Hipocalcemia

A hipocalcemia, um nível de cálcio sérico < 8,5 mg/dL, pode resultar de várias condições. As causas podem incluir hipoparatiroidismo, fármacos, distúrbios que levam ao défice de vitamina D e muito mais. Os níveis de cálcio são regulados e afetados por diferentes elementos, como a ingestão alimentar, a hormona paratiroideia (PTH), a vitamina D, o pH e a albumina. A apresentação pode variar de uma doença assintomática (défice ligeiro) a uma doença com risco de vida (défice agudo significativo). Os pacientes podem apresentar sintomas que vão desde irritabilidade neuromuscular (tetania, sinal de Chvostek, sinal de Trousseau) a disfunção cardiovascular (arritmia). Para confirmar a hipocalcemia é necessário fazer correção do valor com o nível de albumina ou o cálcio ionizado (a forma metabolicamente ativa), seguido pelo nível de PTH e determinação da causa subjacente. A correção do cálcio é ditada pelo grau de gravidade da hipocalcemia. Em casos graves, é necessário administrar cálcio intravenoso. Recomenda-se o tratamento da causa subjacente.

Última atualização: Dec 21, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Homeostasia do Cálcio

Cálcio

O cálcio é o mineral mais abundante no corpo humano; 99% é encontrado no osso. O cálcio no sangue existe em 3 formas:

  • 15% está ligado a pequenos aniões (citrato, fosfato).
  • 45% está ligado a proteínas (principalmente à albumina).
  • 40% é cálcio ionizado ou livre (metabolicamente ativo ou capaz de ser transportado para as células).

Níveis:

  • Cálcio total sérico normal: 8,5–10,5 mg/dL (2,12–2,62 mmol/L)
  • Cálcio ionizado normal: 4,65–5,25 mg/dL (1,16–1,31 mmol/L)

Importância do cálcio:

  • Mineralização óssea
  • Cofator de enzimas
  • Função cardíaca e nervosa
  • Contração muscular
  • Regulação dos mecanismos de coagulação
  • Mensageiro intracelular eficaz para uma variedade de substâncias (por exemplo, insulina)

Regulação do cálcio

Os ossos, os intestinos e os rins estão envolvidos na homeostasia.

Elementos-chave da regulação do cálcio:

  • Hormona paratiroideia (PTH) (das glândulas paratiroides):
    • ↑ Produção de vitamina D nos rins, ↑ reabsorção de cálcio no túbulo distal
    • ↑ Absorção de cálcio nos intestinos
    • ↑ Reabsorção óssea (libertação de cálcio e fosfato dos ossos)
  • Vitamina D:
    • Com a exposição à luz solar, o 7-desidrocolesterol é convertido em colecalciferol (vitamina D3) na pele.
    • A vitamina D3 é convertida em 25-hidroxivitamina D (calcidiol) no fígado.
    • O calcidiol vai para o rim e é convertido em 1,25-di-hidroxivitamina D (calcitriol), que é a forma ativa.
    • Efeitos:
      • Ativação de osteoclastos para libertar cálcio e fósforo
      • Absorção intestinal de cálcio e fosfato
  • pH:
    • ↑ pH (alcalose) irá ↑ a ligação do cálcio à albumina = ↓ cálcio ionizado
    • ↓ pH (acidose) irá ↓ ligação do cálcio à albumina = ↑ cálcio ionizado
  • Albumina:
    • ↓ Proteínas/albumina séricas (e.g. síndrome nefrótica) = ↓ cálcio sérico (pseudo-hipocalcemia)
    • ↑ Proteínas/albumina séricas (e.g., mieloma múltiplo) = ↑ cálcio sérico (pseudo-hipercalcemia)
    • Nos casos acima, o cálcio ionizado é normal.
    • Por cada ↓ de 1 g/dL na albumina → ↓ de 0,8 mg/dL no cálcio
    • Ca²+ corrigido (mg/dL) = Ca²+ total medido (mg/dL) + [0 .8 x (4.0 – albumin concentration in g/dL)]
  • Outros fatores:
    • Calcitonina da glândula tiroide (opõe-se a PTH → ↓ cálcio)
    • Hiperfosfatemia (↑ ligação de fosfato, ↓ cálcio ionizado)
    • Hipomagnesemia (↓ libertação de PTH → ↓ cálcio)
Metabolismo do cálcio

Diagrama esquemático da regulação do cálcio:
O cálcio plasmático baixo estimula a libertação da hormona paratiroideia (PTH), que aumenta a libertação de cálcio e fosfato dos ossos, a absorção de cálcio no trato gastrointestinal e a produção de vitamina D nos rins. Por sua vez, a vitamina D ativa aumenta a libertação de cálcio dos ossos e a absorção de cálcio no intestino delgado.

Imagem por Lecturio.

Etiologia

Associado a ↑ PTH:

  • Défice de vitamina D:
    • Má absorção
    • Exposição reduzida à luz solar
    • Insuficiência renal
    • Insuficiência hepática
  • Hiperfosfatemia:
    • Síndrome de lise tumoral
    • Rabdomiólise
  • Resistência à PTH:
    • Via de sinalização de PTH pós-recetor alterada
    • Efeito: o órgão alvo não responde à PTH.
  • Pancreatite aguda: o cálcio liga-sa aos ácidos gordos livres (libertados pelas enzimas pancreáticas).
  • Metástase osteoblástica (ou seja, cancro da mama): O cálcio é depositado no osso em redor do tumor.

Hipoparatiroidismo (↓ PTH):

  • Complicação de tiroidectomia/paratireoidectomia ou cirurgia/trauma/radiação do pescoço
  • Causas congénitas (por exemplo, síndrome de DiGeorge, hipoparatiroidismo familiar)
  • Hipoparatiroidismo autoimune (anticorpos para recetores sensíveis ao cálcio)
  • Infiltração da glândula paratiroide

Induzido por fármacos:

  • Diuréticos da ansa
  • Glucocorticoides
  • Calcitonina
  • Quimioterapia
  • Bisfosfonatos
  • Envenenamento por flúor

Outros:

  • Múltiplas transfusões de sangue (altas concentrações de ácido cítrico, que se ligam ao cálcio sérico)
  • Ingestão oral inadequada de cálcio
  • Hipomagnesemia
  • Alcalose
  • Síndrome do osso faminto

Apresentação Clínica

As manifestações dependem do nível e do início da hipocalcemia:

  • A doença ligeira é assintomática, mas um cálcio sérico total de < 7,0–7,5 mg/dL produzirá sintomas.
  • A velocidade de desenvolvimento da doença e a cronicidade determinam as manifestações clínicas; a hipocalcemia que se desenvolve rapidamente produz mais sintomas do que a hipocalcemia de início gradual.

Sintomas:

  • Aumento da excitabilidade neuromuscular:
    • Tetania:
      • Sensorial: parestesias perioral e dos membros
      • Motor: espasmos carpopedais, cãibras musculares, espasmos dos músculos respiratórios e da glote
      • Autonómico: cólica biliar, diaforese, broncoespasmo
    • Achados físicos clássicos de tetania:
      • Sinal de Chvostek: percussão sobre o nervo facial na área da bochecha resulta em espasmos ipsilaterais do lábio e da musculatura facial.
      • Sinal de Trousseau: espasmos do carpo (“mão em garra”) são induzidos pela insuflação do braçal do esfigmomanómetro acima da pressão sistólica durante 3 minutos.
  • Convulsões:
    • Tónico-clónicas generalizadas
    • Focais
    • Ausência generalizada
  • Papiledema ± aumento da pressão intracraniana (hipocalcemia grave)
  • Sintomas neuropsiquiátricos (reversíveis):
    • Depressão
    • Perturbações psicóticas
    • Ansiedade
  • Cardiovasculares:
    • Disfunção miocárdica → hipotensão, insuficiência cardíaca congestiva
    • Alterações no ECG: intervalo QT longo com risco de torsades de pointes
  • Alterações crónicas:
    • Hipoparatiroidismo: catarata, anomalias dentárias, demência
    • Défice de vitamina D: osteomalácia, osteopenia, hipotonia, atraso de crescimento em crianças

Diagnóstico

  • Revisão da história clínica e dos achados ao exame físico.
  • Análises laboratoriais:
    • Concentração de cálcio sérico
    • Confirmar hipocalcemia verdadeira:
      • Repetir o teste.
      • Obter a albumina sérica e calcular o Ca2+ corrigido (mg/dL).
      • Nível de cálcio ionizado
    • Níveis séricos de PTH:
      • ↓ PTH indica hipoparatiroidismo.
      • ↑ PTH indica doença renal, défice de vitamina D ou pseudo-hipoparatiroidismo.
    • Níveis de fosfato sérico:
      • Diminuído ou normal no défice de vitamina D
      • Elevado no hipoparatiroidismo, no pseudo-hipoparatiroidismo ou na doença renal crónica
    • Níveis séricos de magnésio: a hipocalcemia pela ↓ magnésio resolve-se com a correção do baixo nível de magnésio.
    • Níveis séricos de vitamina D:
      • Medir o calcidiol ou 25(OH)D.
      • A hipocalcemia aumenta a PTH, que aumenta a produção renal de 1,25-di-hidroxivitamina D (parece normal ou elevada).
    • Painel metabólico abrangente para excluir quaisquer doenças renais ou hepáticas
  • Outros:
    • Fosfatase alcalina: ↑ na osteomalácia por défice grave de vitamina D
    • Amilase: se houver suspeita de pancreatite
    • Cálcio urinário: baixo no défice de vitamina D ou no hipoparatiroidismo
    • ECG: intervalo QT prolongado, possíveis arritmias ventriculares
Tabela: Achados laboratoriais na hipocalcemia
Diagnóstico Hipoparatiroidismo Défice de vitamina D Défice de magnésio Doença renal crónica
PTH Baixa Alta Normal/baixa Alta
Fos Alto Baixo Normal Alto
25(OH)D Normal Baixo* Normal Normal/baixo
1,25(OH)2D Normal/baixo Normal/alto* Normal Baixo
Mg Normal Normal Baixo Normal/alto
Pistas clínicas
  • Cirurgia ao pescoço
  • Doença autoimune
  • Dor óssea
  • Osteomalácia
  • Uso de álcool
  • Diuréticos
  • Associado a hipocaliemia
Creatinina anormal
PTH: hormona paratiroideia
Fos: fosfato
25(OH)D: 25-hidroxivitamina D/calcidiol
1,25(OH)2D: 1,25-dihidroxivitamina D/calcitriol
Mg: magnésio
* 25(OH)D é uma medida melhor para o défice de vitamina D porque 1,25(OH)2D aumenta com cálcio baixo, desencadeando ↑ PTH → ↑ produção renal de calcitriol

Tratamento

O tratamento depende da causa subjacente e da gravidade.

Hipocalcemia leve

Abordagem em:

  • Pacientes assintomáticos
  • Pacientes com sintomas ligeiros (ou seja, parestesias orais)
  • Pacientes com hipocalcemia crónica

Tratamento:

  • Reposição oral com 1.500-2.000 mg de cálcio elementar/dia
  • Citrato de cálcio ou carbonato de cálcio

Hipocalcemia grave/hipocalcemia aguda

Abordagem em:

  • Doentes com tetania, espasmo carpopedal ou convulsões
  • Doentes com QT prolongado
  • Doentes com declínio agudo para ≤ 7,5 mg/dL (e.g., após cirurgia tiroideia)

Tratamento:

  • Gluconato de cálcio IV, OU
  • Cloreto de cálcio IV

Considerações adicionais

  • Hipomagnesemia:
    • Corrigir os défices de magnésio.
    • Sulfato de magnésio IV
  • Doença renal crónica (tratamento individualizado):
    • O cálcio oral é administrado como aglutinante de fosfato.
    • A reposição de vitamina D pode ser necessária em alguns pacientes.
  • Défice de vitamina D: suplementação de vitamina D
  • Doença hepática crónica: administra-se calcidiol porque não requer 25-hidroxilação no fígado.

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Relevância Clínica

A seguir estão as doenças relacionadas com a hipocalcemia:

  • Défice de vitamina D: a vitamina D é uma vitamina lipossolúvel essencial para o funcionamento adequado do corpo humano, especialmente para a saúde do esqueleto. A desmineralização dos ossos causa osteomalácia em adultos e raquitismo com osteomalácia em crianças. Outras manifestações incluem dor óssea, fraqueza muscular e fratura(s). O défice é determinado pela obtenção de uma concentração de 25-hidroxivitamina D (calcidiol). O tratamento inclui reposição de vitamina D.
  • Osteomalácia e raquitismo: enfraquecimento dos ossos devido à desmineralização óssea, principalmente relacionado com o défice de vitamina D. O raquitismo apresenta-se em crianças, que apresentam placas epifisárias abertas e em crescimento. A osteomalácia apresenta-se mais frequentemente em adultos, cujas placas de crescimento geralmente já estão encerradas. O raquitismo manifesta-se com deformidades esqueléticas e anomalias de crescimento. Pacientes com osteomalácia apresentam dor óssea e fraturas patológicas. O diagnóstico é feito com base numa combinação de achados clínicos, exames laboratoriais e exames de imagem. O tratamento inclui suplementação com vitamina D, cálcio e fósforo.
  • Pancreatite aguda: uma doença inflamatória do pâncreas devido à autodigestão. As etiologias comuns incluem cálculos biliares e uso excessivo de álcool. Os doentes apresentam dor epigástrica com irradiação para as costas. O diagnóstico requer 2 de 3 critérios, incluindo dor abdominal característica, amilase sérica e lipase 3x o limite superior da normalidade ou achados radiológicos característicos. Pode ocorrer hipocalcemia em casos severos de pancreatite. O tratamento inclui hidratação intravenosa agressiva, analgesia, suporte nutricional e tratamento da causa subjacente.
  • Doença renal crónica (DRC): insuficiência renal com duração de pelo menos 3 meses, o que implica que a DRC é irreversível. Hipertensão e diabetes são as causas mais comuns; no entanto, uma infinidade de outras doenças também pode ser a etiologia. Uma das complicações da DRC (especialmente nos estádios posteriores) é o hiperparatiroidismo secundário (distúrbio mineral e ósseo). O aumento do fosfato sobrecarrega o sistema regulatório e a ligação do cálcio ao fosfato reduz o cálcio ionizado, levando à hipocalcemia sintomática.
  • Cirrose: um estádio tardio de necrose e cicatrização hepática. O dano celular crónico causa distorção extensa da arquitetura hepática normal, o que pode levar ao compromisso do fluxo sanguíneo normal através do fígado. As causas comuns são uso crónico e excessivo de álcool, hepatite viral e esteatohepatite não-alcoólica (NASH). A doença hepática crónica leva à diminuição da produção de vitamina D. O calcidiol, que não requer 25-hidroxilação hepática, pode ser administrado nos pacientes com hipocalcemia.
  • Hipoparatiroidismo: níveis reduzidos de PTH devido ao mau funcionamento das glândulas paratiroides. A causa do hipoparatiroidismo mais frequente é iatrogénica, após cirurgia ao pescoço. O défice da hormona paratiroideia resulta em níveis baixos de cálcio sérico, causando aumento da excitabilidade neuromuscular. O início agudo (geralmente pós-cirúrgico) é tratado com a administração intravenosa emergente de gluconato de cálcio. O hipoparatroidismo crónico requer suplementação e monitorização do cálcio e da vitamina D a longo prazo.
  • Síndrome de DiGeorge: uma doença causada por uma microdeleção no local q11.2 do cromossoma 22. A síndrome de DiGeorge também é conhecida como síndrome 22q11.2. Um desenvolvimento defeituoso da 3ª e da 4ª bolsas faríngeas leva à hipoplasia do timo e da paratiroide, causando imunodeficiência de células T e hipocalcemia, respetivamente. O diagnóstico é feito com achados clínicos, exames laboratoriais (baixo teor de cálcio), ecocardiograma e análise genética. O tratamento pode incluir suplementação de cálcio, cirurgia (para defeitos cardíacos e anomalias do palato) e transplante de timo ou células hematopoéticas.
  • Rabdomiólise: doença caracterizada por necrose muscular e libertação de mioglobina, que tem efeitos nefrotóxicos. A rabdomiólise pode ser causada por trauma ou por compressão muscular direta; ou a rabdomiólise pode ser não traumática (e.g., atividade de esforço intenso). A elevação da creatina cinase com apresentação de mialgias e urina escura são altamente sugestivas do diagnóstico. A hiperfosfatemia resulta da necrose muscular, o que leva à hipocalcemia. A formação de sais de fosfato de cálcio contribui para a insuficiência renal. O tratamento é feito com ressuscitação com fluidos IV.

Referências

  1. Dawson-Hughes, B. (2021). Vitamin D deficiency in adults. UpToDate. Retrieved May 7, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/vitamin-d-deficiency-in-adults-definition-clinical-manifestations-and-treatment
  2. Goltzman, D. (2021). Clinical manifestations of hypocalcemia. UpToDate. Retrieved May 7, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/clinical-manifestations-of-hypocalcemia
  3. Goltzman, D. (2021). Diagnostic approach to hypocalcemia. UpToDate. Retrieved May 7, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/diagnostic-approach-to-hypocalcemia
  4. Goltzman, D. (2021). Etiology of hypocalcemia in adults. UpToDate. Retrieved May 7, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/etiology-of-hypocalcemia-in-adults
  5. Gotlzman, D. (2021). Treatment of hypocalcemia. UpToDate. Retrieved May 7, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/treatment-of-hypocalcemia
  6. Goyal A, Singh S. (2020). Hypocalcemia. StatPearls [Internet]. StatPearls Publishing. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK430912/

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