirúrgica ou stress. As infeções geralmente identificadas em pacientes após a cirurgia incluem infeções do local cirúrgico, infeções associadas ao cateter e infeções associadas à ventilação mecânica. Os subtipos de infeção podem ser prevenidos, diagnosticados ou tratados usando diversas estratégias. Os pilares do tratamento em pacientes cirúrgicos envolvem o controlo local da infeção, bem como a antibioterapia direcionada.

Última atualização: May 5, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

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Descrição Geral

Definição

A infeção cirúrgica é uma condição clínica que se manifesta quando os fatores de virulência de um microorganismo introduzido durante os procedimentos cirúrgicos superam as respostas imunológicas inatas e adaptativas do hospedeiro.

Tipos de infeções cirúrgicas

  • Pneumonia associada à ventilação mecânica
  • Infeções do trato urinário associadas ao cateter vesical
  • Infeções associadas ao cateter venoso central
  • Infeções do local cirúrgico (desenvolvem-se dentro de 30 dias após o procedimento ou dentro de 90 dias após o implante de um material prostético):
    • Superficiais: infeções superficiais da pele e dos tecidos moles ao redor dos locais de incisão.
    • Profundas: infeção envolvendo a fáscia ou espaços profundos (e.g., abcesso abdominal ou pélvico)

Fatores de risco

  • Fatores do paciente:
    • Diabetes mellitus
    • Obesidade
    • Desnutrição
    • Doença vascular periférica
    • Irradiação prévia da área
    • Extremos de idade
    • Hipotermia
    • Corticoterapia
  • Fatores relacionados com o tratamento:
    • Uso de cateteres de longa duração
    • Desinfeção e técnicas estéreis deficientes para procedimentos invasivos ou cuidados com cateteres
    • Drenos
    • Procedimentos emergentes
    • Profilaxia antibiótica ausente ou inadequada
    • Internamento prolongado
    • Tempo de operação prolongado

Etiologia e Fisiopatologia

Etiologia

Existem diversos fatores que tornam os pacientes submetidos a cirurgias particularmente suscetíveis a infeções nosocomiais:

  • As incisões realizadas durante os procedimentos cirúrgicos podem servir como local de porta de entrada direta.
  • A doença cirúrgica cria um estado de imunossupressão.
  • Períodos de ventilação mecânica durante e após a cirurgia:
    • Risco de pneumonia
    • Aumento do risco de aspiração

Fisiopatologia

A presença de bactérias pode ou não estar associada a uma infeção clinicamente significativa.

  • Colonização: As bactérias estão presentes, mas não desencadeiam uma resposta imunológica com sinais e sintomas de doença local ou sistémica.
  • Infeção: A proliferação de microorganismos nos tecidos, órgãos ou cavidades desencadeia uma resposta imunológica que leva a uma doença local e/ou sistémica.
  • Sépsis: disfunção orgânica potencialmente fatal causada por uma resposta excessiva e desproporcional do hospedeiro a infeções

Patogénese da infeção

  • Após a entrada de agentes microbianos, os mecanismos de defesa do hospedeiro (i.e., barreiras físicas dos tecidos, lactoferrina e transferrina que sequestram o ferro, fibrinogénio) atuam de forma a controlar e/ou eliminar os agentes patogénicos:
    • Na cavidade peritoneal, o movimento do diafragma extrai o fluido peritoneal, contendo microorganismos, da cavidade abdominal para a circulação linfática.
    • Os macrófagos, baixos níveis de proteínas do complemento (C) e imunoglobulinas inserem-se na grande maioria dos tecidos para ajudar na resposta de defesa do hospedeiro.
  • Os macrófagos secretam citocinas (fator de necrose tumoral (TNF)-α; IL-1β, 6, e 8; e interferão (IFN)-γ) para recrutar e ativar células inflamatórias.
  • Potenciais resultados:
    • O microorganismo é erradicado.
    • Contenção no parênquima (i.e., abcesso)
    • Infeção localizada, com sintomas locais (i.e., celulite)
    • Infeção sistémica (bacteremia ou fungemia) com sinais e sintomas associados (i.e., febre, taquicardia)
Locais de colonização bacteriana

Locais de colonização bacteriana e colonizadores comuns

Imagem de Lecturio. Licença: CC BY-NC-SA 4.0

Apresentação Clínica

Período de tempo da infeção

  • Pós-operatório precoce (1-3 dias):
    • Considerar sempre uma infeção adquirida na comunidade pré-existente.
    • Infeção precoce do local cirúrgico:
      • Streptococcus do Grupo A
      • Clostridium perfringens
    • Pneumonia: pico de incidência no 2º dia de pós-operatório
    • Infeção do trato urinário: deve ser considerada em qualquer paciente com cateter vesical colocado
  • Pós-operatório tardio (> 3 dias):
    • A infeção do local cirúrgico é a causa mais comum.
    • Infeções associadas ao cateter
    • Infeções associadas a antibióticos: C. difficile

Exame objetivo

Sinais de inflamação sistémica (SIRS):

  • Temperatura > 38ºC (100.4ºF) ou < 35ºC (95ºF)
  • FC > 90/min
  • FR > 20/min ou PaCO2 < 35 mm Hg
  • Leucócitos > 12.000 (leucocitose) ou < 4.000 (leucopenia)

Achados específicos relacionados com infeções cirúrgicas:

  • Dor no local da ferida cirúrgica ou na região que a circunda
  • Vermelhidão (eritema) da incisão cirúrgica
  • Drenagem purulenta da ferida cirúrgica
  • Dor à descompressão
  • Defesa
  • Peritonite

Sinais de choque:

  • Hipotensão
  • Palidez
  • Diaforese
  • Rigidez
  • Alteração do estado de consciência

Diagnóstico

Valores laboratoriais

  • Leucócitos > 10.000
  • ↑ Creatinina sérica
  • ↑ Azoto ureico
  • ↑ PCR, velocidade de sedimentação
  • Ácido láctico
  • Análise sumária de urina
  • Microbiologia:
    • Urocultura
    • Cultura de expetoração
    • Coloração de Gram e cultura de secreções da ferida ou coleção
    • Hemoculturas

Imagiologia

  • Radiografia:
    • Modalidade de imagem de 1ª linha na maioria dos casos
    • Tórax: avaliar infiltrados ou condensações se > preocupação por suspeita de pneumonia
    • Abdómen: em pé para avaliação de ar livre
  • TC:
    • Modalidade de imagem de 2ª linha na maioria dos casos se o paciente estiver estável
    • Mais sensível do que a radiografia na deteção de condensações, infiltrados e derrame
    • A TC abdominal identifica ar livre, fluido livre e inflamação intestinal.
    • As infeções de tecidos moles podem ser identificadas através da presença de densificação, ou de gás nos tecidos, sugerindo uma infeção necrosante.
  • Ressonância magnética (RM):
    • Raramente a modalidade de 1ª linha, exceto em crianças e grávidas
    • Colangiopancreatografia de ressonância magnética para imagiologia do sistema biliar
  • Ecografia

Prevenção

A prevenção de infeções cirúrgicas depende em grande parte da técnica estéril, da higienização das mãos e da administração de antibióticos profiláticos.

Higienização das mãos

  • Os 5 passos de higienização das mãos da OMS:
    • Antes de tocar num paciente
    • Antes de um procedimento limpo/asséptico
    • Após o risco de exposição a fluidos corporais
    • Após tocar num paciente
    • Após tocar no ambiente de um paciente
  • Sabão e água, ou desinfetantes à base de álcool são ambos aceitáveis (exceção: para C. difficile, devem ser usados sabão e água, uma vez que o álcool não elimina esporos bacterianos).

Rastreio pré-operatório de MRSA

  • Pode reduzir a transmissão de MRSA nas enfermarias
  • As precauções de contacto são iniciadas para pacientes com infeções ou colonização por MRSA conhecidas:
    • Bata, máscara e luvas ao entrar no quarto do paciente
    • Higienização das mãos
  • No caso de resultados positivos, é iniciada terapêutica de descolonização e profilaxia antibiótica antes do procedimento.

Técnica estéril

Termo usado para descrever as medidas tomadas pela equipa cirúrgica antes e durante um procedimento cirúrgico para prevenir o desenvolvimento de infeções pós-operatórias, entre as quais:

  • Lavagem das mãos:
    • Antes de cada procedimento, utilizando uma solução cirúrgica antisséptica aquosa selecionada pela instituição
    • Pelo menos 3 minutos de tempo de lavagem
  • EPI:
    • Batas estéreis
    • Luvas
    • Touca cirúrgica
    • Viseira de proteção facial
  • Preparação do local cirúrgico:
    • Clorexidina
    • Betadine
  • Instrumentos cirúrgicos devidamente esterilizados ou de uso único

Profilaxia antibiótica

  • Cobertura antibiótica para prevenir a proliferação de microrganismos comensais
  • A seleção depende de:
    • Procedimento a ser realizado
    • Agentes patogénicos expectáveis
    • Perfis de resistência locais
    • Gravidade da doença
    • Idade do paciente
    • Imunossupressão
    • Disfunção orgânica
    • Alergias
    • Guidelines institucionais
  • São utilizadas doses únicas por serem tão eficazes como os esquemas de antibioterapia multidose.
  • Deve ser dada atenção ao timing da administração para que sejam atingidas concentrações séricas adequadas antes do início do procedimento cirúrgico.
  • Procedimentos cardíacos, vasculares e ortopédicos:
    • Cefazolina ou cefuroxima
    • Vancomicina
  • Procedimentos GI:
    • Oral:
      • Neomicina e eritromicina
      • Metronidazol
    • EV:
      • Cefoxitina/cefotetano
      • Ertapenem
      • Ampicilina-sulbactam
      • Cefazolina com metronidazol
  • Procedimentos ginecológicos:
    • Cefazolina, cefoxitina, cefotetano ou cefuroxima
    • Ampicilina-sulbactam

Tratamento

O tratamento das infeções cirúrgicas é descrito usando o termo “controlo da fonte”, o que implica a combinação do tratamento cirúrgico (se indicado) com a administração de antibioterapia.

Política antibiótica

  • Evitar antibióticos em infeções autolimitadas para evitar o desenvolvimento de resistência.
  • A identificação e a sensibilidade dos organismos orientam a seleção de antibióticos.
  • A terapêutica empírica pode ser iniciada com base na suspeita clínica, mas deve ser descalonada, de forma a ajustar-se às sensibilidades dos organismos identificados.
  • Cada antibiótico tem uma dosagem e intervalos de tempo específicos, com base na sua farmacocinética.
  • Ter atenção aos potenciais efeitos secundários e monitorizar em conformidade.
Tabela: Sugestões para antibioterapia direcionada em cirurgia
Microorganismo 1ª escolha Alternativa
MSSA Cefazolina Claritromicina
MRSA Vancomicina
  • Linezolida
  • Daptomicina
Staphylococci coagulase-negativos Vancomicina
  • Linezolida
  • Daptomicina
Streptococcus pneumoniae Benzilpenicilina Claritromicina
S. pyogenes (Streptococcus β-hemolítico do grupo A)
  • Benzilpenicilina
  • Clindamicina
Claritromicina
Enterococci Amoxicilina Vancomicina
Bacteroides spp. Metronidazol
  • Amoxicilina
  • Ácido clavulânico
Escherichia coli
  • Piperacilina-tazobactam
  • Trimetoprim (infeções do trato urinário)
Meropenem
Haemophilus influenzae Ceftriazone
  • Amoxicilina
  • Ácido clavulânico
Klebsiella spp.
  • Amoxicilina
  • Ácido clavulânico
Meropenem
Proteus spp.
  • Amoxicilina
  • Ácido clavulânico
Meropenem
Pseudomonas aeruginosa Piperacilina-tazobactam Meropenem
Clostridium spp. Benzilpenicilina Metronidazol
C. difficile Fidaxomicina
  • Vancomicina
  • Metronidazol

Tratamento cirúrgico

Abcesso:

  • A maioria das vezes requer drenagem
  • A técnica depende do tipo de abcesso:
    • Incisão e drenagem em abcessos cutâneos superficiais/de tecidos moles
    • Aspiração percutânea com agulha com/sem colocação de cateter:
      • Abcessos abdominais/pélvicos ou abcessos de tecidos moles profundos
      • Guiada por ecografia ou TC.
    • Cirurgia aberta: pode ser necessária se a drenagem percutânea não for viável

Fasceíte necrotizante e infeções do pé diabético:

  • Desbridamento cirúrgico urgente de todo o tecido necrótico
  • Requerem frequentemente desbridamentos repetidos/em série

Referências

  1. Gossain, S., Hawkey, P.M. (2018). Infections and antibiotics. In Garden, O.J., et al. (Eds.), Principles and Practice of Surgery. pp. 48–59. https://www.clinicalkey.com/#!/content/3-s2.0-B9780702068591000042
  2. Quick, C.R.G., et al. (2020). Immunity, inflammation and infection. In Quick, C.R.G., et al. (Eds.), Essential surgery: Problems, Diagnosis and Management. pp. 31–49. https://www.clinicalkey.com/#!/content/3-s2.0-B9780702076312000031
  3. Anderwon, D.J. (2020). Infection prevention: Precautions for preventing transmission of infection. In Mitty, J. (Ed.), UpToDate. Retrieved June 1, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/infection-prevention-precautions-for-preventing-transmission-of-infection
  4. Anderson, D.J., Sexton, D.J. (2019). Antimicrobial prophylaxis for prevention of surgical site infection in adults. In Mitty, J. (Ed.), UpToDate. Retrieved June 3, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/antimicrobial-prophylaxis-for-prevention-of-surgical-site-infection-in-adults
  5. Hooton, T.M., Gupta, K. (2021). Acute simple cystitis in women. In Bloon, A. (Ed.), UpToDate. Retrieved June 1, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/acute-simple-cystitis-in-women
  6. Weed, H.G., Baddour, L.M., Ho, V.P. (2020). Fever in the surgical patient. In Collins, K.A. (Ed.), UpToDate. Retrieved June 3, 2021. https://www.uptodate.com/contents/fever-in-the-surgical-patient

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