Gastrosquisis

A gastrosquisis é um defeito congénito da parede abdominal caracterizado pela falência completa do encerramento da musculatura abdominal. Uma parte do intestino não regressa para a cavidade abdominal, permanecendo assim como hérnia embrionária inicial, mas sem tecido a cobrir. O diagnóstico é efetuado por ecografia pré-natal. Os achados incluem um defeito paraumbilical na parede abdoinal com herniação de intestinos descobertos. A vigilância fetal e a monitorização intestinal serve para medir o crescimento fetal e o volume do líquido amniótico, bem como observar quaisquer alterações intestinais. O tipo de parto e as semanas de gestação na altura do parto dependem destes fatores. Os cuidados neonatais incluem proteção do intestino exposto, fluidoterapia e manutenção das vias aéreas. O encerramento primário pode ser realizado algumas horas após o nascimento. A presença de gastrosquisis de grande volume ou intestino espessado e dilatado justifica o encerramento mais tardio, com o uso de uma cobertura intestinal, e redução intestinal seriada.

Última atualização: Apr 11, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Visão Geral

Definição

A gastrosquisis é um defeito da espessura total da parede abdominal anterior, através do qual o intestino e / ou outras vísceras abdominais projetam-se livremente.

  • Nenhuma membrana ou saco cobre o intestino.
  • O defeito é geralmente à direita do local de inserção umbilical.

Embriologia

  • Desenvolvimento do sistema gastrointestinal (GI) a partir de 3 camadas germinativas:
    • Mesoderme: tecido conjuntivo (parede do tubo intestinal, vasos sanguíneos e músculo liso)
    • Endoderme: revestimento epitelial
    • Ectoderme: epiderme e crista neural (neurónios do trato gastrointestinal)
  • Divisões do trato GI:
    • Intestino anterior: da cavidade oral até à 1ª parte do duodeno
    • Intestino médio: do duodeno médio até aos primeiros ⅔ do cólon transverso
    • Intestino posterior: último ⅓ do cólon transverso até à parte superior do ânus
  • 6ª semana de gestação:
    • Crescimento rápido do trato GI
    • O intestino médio hérnia através do anel umbilical, desenvolvendo-se inteiramente fora da cavidade peritoneal.
  • 10ª semana de gestação:
    • A cavidade abdominal é grande o suficiente para o desenvolvimento do intestino médio.
    • O intestino médio completa a sua rotação e regressa à cavidade abdominal.
Processo normal de herniação durante o desenvolvimento embriológico

Diagrama do processo normal de rotação intestinal e herniação durante o desenvolvimento embriológico

A: o intestino médio (ança multicolorida) antes da herniação.
B1-B3: à medida que cresce rapidamente, o intestino médio hernia através do anel umbilical e começa a rotação.
C: O intestino médio regressa à cavidade abdominal.

Imagem de Lecturio.

Epidemiologia

  • Prevalência: 3-4 por 10.000 nascimentos
  • Incidência semelhante em recém-nascidos do sexo masculino e feminino
  • Em 10% dos casos, a gastrosquisis está associada a outras anomalias para além do trato gastrointestinal.
  • Maior risco de parto prematuro em gestações com gastrosquisis (28%) em comparação com aquelas sem (6%)
  • Fatores de risco materno:
    • Idade jovem (<20 anos)
    • Baixo índice de massa corporal (IMC)
    • Exposição a fumo de tabaco
    • Toma de aspirina e ibuprofeno
    • Toma de descongestionantes nasais (pseudoefedrina, fenilpropanolamina)

Fisiopatologia

Hipóteses embriológicas que levam à herniação do intestino:

  • Formação defeituosa
    • Incapacidade de formação do mesoderma na parede corporal
    • Encerramento anormal da parede corporal, provocando um defeito da parede corporal ventral
  • Rutura da parede abdominal
    • Rutura do saco amniótico (saco que protege o embrião) junto ao anel umbilical
    • Involução anormal da veia umbilical direita levando ao enfraquecimento da parede corporal
    • Rutura da artéria vitelina direita levando a enfarte na base do cordão e subsequente dano à parede corporal

Diagnóstico e Tratamento

Testes de diagnóstico

  • Ecografia
    • O diagnóstico pré-natal pode ser realizado tão cedo quanto as 14 semanas de gestação, mas é geralmente efetuado por volta 20 semanas
    • Achado(s):
      • Defeito da parede abdominal paraumbilical (à direita, nunca através do umbigo)
      • Intestinos herniados sem saco de cobertura
      • Intestinos a flutuar livremente no líquido amniótico
      • Oligoâmnios (achado mais comum do líquido amniótico)
      • Ocasionalmente, outros órgãos viscerais também sofreram hérnia (por exemplo, fígado)
  • Teste laboratorial: ɑ-fetoproteína sérica (AFP) materna elevada
    • AFP elevada é sugestiva, mas não específica de gastrosquisis (também se encontra elevada na espinha bífida e anencefalia).
    • Os testes laboratoriais por si só são insuficientes para fazer o diagnóstico de gastrosquisis.

Tratamento

  • Monitorização fetal
    • Avaliar o crescimento fetal, incluindo o volume do líquido amniótico
    • Normalmente a partir das 24 semanas
    • Estar atento a possível restrição de crescimento intrauterino (RCIU): associada a aumento do risco de morte fetal
  • Intestino fetal
    • Avaliação ecográfica em série do estômago e intestino
    • Verificar se existe dilatação considerável (> 25 mm) ou espessamento agudo e edema
    • Complicações pré-natais associadas à dilatação intestinal:
      • Compressão do cordão umbilical
      • Obstrução intestinal
  • Vigilância fetal anteparto
    • Perfil biofísico com cardiotocografia e índice de líquido amniótico
    • Normalmente faz-se a partir das 32 semanas
  • Estudo genético fetal
    • Considerado em casos com anomalias estruturais extraintestinais (para determinar anormalidades cromossómicas associadas)
    • Fornece informação sobre prognóstico, abordagem do parto e cuidados neonatais necessários

Apresentação Clínica

Achados neonatais

  • Defeito da espessura total da parede abdominal paraumbilical, geralmente à direita do local de inserção do cordão umbilical
  • Intestino herniado, não coberto por um saco
  • Aparência intestinal afetada por:
    • Exposição ao líquido amniótico
    • Quantidade de tempo de exposição
    • Exposição ao líquido amniótico durante mais tempo → o intestino fica emaranhado, espesso e coberto com uma crosta inflamatória
  • O defeito abdominal é geralmente <4 cm.

Classificação

  • Gastrosquisis simples:
    • 75% dos casos
    • Intestino intacto, não comprometido e contínuo
  • Gastrosquisis complexa:
    • Associada a estenose intestinal, atresia, perfuração, necrose ou volvo
    • Relacionada com o comprometimento vascular causado pelo intestino herniado
    • Mais doenças gastrointestinais, infecciosas e respiratórias
    • Maior risco de mortalidade hospitalar e complicações (obstrução intestinal, síndrome do intestino curto e necessidade de alimentação por sonda aquando da alta hospitalar)

Tratamento e Prognóstico

Parto

  • Requer coordenação de cuidados entre especialista em medicina materno-fetal, neonatologista e cirurgião pediátrico
  • Recomenda-se que o parto seja feito num centro com recursos para cuidados neonatais.
  • Altura ideal para o parto:
    • Afetada por vários fatores, incluindo:
      • Idade gestacional (maturidade pulmonar)
      • Achados ecográficos (crescimento fetal e estado intestinal)
      • Resultados do teste fetal
    • O trabalho de parto espontâneo (para gestações com gastrosquisis) ocorre numa idade gestacional média de 36 semanas.
  • Tipo de parto:
    • Gastrosquisis não complicada: não é uma contraindicação para parto vaginal
    • Hérnia hepática marcada: A cesariana deve ser considerada.

Cuidados neonatais

  • Reduzir a lesão intestinal e a perda de fluidos:
    • Proteger o intestino exposto envolvendo-o com compressas estéreis embebidas em solução salina, cobertos com película plástica.
    • Nalguns centros, a metade inferior do recém-nascido é colocada num saco de plástico (permite proteção e visualização da perfusão intestinal).
  • Fluidoterapia e reposição de eletrólitos (as perdas de fluidos esperadas são 2 a 3 vezes maiores que as de um recém-nascido saudável)
  • Antibioterapia profilática de amplo espectro (cobertura para a flora vaginal materna)
  • Inserção de sonda orogástrica para descomprimir o estômago
  • Manutenção das vias aéreas e suporte respiratório conforme necessário

Cirurgia

  • Encerramento primário
    • Cirurgia realizada poucas horas após o nascimento
    • Para minimizar a lesão intestinal durante a redução, o defeito abdominal é aumentado 1–2 cm.
    • Com sucesso em 70% dos casos
  • Encerramento tardio
    • Se apresentar ansas intestinais espessadas e distendidas
    • O intestino herniado fica contido numa cobertura estéril (bolsa de silicone).
    • A bolsa e o intestino ficam suspensos sobre o recém-nascido, permitindo a descompressão das ansas intestinais pela gravidade.
    • Realiza-se redução em série do conteúdo intestinal
Ilustração do silo gastroschisis

Bolsa de gastrosquisis

Imagem de Lecturio.

Prognóstico

  • Gastrosquisis: resultado mais favorável em comparação com outros defeitos da parede abdominal
  • Taxa de sobrevivência de recém-nascidos na América do Norte: 98%
  • Sépsis: único preditor significativo de mortalidade

Diagnóstico Diferencial

  • Onfalocelo: semelhante à gastrosquisis, mas devido à incapacidade do intestino retornar à cavidade abdominal após a herniação normal. As vísceras abdominais (incluindo o fígado) permanecem herniadas através do umbigo, cobertas pelo saco amniótico e peritoneu. Ao contrário da gastrosquisis, aproximadamente metade dos casos de onfalocelo estão associados a outros defeitos congénitos e anormalidades cromossómicas.
  • Pentalogia de Cantrell: um síndrome raro, que consiste em múltiplas anormalidades congénitas, incluindo defeito esternal inferior, defeito anterior do diafragma, defeito pericárdico, defeito da parede abdominal e anomalias cardíacas congénitas. O diagnóstico é por ecografia em período pré-natal. O tratamento requer cuidados médicos e cirúrgicos complexos.
  • Complexo de extrofia vesical-epispádia: um espectro de defeitos congénitos: epispádia (falência do encerramento da uretra), extrofia vesical e extrofia da cloaca (defeito mais grave, que inclui atrésia anal e onfalocelo). O tratamento é cirúrgico, com o objetivo de encerrar o defeito da parede abdominal, possibilitar a continência urinária e reconstruir a região geniturinária.
  • Hérnia umbilical: apresenta-se como uma protrusão na área umbilical do recém-nascido. Há encerramento incompleto da fáscia do anel umbilical, mas com pele intacta cobrindo o anel. É importante determinar a sua redutibilidade, pois uma complicação associada é a hérnia encarcerada. A cirurgia está indicada para defeitos > 1,5 cm, em crianças com > 2 anos de idade e em caso de complicações, incluindo estrangulamento, encarceramento ou rutura.

Referências

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  2. Bradnock, T. et al. (2011). Gastroschisis: one year outcomes from national cohort study. British Medical Journal. doi: 10.1136/bmj.d6749
  3. Feldkamp, M., Carey, J., Sadler, T. (2007). Development of Gastroschisis: Review of hypothesis, and implications for research. American Journal of Medical Genetics. https://doi.org/10.1002/ajmg.a.31578
  4. Ebert, A. et al. (2009). The Exstrophy-epispadias complex. Orphanet Journal of rare diseases. 4:23. doi: 10.1186/1750-1172-4-23
  5. Glasser, J., Windle, M., Carter, B. (2019). Pediatric Omphalocele and Gastroschisis (Abdominal wall defects). Medscape. Retrieved 4 Oct 2020, from https://emedicine.medscape.com/article/975583-overview#a5
  6. Rentea, R., Gupta, V. (2020). Gastrosquise. StatPearls. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK557894/
  7. Stephenson, C. et al. (2020). Gastroschisis. UpToDate. Retrieved 4 Oct 2020, from https://www.uptodate.com/contents/gastroschisis?search=gastroschisis
  8. Troullioud Lucas, A., Jaafar, S., Mendez, M. (2020). Pediatric Umbilical Hernia. StatPearls. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK459294/-

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