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Hermafroditismo Verdadeiro

O hermafroditismo verdadeiro, ou perturbação ovotesticular do desenvolvimento sexual (PODS), é caracterizado pela presença de uma gónada ovotesticular que contém elementos ováricos e testiculares. Os indivíduos geralmente nascem com genitália ambígua, mas o diagnóstico raramente é confirmado antes da puberdade. O cariótipo mais comum é 46,XX e, com menos frequência, pode identificar-se 46,XY. A biópsia gonadal com exame histológico confirma o diagnóstico. O tratamento precisa de ter em consideração as preferências do indivíduo sempre que possível. As opções de tratamento variam da reposição hormonal à remoção cirúrgica de parte da gónada ovotéstis para melhorar a fertilidade e diminuir o risco de doença maligna.

Última atualização: Apr 1, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

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Descrição Geral

Epidemiologia

  • Incidência de hermafroditismo verdadeiro ou perturbação ovotesticular do desenvolvimento sexual (PODS): rara
  • Mais comum na África do Sul do que em qualquer outro lugar do mundo
  • A frequência estimada da presença de ovotéstis é de 1 em 83.000 nascimentos.
  • Responsável por aproximadamente 10% dos casos de genitália ambígua
  • Apenas 20% dos casos são diagnosticados aos 5 anos de idade.
  • Apenas 75% dos casos são diagnosticados até aos 20 anos de idade.

Genética

  • Cariótipo: tipicamente normal
    • 46,XX (80% dos casos)
    • 46,XY (aproximadamente 10%)
    • Mosaicismo 46,XX e XY (< 1%)
  • As possíveis etiologias incluem:
    • Translocação de SRY (região que determina o sexo no cromossoma Y) para o cromossoma X ou qualquer outro cromossoma não sexual → o SRY é necessário para o desenvolvimento gonadal e diferenciação testicular
    • Mutação do gene NR5A1, que é importante para o desenvolvimento gonadal e diferenciação testicular

Fisiopatologia

A perturbação ovotesticular do desenvolvimento sexual (PODS) caracteriza-se pela presença de gónadas que contêm tecido ovárico com folículos primordiais e tecido testicular com túbulos seminíferos no mesmo indivíduo.

Uma pessoa afetada pode ter:

  • Uma gónada ovotéstis:
    • Gónada em que os elementos testiculares e ováricos são combinados
    • Presente em aproximadamente 60% dos pacientes com PODS
    • Pode ser bilateral (50%) ou unilateral (20%)
    • 50% intra-abdominal, 25% inguinal e 25% labioescrotal
    • Parte ovárica do ovotéstis geralmente funcional e responde aos estrogénios → resultando em excesso de estrogénio → inibindo o desenvolvimento dos espermatozóides → tornando a parte testicular do ovotéstis não funcional
  • Um ovário normal num lado (normalmente o lado esquerdo) e uma gónada ovotéstis no outro
  • Um testículo normal num lado (normalmente o lado direito) e uma gónada ovotéstis no outro
  • Um testículo normal num lado e um ovário normal no outro (30%)

O tipo de genitália interna presente depende da gónada adjacente:

  • As trompas de falópio desenvolvem-se ao lado de um ovário.
  • O canal deferente e o epidídimo desenvolvem-se ao lado de um testículo.
  • Na presença de ovotéstis, as trompas de falópio desenvolvem-se em 60%–70% dos casos.
  • Um útero pode se desenvolver no caso de um ovotéstis com um ovário contralateral.
Gónadas de ovotéstis

Gónadas de ovotestis

A: Aparência macroscópica de um ovotéstis bilobado com trompa de Falópio: O tecido amarelo-acastanhado no centro do ovotéstis revelou tecido ovárico e o tecido branco em cada pólo mostrou tecido testicular no exame histológico.
B: O exame microscópico do tecido amarelo-escuro mostrou estroma ovárico típico com folículos primordiais e primários (seta) e exame do tecido branco.
C: A imagem mostra tecido testicular normal com túbulos seminíferos bem desenvolvidos (seta), sem espermátides definidas.

Imagem: “Pathological analysis” por Institute of Laboratory Medicine, Jinling Hospital, Nanjing University School of Medicine, Nanjing 210002, PR China. Licença: CC BY 2.0.

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Apresentação Clínica

Indivíduos do sexo feminino (46,XX)

  • Infância:
    • Podem ter genitália externa normal
    • Fusão labial
    • Seio urogenital (apenas 1 abertura/saída para ambos os tratos)
  • Idade adulta:
    • Atresia cervical produzindo uma obstrução do trato genital:
      • Criptomenorreia (ocorre menstruação, mas não é visível devido à obstrução da via de saída)
      • Hematometra (o sangue acumula-se ou é retido no útero)
      • Endometriose (o tecido que normalmente reveste o interior do útero está fora do útero)
    • Amenorreia secundária à obstrução do fluxo ou a um útero que não se formou
    • Dor abdominal inferior devido à obstrução do fluxo menstrual
    • O útero pode ser anormalmente estruturado.
    • A fertilidade é possível, mas também pode haver infertilidade

Indivíduos do sexo masculino (46,XY)

  • Infância:
    • Podem ter genitália externa normal
    • Hipospádia (defeito congénito em que a abertura da uretra fica na parte inferior do pénis em vez da ponta)
    • Criptorquidia (testículos que não desceram)
  • Idade adulta:
    • Ginecomastia
    • Dor escrotal ou inguinal recorrente
    • Aumento testicular
    • Infertilidade (espermatogénese defeituosa)

Doenças associadas

  • Inseguranças emocionais e estigma social
  • Os tumores malignos das gónadas desenvolvem-se em aproximadamente 6% dos casos (normalmente gonadoblastoma ou disgerminoma)
  • Hérnias inguinais
  • Torção gonadal
Caso de verdadeiro hermafroditismo

Genitália externa no hermafroditismo
Um indivíduo com hermafroditismo com um falo bem desenvolvido e gónada de ovotéstis escrotal direita (a), e hipospádia penoescrotal (b)

Imagem: “Case of True Hermaphrodite” por Shilpa Sharma and Devendra K. Gupta. Licença: CC BY 4.0.

Diagnóstico

  • História e exame físico
  • Medição de eletrólitos basais e esteroides adrenais → excluir hiperplasia adrenal congénita (potencialmente fatal!)
  • Exames laboratoriais: hormona folículo-estimulante (FSH), hormona luteinizante (LH), hormona anti-Mulleriana (HAM), níveis de testosterona:
    • Avaliação da função testicular: O teste de estimulação com administração de gonadotrofina coriónica humana (hCG) é acompanhado por um aumento nos níveis basais de testosterona.
    • Avaliação da função ovárica:
      • Medição dos níveis de inibina A
      • A administração de um teste de gonadotrofinas humanas menopáusicas (hGM, pela sigla em inglês) é acompanhado por um aumento nos níveis de estrogénio
  • Imagem: ecografia ou ressonância magnética (RM) do abdómen e da pélvis para avaliar a presença e estrutura das gónadas, do útero e/ou da vagina
  • Cariótipo: deve ser feito o mais rapidamente possível:
    • Cariótipo 46,XX: deve excluir-se doenças que levam à virilização de recém-nascidos do sexo feminino.
    • Cariótipo 46,XY: deve excluir-se causas de genitália ambígua.
  • Biópsia gonadal: o gold standard para confirmar o diagnóstico de PODS através de exame histológico

Tratamento

Tratamento médico

  • A atribuição de género normalmente ainda é recomendada durante o período neonatal
  • Terapia de reposição hormonal para iniciar a puberdade em caso de atraso
  • Serviços de aconselhamento com experiência em perturbações do desenvolvimento sexual

Tratamento cirúrgico

  • A remoção da gónada anormal (testículo, ovário ou ovotéstis) está frequentemente indicada quando o diagnóstico é confirmado:
    • A remoção do tecido testicular melhora a fertilidade em indivíduos 46,XX com tecido ovárico funcional.
    • Remoção da gónada ovotéstis em indivíduos com cromossoma Y devido ao risco de transformação maligna
  • Se não forem removidas, as gónadas com material do cromossoma Y posicionadas intra-abdominalmente devem ser trazidas para o escroto e/ou colocadas numa posição fixa que possa ser facilmente monitorizada.
  • A reconstrução cirúrgica da genitália é frequentemente atrasada para após a primeira infância:
    • São considerados fatores cromossómicos, comportamentais e hormonais.
    • A criança deve ser envolvida no processo de tomada de decisão!

Diagnóstico Diferencial

  • Deficiência de aromatase: uma doença genética rara com hereditariedade autossómica recessiva que é caracterizada por privação congénita de estrogénio com níveis aumentados de testosterona devido à diminuição dos níveis da enzima aromatase. A deficiência de aromatase é caracterizada por genitália ambígua em meninas, virilização, alterações na estatura e outras manifestações clínicas. As meninas têm órgãos reprodutivos femininos internamente e os meninos têm desenvolvimento gonadal e genitália externa normal. O tratamento envolve terapia de reposição hormonal.
  • Hiperplasia adrenal congénita (HAC): consiste num grupo de doenças autossómicas recessivas que causam deficiência de uma enzima usada na síntese de cortisol e/ou aldosterona, resultando em aumento da formação de androgénios com virilização dos órgãos genitais femininos externos. A hiperplasia adrenal congénita é a causa mais comum de genitália ambígua em mulheres com genótipo 46,XX. Todas as formas de HAC são caracterizadas por baixos níveis de cortisol, altos níveis de hormona adrenocorticotrófica (ACTH) e hiperplasia adrenal. É necessário fazer-se correção cirúrgica da genitália ambígua e terapia de reposição de glucocorticoides vitalícia.
  • Disgenesia gonadal mista: uma doença em que há desenvolvimento gonadal assimétrico, com a gónada direita tipicamente a desenvolver-se num testículo e a gónada esquerda a ser um ovário ou uma gónada estriada e o desenvolvimento ipsilateral correspondente da respetiva anatomia reprodutiva interna e externa. A genitália externa pode parecer assimétrica. A disgenesia gonadal mista está associada ao mosaicismo da síndrome de Turner com cariótipo 45,X0/46,XY. Podem estar presentes características adicionais da síndrome de Turner. O cariótipo e a biópsia do tecido gonadal ajudam a fazer o diagnóstico.

Referências

  1. Chan, Y., & Levitsky, L. L. (2020). Causes of differences of sex development. UpToDate. Retrieved January 4, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/causes-of-differences-of-sex-development
  2. Chan, Y., & Levitsky, L. L. (2020). Evaluation of the infant with atypical genitalia (disorder of sex development). UpToDate. Retrieved January 4, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/evaluation-of-the-infant-with-atypical-genitalia-disorder-of-sex-development
  3. Houk, C.P., Baskin, L.S., & Levitsky, L.L. (2020). Management of the infant with atypical genitalia (disorder of sex development). UpToDate. Retrieved January 4, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/management-of-the-infant-with-atypical-genitalia-disorder-of-sex-development
  4. Mao, Y., Chen, S., Wang, R., Wang, X., Qin, D., & Tang, Y. (2017). Evaluation and treatment for ovotesticular disorder of sex development (OT-DSD) – Experience based on a Chinese series. BMC urology, 17(1), 21. https://doi.org/10.1186/s12894-017-0212-8

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