Hérnias Diafragmáticas Congénitas

As hérnias diafragmáticas congénitas são defeitos embriológicos no diafragma através dos quais as estruturas abdominais podem passar para a cavidade torácica. A presença de intestinos e órgãos intra-abdominais no tórax interfere no desenvolvimento embrionário dos pulmões, que é a principal causa de patologia pós-natal. O diagnóstico pré-natal é geralmente feito por ecografia durante a gravidez, seguido por confirmação diagnóstica com raio-X de tórax após o nascimento. É necessário fazer-se reanimação respiratória imediata após o nascimento com intubação endotraqueal e ventilação mecânica. A reparação cirúrgica é a única opção curativa. O prognóstico varia, mas as crianças com hérnias diafragmáticas geralmente sofrem de complicações pulmonares ao longo da vida.

Última atualização: Apr 4, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Definição

  • Conexão anormal entre as cavidades abdominal e torácica através de um defeito diafragmático
  • Surge devido à ausência de fusão das pregas pleuroperitoneais durante o desenvolvimento embrionário

Epidemiologia

  • Incidência: 1 em cada 10.000 nados vivos
  • Sem associação com o sexo ou a etnia
  • Mais frequentemente esporádico, com incidência familiar rara
  • Em cerca de 30% dos casos de hérnia diafragmática congénita (HDC) há anomalias associadas, que incluem:
    • Lesões do sistema nervoso central (SNC) e do sistema cardiovascular
    • Onfalocelo
    • Atresia esofágica
  • As síndromes cromossómicas associadas incluem:
    • Trissomias 13, 18 e 21
    • Síndrome de Turner
  • A maioria das HDC são hérnias de Bochdalek (até 90%).
  • As hérnias de Morgagni representam apenas 2%6% dos casos.

Embriologia

Foram propostos múltiplos mecanismos embriológicos:

  • Falha na fusão da estrutura diafragmática
    • O diafragma é composto por 4 estruturas embriológicas:
      • 2 membranas pleuroperitoneais
      • Septum transversum
      • Crescimento muscular a partir da parede do corpo
    • A não fusão destas estruturas durante a 4ª a 10ª semana de gestação deixa aberturas residuais que se podem tornar hérnias.
  • Involução prematura e mal-rotação do intestino grosso
    • 6ª semana de gestação: O intestino cresce rapidamente, estendendo-se para fora do embrião.
    • 9ª semana de gestação: O intestino roda e volta a entrar no abdómen do embrião.
    • Reentrada prematura ou rotação incorrecta do intestino → pressão mais elevada na cavidade abdominal do que na cavidade torácica → falha na formação correta do diafragma
  • Hipoplasia pulmonar
    • Falha no desenvolvimento adequado dos pulmões → diminuição da pressão na cavidade torácica
    • Provoca um diferencial de pressão que empurra o diafragma
    • O diafragma não se funde apropriadamente.

Classificação

  • Hérnia de Bochdalek:
    • Constitui 90% das hérnias diafragmáticas congénitas
    • Defeito na porção postero-lateral do diafragma
    • A localização mais comum é à esquerda, com algumas a ocorrer bilateralmente.
  • Hérnia de Morgagni:
    • Retroesternal, resultante da não fusão das porções esternal e crural
    • Mais frequentemente do lado direito
    • A maioria das hérnias de Morgagni são assintomáticas e descobertas incidentalmente em exames de imagem.
  • Hérnia do hiato: através do hiato esofágico
  • Hérnia paraesofágica: área adjacente ao hiato esofágico

Fisiopatologia

Os efeitos patológicos da HDC devem-se à hipoplasia pulmonar:

  • A falta de espaço e o aumento da pressão inibem a maturação pulmonar.
  • Diminuição das ramificações brônquica e arterial pulmonares
    • Redução da área de superfície para trocas gasosas
    • Hiperplasia do músculo liso arterial levando à hipertensão pulmonar

Apresentação Clínica e Diagnóstico

Diagnóstico pré-natal

  • Os pacientes podem ser diagnosticados na ecografia pré-natal de rotina com 1624 semanas de gestação.
  • O diagnóstico pré-natal permite:
    • Aconselhamento familiar
    • Possíveis intervenções fetais
    • Planeamento pós-natal, incluindo a referenciação a um centro especializado
  • Os resultados da ecografia pré-natal incluem:
    • Índice do rácio pulmão-cabeça (um número abaixo de um significa HDC grave)
    • Bolha gástrica ou fígado no tórax
    • Polidrâmnio
    • Massa no tórax com ou sem desvio do mediastino
Ecocardiograma de hérnia diafragmática congénita

Ecografia: Hérnia diafragmática congénita. O coração (seta) é empurrado para a direita dentro do tórax e o estômago (STM) é visto no tórax.

Imagem: “Congenital diaphragmatic hernia” por US National Library of Medicine. Licença: CC BY 2.0

Apresentação pós-natal precoce

  • A dificuldade respiratória é o sinal mais comum na apresentação.
    • Taquipneia, grunhidos, cianose
    • Pode desenvolver-se imediatamente ou até 2 dias após o nascimento
  • Os resultados característicos do exame físico incluem:
    • Geral: achados sindrómicos craniofaciais observados frequentemente antes dos sinais de HDC
    • Tórax:
      • Aumento do diâmetro (tórax em barril) e assimetria
      • Diminuição dos sons respiratórios ± sons intestinais ± desvio da área de impulso máximo cardíaca
    • Abdómen: deformidade escafoide
  • Exames de imagem:
    • Devem ser realizados para confirmar a HDC no período pós-natal imediato
    • O raio-X torácico mostra a ponta da sonda nasogástrica no tórax
    • A tomografia computorizada (TC) pode ser usada para melhor delineação do defeito

Apresentação tardia

  • Pode estar presente após o período neonatal
  • Vómitos com sintomas respiratórios ligeiros
  • Pode ocorrer sépsis e choque devido ao encarceramento do intestino através do defeito.
  • Pode ser uma causa rara de morte súbita em bebés e crianças pequenas.
Hérnia diafragmática congénita num feto

Hérnia diafragmática congénita num feto com 35 semanas de gestação, incluindo intestinos e baço, em corte coronal (A) e sagital (B) e radiografia de tórax pós-natal (C)

Imagem: “Congenital diaphragmatic hernia in the 35th GW fetus” por Department of Radiology, School of Medicine, Acibadem University, Istanbul, Turkey. Licença: CC BY 3.0

Tratamento

Abordagem pré-natal

  • Monitorização apertada
    • Ecografias mensais para avaliar o bem-estar fetal e os níveis de líquido amniótico
    • Perfis biofísicos semanais no 3º trimestre
  • Redução do líquido amniótico
    • A redução da capacidade fetal de deglutir líquido amniótico pode levar a polidrâmnios.
    • A amnioredução pode estar indicada.
  • Cirurgias fetais
    • Reservadas para fetos com uma HDC com mau prognóstico
    • Alta taxa de falência do tratamento
    • 2 opções:
      • Encerramento do defeito diafragmático in utero com um retalho
      • Oclusão traqueal endoscópica fetal (FETO)

Abordagem perinatal

  • Escolha do momento e do local de nascimento
    • O mais próximo possível do termo (> 39 semanas de preferência)
    • Num centro médico capaz de oxigenação por membrana extracorporal (ECMO)
  • Reanimação pós-natal:
    • Suporte respiratório agressivo com intubação endotraqueal
    • Evitar a ventilação prolongada com máscara devido ao aumento do ar intestinal, com maior compromisso respiratório
    • A ventilação de alta frequência oscilatória (VAFO), um modo de ventilação de baixa pressão, pode estar indicada para evitar lesões pulmonares.
    • A ECMO pode ser usada em crianças que não respondem à ventilação convencional e/ou à VAFO.
  • Cirurgia:
    • Hérnia de Bochdalek: recomenda-se a reparação cirúrgica 48 horas após a estabilização
    • Hérnia de Morgagni assintomática: recomenda-se a reparação laparoscópica devido ao risco de estrangulamento no futuro
    • Hérnia paraesofágica: recomenda-se a reparação imediata

Prognóstico

  • Os indicadores de mau prognóstico incluem:
    • Anomalias importantes associadas
    • Apresentação nas primeiras 24 horas de vida
    • Hipoplasia pulmonar grave
    • Herniação para o hemitórax contralateral
    • Necessidade de ECMO
  • A morbilidade a longo prazo inclui:
    • Defeitos pulmonares obstrutivos e/ou restritivos
    • Doença do refluxo gastroesofágico
    • Atraso no crescimento nos 2 primeiros anos de vida
    • Défices neurocognitivos (especialmente em quem recebe ECMO)

Diagnóstico diferencial

  • Malformações congénitas das vias aéreas pulmonares (MCVAP): malformações congénitas raras das vias aéreas, muitas vezes de natureza quística. Estas estruturas intrapulmonares impedem a expansão normal do tecido pulmonar, predispondo-o a infeções e a malignidade. Como a HDC, podem apresentar-se com taquipneia num recém-nascido.
  • Eventração do diafragma: falha do tecido muscular em cobrir o diafragma durante o desenvolvimento fetal. Isto deixa apenas uma fina camada fibrosa que pode então tornar-se elevada, protraindo para dentro da cavidade torácica. A eventração do diafragma pode apresentar-se como a HDC, mas sem uma verdadeira comunicação entre a cavidade abdominal e a cavidade torácica.
  • Oligoidrâmnios: líquido amniótico insuficiente devido à baixa produção (disfunção renal) ou perda crónica durante a gravidez, levando a pulmões hipoplásicos. Estes pacientes apresentam taquipneia e cianose, como na HDC, mas não têm massas detetáveis na cavidade torácica.

Referências

  1. Deprest J et al. (2014). Prenatal management of the fetus with isolated congenital diaphragmatic hernia in the era of the TOTAL trial. Semin Fetal Neonatal Med.
  2. McGivern MR et al. (2015). Epidemiology of congenital diaphragmatic hernia in Europe: a register-based study. Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed. doi: 10.1136/archdischild-2014-30617

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