Glomerulonefrite Membranoproliferativa

A glomerulonefrite membranoproliferativa (GNMP) também é conhecida como glomerulonefrite mesangiocapilar. A glomerulonefrite membranoproliferativa é um padrão de lesão glomerular caracterizada por hipercelularidade mesangial, proliferação endocapilar e espessamento da membrana basal glomerular (formação de contorno duplo). As alterações são causadas pela deposição de Igs, de fatores do complemento, ou ambos, no mesângio glomerular e ao longo das paredes capilares glomerulares. As variantes patogénicas incluem a mediada por imunocomplexos/Ig monoclonal (e.g., de infeções, doenças autoimunes) e GNMP mediada por complemento. Em casos raros, a GNMP não está associada às Igs e ao sistema complemento, como no caso de lesão endotelial. Tendo múltiplas etiologias, a apresentação e o curso clínico variam. As características de apresentação podem ser a proteinúria e a hematúria assintomática, a síndrome nefrótica, a síndrome nefrítica ou a insuficiência renal crónica. O diagnóstico definitivo requer biópsia renal, embora exames laboratoriais e de imagem adicionais possam apontar para a doença associada. O tratamento é focado na causa subjacente. Os esteroides, imunossupressores e transplante renal estão entre as modalidades de tratamento frequentemente utilizadas.

Última atualização: Mar 28, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Definição

A glomerulonefrite membranoproliferativa (GNMP) é uma lesão glomerular caracterizada por espessamento da membrana basal glomerular (MBG) (“membrano-”) e aumento da celularidade endocapilar e mesangial (“proliferativa”).

  • O MBG aumenta pelos depósitos de imunocomplexos, fatores do complemento e/ou células interpostas (entre a MBG e as células endoteliais).
  • A proliferação de células mesangiais e monócitos contribui para o aumento da celularidade, criando um tufo glomerular lobulado.
  • A GNMP é um achado histológico e não uma doença específica; assim, está associada a múltiplas etiologias.
  • Também chamada de glomerulonefrite mesangiocapilar

Epidemiologia

  • É responsável por 7%–10% dos casos de glomerulonefrite confirmada por biópsia
  • A forma idiopática ou primária afeta a população mais jovem (8-30 anos de idade).
  • A forma secundária é vista predominantemente em indivíduos > 30 anos de idade.

Fisiopatologia e Etiologia

Lesão glomerular

  • Mecanismos patogénicos:
    • Mecanismo mediado por imunocomplexos/ Igs monoclonais:
      • Deposição de complexos imunes ou Ig monoclonal
      • Leva à ativação do complemento
    • Mecanismo mediado por complemento:
      • A via alternativa do complemento (na qual o C3 está a um nível constante baixo na circulação) sofre desregulação, causando uma ativação persistente.
      • Deposição de produtos do complemento nos glomérulos (paredes capilares e mesângio)
    • Não relacionado com o complemento ou com a deposição de Ig (observado no caso de lesão endotelial)
  • O insulto aos glomérulos e mesângio resultam em:
    • Lesão mesangial e capilar aguda pela deposição de imunocomplexos, Igs monoclonais ou fatores do complemento
    • Influxo de células inflamatórias
    • Alterações histológicas:
      • É produzida uma nova matriz mesangial → o mesângio expande-se → o tufo glomerular torna-se lobular
      • Forma-se nova MBG que se parece com uma membrana basal com contorno duplo → “linha de comboio”

Classificação (microscopia eletrónica)

Tradicionalmente, a GNMP era classificada com base nos achados da microscopia eletrónica (classificação antiga):

  • Com base na microscopia eletrónica:
    • GNMP tipo I:
      • Caracterizada por depósitos imunes no espaço subendotelial (depósitos subendoteliais) e mesângio (depósitos mesangiais)
      • Vista na nefrite lúpica, infeções
    • GNM tipo II:
      • Doença de depósitos densos (DDD)
      • Depósitos intramembranosos adicionais
      • São vistos ao longo da MBG, túbulos e cápsula de Bowman, depósitos densos contínuos em forma de banda.
      • Associada ao fator nefrítico C3 (C3NeF, pela sigla em inglês)
    • GNM tipo III: semelhante à GNMP tipo I, mas com depósitos subendoteliais, mesangiais e subepiteliais
  • Observa-se sobreposição das características dos diferentes tipos (e.g., características de GNMP mediada por complemento ou mediada por imunocomplexos podem ser encontradas no tipo I).

Classificação (microscopia de imunofluorescência) e etiologia

Uma classificação diferente, baseada no processo patogenético, ajuda a orientar a etiologia ou doença subjacente, direcionando o tratamento.

  • A patogénese é identificada com base nos achados da imunofluorescência.
  • Classificação com base na patogénese (complexos imunes/Ig monoclonal versus complemento):
    • GNMP mediada por Ig monoclonal/complexos imunes:
      • Infeções virais crónicas (e.g., hepatite B ou C)
      • Infeções bacterianas crónicas (e.g., endocardite, nefrite de shunt e abcessos)
      • Infeções fúngicas e parasitárias
      • Doenças autoimunes (e.g., lúpus eritematoso sistémico, síndrome de Sjögren, artrite reumatoide)
      • Paraproteinemias (e.g., MGUS, macroglobulinemia de Waldenstrom)
      • Doenças malignas (e.g., linfoma não Hodgkin)
      • Shunt esplenorrenal na hipertensão portal
      • Idiopática/primária
    • GNMP mediada por complemento (menos comum):
      • Glomerulonefrite C3 (GNC3)
      • DDD C3: a maioria dos casos tem C3NeF → liga-se à C3 convertase da via alternativa → ativação sustentada de C3
      • Glomerulopatias C4 (GNC4, DDD C4)
      • Causas genéticas
    • GNMP sem deposição de Ig ou complemento (frequentemente por lesão endotelial, seguida de reparação):
      • Microangiopatias trombóticas
      • Síndrome do anticorpo antifosfolípido
      • Após transplante de medula óssea
      • Nefropatia crónica do enxerto renal
      • Nefrite por radiação
      • Hipertensão maligna

Apresentação Clínica e Diagnóstico

Manifestações

  • Variável (pode apresentar-se como glomerulonefrite aguda/rapidamente progressiva (GNRP) ou como DRC)
  • Achados típicos:
    • Hematúria: tipicamente com hemácias dismórficas ou cilindros hemáticos
    • A creatinina sérica pode estar elevada ou normal.
    • Proteinúria: às vezes semelhante aos níveis observados na síndrome nefrótica
    • Edema
    • Hipertensão arterial
  • Níveis baixos de complemento ou hipocomplementemia (níveis ↓C3 e ↓CH50) são comuns (embora os níveis de complemento possam ser normais):
    • GNMP mediada por imunocomplexos:
      • A via clássica do complemento é ativada.
      • ↓ C3 e C4
    • GNMP mediada por complemento:
      • A via alternativa é ativada.
      • ↓ C3, mas C4 normal
  • Manifestações extrarrenais: depósitos maculares da retina (drusas) e lipodistrofia da parte superior do corpo na DDD

Diagnóstico

  • Embora a apresentação clínica possa ser sugestiva, é necessária uma biópsia para o diagnóstico:
    • A biópsia estabelece a lesão histológica, mas não um diagnóstico clínico.
    • São necessários mais exames para determinar a entidade subjacente que causa a GNMP.
  • Achados na biópsia: baseados em alterações histológicas determinadas pela microscopia ótica, pela imunofluorescência e pela microscopia eletrónica
Tabela: Achados de microscopia na GNMP (com base no processo patogenético)
GNMP mediada por imunocomplexos/monoclonal GNMP mediada por complemento GNMP sem Ig ou complemento
LM “Linha de comboio” (duplo contorno) da membrana basal
IM
  • Coloração positiva para Ig policlonal e complemento (C3)
  • Ig monoclonal: provável distúrbio clonal de células B ou plasmócitos
Complemento positivo e sem (ou mínima) coloração para Ig Sem coloração de Ig ou complemento
EM Depósitos subendoteliais e mesangiais (em algumas doenças autoimunes, + depósitos subepiteliais)
  • Depósitos mesangiais e subendoteliais (às vezes, + depósitos subepiteliais e intramembranosos)
  • Depósitos intramembranosos densos (somente na DDD)
Sem depósitos eletrodensos ao longo das paredes capilares
Diagnóstico Diferencial
  • Doenças autoimunes
  • Infeções
  • Gamopatias monoclonais
  • Idiopática
  • Glomerulopatias C3 (GNC3, DDD C3)
  • Glomerulopatias C4 (GNC4, DDD C4)
Lesão endotelial, que pode ser de:
  • PTT, SHU, SAF
  • TMO
  • Nefropatia do aloenxerto renal
  • Hipertensão maligna
  • Nefrite por radiação
SAF: síndrome antifosfolipídica
TMO: transplante de medula óssea
DDD: doença de depósitos densos
EM: microscopia eletrónica
GN: glomerulonefrite
SHU: síndrome hemolítica urémica
IM: microscopia de imunofluorescência
LM: microscopia ótica
GNMP: glomerulonefrite membranoproliferativa
PTT: púrpura trombocitopénica trombótica
Tabela: Microscopia de imunofluorescência de doenças específicas que causam GNMP
Etiologia Achados microscópicos
GNMP mediada por imunocomplexos/monoclonal Hepatite B ou C (ou outras infeções virais)
  • Deposição granular de IgM, C3
  • Cadeias leves kappa e lambda
Gamopatia monoclonal Cadeias leves kappa OR lambda
Doenças autoimunes “Padrão full-house”:
  • IgG, IgM, IgA
  • C1q, C3, C4
  • Cadeias leves kappa e lambda
GNMP mediada por complemento Glomerulopatia C3
  • C3 corado por imunoflorescência ao longo das paredes capilares e mesângio
  • Sem nenhuma (ou mínima) coloração de Ig
Glomerulopatia C4
  • C4d corado por imunoflorescência (produto de degradação de C4)
  • Sem nenhuma (ou mínima) coloração de Ig
GNMP não associada ao complemento ou deposição de Ig Microangiopatias (frequentemente associadas a lesão endotelial) Sem observação de deposição significativa de Ig ou complemento
GNMP: glomerulonefrite membranoproliferativa
Glomerulonefrite membranoproliferativa (gnmp) vs glomérulos normais

Glomerulonefrite membranoproliferativa (GNMP) vs glomérulos normais:
A: glomérulo normal (com ansas capilares abertas, ≤ 3 núcleos em cada área mesangial, processos podocitários intactos e sem depósitos ou proliferação)
B: GNMP: Os glomérulos tornam-se lobulados com proliferação endocapilar e a membrana basal glomerular tem uma aparência dividida (por depósitos subendoteliais e interposição mesangial).
C: GNMP com depósitos mesangiais e depósitos intramembranosos (como visto na doença de depósitos densos)

Imagem por Lecturio.

Exames complementares

A investigação adicional é indicada quando a biópsia mostra alterações consistentes com:

  • GNMP mediada por Ig monoclonal/complexos imunes; exames adicionais podem incluir:
    • Pesquisa de infeções:
      • Hemoculturas
      • Serologias para determinar infeções por hepatite B e hepatite C
      • PCR e testes serológicos para determinar infeções virais, bacterianas e fúngicas no contexto clínico relevante
    • Pesquisa de doenças autoimunes: rastreio de doenças autoimunes, seguido de testes específicos conforme indicado
    • Rastreio de gamopatias monoclonais:
      • Eletroforese de proteínas séricas e imunofixação
      • Cadeias leves no soro
      • Eletroforese de proteínas urinárias e imunofixação
      • Também podem ser indicados estudos da medula óssea.
  • GNMP mediada por complemento; verificar se há:
    • Ativação das vias clássicas do complemento: C3, C4, CH50
    • Ativação da via alternativa do complemento: AH50
    • Análise genética de mutações e variantes alélicas de fatores do complemento
    • Autoanticorpos contra proteínas reguladoras do complemento (e.g., fatores H e I)
    • Testar para C3NeF
    • Níveis séricos do complexo de ataque à membrana

Tratamento

Tratamento

  • Tratar a doença subjacente (e.g., terapêutica antiviral na hepatite B ou C, imunossupressão nas doenças autoimunes).
  • Embora a maioria dos casos possa ser classificada, a doença subjacente não é encontrada (idiopática) num pequeno número de casos.
    • A gestão depende:
      • Proteinúria
      • Grau de insuficiência renal
    • Na doença leve (função renal normal, proteinúria não nefrótica (< 3,5 g/dia) e sem hematúria significativa):
      • Inibidores da ECA (IECAs) ou ARAs
      • Seguimento regular da função renal (creatinina, análise de urina, proteínas na urina)
    • Se deterioração (e.g., proteinúria > 1,5 g/dia ou creatinina alterada), as opções terapêuticas consideradas são:
      • Imunossupressão (corticosteroides, micofenolato, ciclofosfamida, ciclosporina, tacrolimus)
      • Troca de plasma se oC3NeF estiver presente
      • Eculizumab (anticorpo monoclonal contra o C5)
    • Transplante renal (possível recorrência no enxerto)

Prognóstico

  • Fatores de mau prognóstico:
    • Síndrome nefrótico
    • Hipertensão arterial
    • Creatinina elevada
    • Crescentes na biópsia
    • Doença tubulointersticial
  • Fatores de bom prognóstico:
    • Proteinúria não nefrótica
    • Pressão arterial normal
    • Creatinina normal

Diagnóstico Diferencial

  • Nefropatia de IgA: doença renal caracterizada pela deposição de IgA no mesângio. A nefropatia por imunoglobulina A apresenta-se, frequentemente, na 2ª e 3ª décadas de vida e, historicamente, após uma infeção prévia do trato respiratório superior ou GI. As características da apresentação são hematúria macroscópica ou microscópica assintomática. O curso da doença costuma ser benigno, sendo que a biópsia renal é realizada apenas em casos de doença renal grave e progressiva. O tratamento depende da gravidade da proteinúria, função renal e alterações patológicas. Frequentemente usam-se IECAs ou ARAs para reduzir a progressão da doença. Os imunossupressores são administrados se proteinúria persistente e se aumento dos níveis de creatinina.
  • Nefrite lúpica (glomerulonefrite causada por lúpus eritematoso sistémico): A apresentações clínicas inclui hematúria, proteinúria na faixa nefrótica e, na doença avançada, azotemia. O diagnóstico é baseado na biópsia renal. O tratamento geralmente envolve corticosteroides e agentes citotóxicos ou outros fármacos imunossupressores.
  • Glomerulonefrite pós-estreptocócica: tipo de nefrite causada por uma infeção prévia por Streptococcus beta-hemolítico do grupo A (SGA). A apresentação clínica pode variar de hematúria microscópica assintomática a síndrome nefrítica aguda completa, caracterizada por urina vermelha a castanha, proteinúria, edema e IRA. O diagnóstico é feito com base em achados clínicos no contexto de uma infeção recente por SGA. A abordagem é de suporte e envolve o tratamento das manifestações clínicas. O prognóstico é geralmente favorável, especialmente em crianças.
  • GNRP: síndrome glomerular grave com perda progressiva da função renal em semanas a meses. A glomerulonefrite rapidamente progressiva é uma manifestação de diferentes doenças. Histologicamente, são encontrados crescentes nos glomérulos. Os crescentes surgem de lesão imunológica, cujos principais mecanismos são classificados em doença anti-MBG, doença crescente pauci-imune e lesão mediada por imunocomplexos. As manifestações da GNRP incluem hematúria, proteinúria, edema e hipertensão. O diagnóstico é realizado com base na apresentação clínica, nos exames laboratoriais, na imagem e na biópsia renal. O tratamento imediato é essencial e inclui corticosteroides, imunossupressores e plasmaférese, dependendo da doença subjacente.

Referências

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  7. Salvadori, M., Rosso, G. (2016). Reclassification of membranoproliferative glomerulonephritis: Identification of a new GN: C3GN. World Journal of Nephrology. 5, 308–320. https://doi.org/10.5527/wjn.v5.i4.308
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