Gastroenterite

A gastroenterite é uma inflamação do estômago e dos intestinos, frequentemente causada por infeções bacterianas, víricas ou por parasitas. A transmissão pode ser de origem alimentar, fecal-oral ou através do contacto com animais. As características clínicas comuns incluem dor abdominal, diarreia, vómito, febre e desidratação. Nem sempre são necessários exames complementares de diagnóstico com análise de fezes ou culturas, mas estes podem ajudar a determinar a etiologia em certas circunstâncias. A maioria dos casos de gastroenterite são autolimitados; portanto, o único tratamento necessário é a terapêutica de suporte (fluidos). No entanto, os antibióticos estão indicados em casos graves.

Última atualização: Sep 28, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Epidemiologia

  • A 2ª causa de morbilidade e mortalidade em todo o mundo
  • 3 milhões de mortes anualmente (> 8,400 por dia)
  • Afeta principalmente crianças pequenas em países em desenvolvimento
  • Os viajantes internacionais são particularmente suscetíveis.
  • Nos Estados Unidos da América:
    • 179 milhões de casos por ano (17 milhões de casos são de origem alimentar)
    • Aproximadamente 2 milhões de internamentos por ano

Etiologia

  • Vírica:
    • Norovírus (comum)
    • Rotavírus (comum)
    • Adenovírus entérico
    • Astrovírus
    • Doentes imunocomprometidos:
      • Citomegalovírus
      • Enterovírus
  • Bacteriana:
    • Salmonela (comum)
    • Campylobacter (comum)
    • Shigella
    • Escherichia coli ( E. coli )
    • Clostridium
    • Yersinia
  • Parasita:
    • Giardia lamblia
    • Entamoeba histolytica
    • Cryptosporidium
    • Cyclospora

Patogénese

  • Formas de infeção:
    • Transmitida por alimentos (acumulação de toxinas em produtos alimentares)
    • Fecal-oral (contaminação bacteriana)
    • Transmissão animal direta ou indireta
  • O mecanismo da diarreia, os achados associados e a etiologia estão descritos na tabela abaixo.
Mecanismo da diarreia Não inflamatório (adesão, enterotoxina) Inflamatório (invasão, citotoxina) Penetrante (invade linfáticos)
Apresentação clínica Diarreia aquosa Disenteria (sangue ou muco) ou diarreia inflamatória Febre entérica
Achados nas fezes
  • Sem glóbulos brancos fecais (WBCs, pela sigla em inglês)
  • Sem aumento ou aumento leve da lactoferrina fecal
  • Leucócitos polimorfonucleares fecais
  • Aumento da lactoferrina fecal
Leucócitos mononucleares fecais
Agente patogénico envolvido
  • Vibrio cholerae
  • E. coli enterotoxigênica
  • E. coli enteroagregativa
  • Clostridium perfringens
  • Bacillus cereus
  • Staphylococcus aureus
  • Rotavírus
  • Norovírus
  • Adenovírus entéricos
  • Giardia lamblia
  • Cryptosporidium
  • Cyclospora
  • Shigella
  • Salmonella
  • Campylobacter jejuni
  • E. coli enterohemorrágica
  • E. coli enteroinvasiva
  • Yersinia enterocolitica
  • Listeria monocytogenes
  • Vibrio parahaemolyticus
  • Clostridioides difficile*
  • Entamoeba histolytica
  • Klebsiella oxytoca
  • Salmonella typhi
  • Y. enterocolitica
*Nota: C. difficile produz uma citotoxina e uma enterotoxina, que causa a diarreia aquosa, mas os leucócitos fecais podem ser vistos devido à inflamação do revestimento interno do intestino (colite pseudomembranosa).

Apresentação clínica

  • Sintomas comuns:
    • Dor e cólicas abdominais
    • Diarreia (aquosa, mucoide ou sanguinolenta)
    • Vómitos
    • Febre
    • Anorexia
    • Cefaleia
    • Mialgia
  • Evidência de desidratação grave:
    • Taquicardia
    • Hipotensão
Sintomas de gastroenterite

Resumo dos sintomas comuns e períodos de incubação com base no agente patogénico: O Bacillus cereus é listado duas vezes, porque produz dois tipos de doenças transmitidas por alimentos devido a diferentes enterotoxinas. A doença do tipo emética tem uma incubação de cerca de 1 a 6 horas, e a doença do tipo diarreica tem um período de incubação de 8 a 16 horas.
Nota: esta é uma generalização e a apresentação do doente pode variar.
ETEC, pela sigla em inglês: E. coli enterotoxigénica
EHEC, pela sigla em inglês: E. coli enterohemorrágica

Imagem por Lecturio.
Tabela: Características típicas de organismos importantes associados à gastroenterite
Organismo Características típicas
Bacillus cereus
  • Diarreia, vómitos, cólicas abdominais
  • Ingestão de toxinas pré-formadas em alimentos, como arroz frito
Staphylococcus aureus
  • Vómitos, dor abdominal
  • A diarreia não é típica, mas pode ocorrer.
  • Causada por uma toxina pré-formada em alimentos, como o presunto, aves, a batata, a salada de ovo, a maionese
  • Início rápido dos sintomas
Clostridioides difficile
  • Dor abdominal, diarreia aquosa, possível febre
  • Associado à exposição a antibióticos
Salmonella
  • Diarreia aquosa, febre frequente, dor abdominal e vómitos
  • Associado a alimentos mal cozidos, especialmente aves, carne bovina e ovos
  • Tratamento antibiótico necessário apenas na doença grave ou em doentes imunocomprometidos
Vibrio vulnificus
  • Vómitos, diarreia e dor abdominal
  • Associado a marisco cru ou mal cozido
  • Pode causar doença invasiva com risco de vida em doentes imunocomprometidos ou com doença hepática (hemocromatose)
Clostridium perfringens
  • Diarreia aquosa, cólicas e febre
  • Associado a alimentos mal cozidos ou não refrigerados
Escherichia coli
  • Diarreia aquosa, pode ser sanguinolenta se associada à estirpe enterohemorrágica (produtora da toxina Shiga)
  • Associado a carne mal cozida ou alimentos contaminados com fezes bovinas
Shigella
  • Diarreia sanguinolenta com febre
  • Pode ocorrer bacteriémia.
  • Associado a alimentos ou água contaminados, especialmente durante viagens internacionais
Espécies de Campylobacter
  • Dor abdominal, diarreia sanguinolenta
  • Maior incidência em crianças e adultos jovens
  • Associado a carnes cruas ou mal cozidas
  • “Pseudoapendicite”
  • Cryptosporidium
  • Cystoisospora (anteriormente Isospora )
  • Espécies de Microsporídios
Diarreia aquosa crónica em doentes imunocomprometidos
Giardia
  • Comum no deserto e áreas rurais dos Estados Unidos
  • Doentes assintomáticos podem continuar a eliminar os organismos por meses.
Rotavírus e norovírus
  • Doença breve
  • O vómito é comum
  • Frequentemente visto em buffets de navios de cruzeiro (norovírus)

Diagnóstico

  • Exame das fezes:
    • A maioria dos doentes não necessita de exames de fezes.
    • Guiado pela história clínica e achados:
      • Sangue ou pus nas fezes
      • Febre persistente
      • Sintomas graves
      • Duração prolongada
      • Doentes de alto risco
    • Leucócitos fecais ou lactoferrina → diarreia inflamatória
    • Cultura de fezes e reação em cadeia da polimerase (PCR)
    • Ovos nas fezes e parasitas
    • Antigénio viral direto (raramente indicado)
    • Imunoensaio enzimático da toxina C. difficile
  • Análises gerais:
    • Geralmente realizadas apenas na doença grave com evidência de desidratação
    • Painel metabólico básico → avalia lesão renal aguda e alterações eletrolíticas
    • Hemograma completo → pode ser observada leucocitose; a eosinofilia pode sinalizar uma infeção parasitária

O algoritmo a seguir resume a investigação da gastroenterite:

Investigação diagnóstica de diarreia infecciosa adquirida na comunidade

Abordagem da gastroenterite

Imagem por Lecturio.

Tratamento

  • Cuidados de suporte:
    • A maioria das infeções é autolimitada e requer apenas terapêutica de reidratação oral.
    • A hidratação com fluidos intravenosos (IV) pode ser necessária na doença grave.
    • As soluções orais e intravenosas devem conter eletrólitos de reposição.
  • Agentes antidiarreicos (loperamida, salicilato de bismuto):
    • Reduzir a duração da diarreia
    • Podem retardar a excreção do agente patogénico ou das toxinas causadoras e estão contraindicados se:
      • Diarreia com febre
      • Fezes sanguinolentas ou mucoides
      • Diarreia causada por C. difficile e Shigella
  • Terapêutica antibiótica:
    • Não usada rotineiramente
    • A decisão de usar antibióticos é muitas vezes empírica, porque o teste para agentes patogénicos entéricos nem sempre é conveniente.
    • Possíveis indicações:
      • Disenteria (passagem de fezes com sangue)
      • Febre >38°C (100.4°F)
      • Sintomas graves e hospitalização
      • Grupo populacional de alto risco (lactentes, idosos, imunocomprometidos, doentes com comorbidades)
      • Infeção por C. difficile
    • Contraindicado se existir suspeita de E. coli produtora de toxina Shiga (risco de síndrome hemolítico-urémico (SHU))
    • Antibióticos frequentemente usados:
      • Fluoroquinolonas
      • Azitromicina
      • Trimetoprim-sulfametoxazol (TMP-SMX, pela sigla em inglês)
      • Cefalosporinas de 3ª geração

Complicações

  • Durante a infeção:
    • Choque hipovolémico
    • Desidratação severa
    • Lesão renal aguda
    • Acidose metabólica
    • Desequilíbrios eletrolíticos
    • Morte
  • As complicações pós-diarreicas estão resumidas na tabela abaixo:
Tabela: Complicações pós-diarreicas
Complicação Descrição Organismo responsável
Diarreia crónica (com duração superior a 2 semanas)
  • Deficiência de lactase
  • Sobrecrescimento bacteriano do intestino delgado
  • Síndromes de má absorção (spru tropical e celíaco)
Pode ocorrer com qualquer tipo de diarreia aguda, especialmente por protozoários
Apresentação inicial ou exacerbação da doença inflamatória intestinal Por despoletar uma resposta inflamatória Pode ocorrer com qualquer tipo de diarreia aguda, especialmente C. difficile
Artrite reativa
  • Oligoartrite assimétrica das grandes articulações
  • Entesopatia
  • Shigella
  • Salmonella
  • Campylobacter
  • Yersinia
SHU
  • Anemia hemolítica
  • Trombocitopenia
  • Insuficiência renal
Após infeção por bactérias produtoras de toxina Shiga ( Shigella e E. coli enterohemorrágica)
Síndrome de Guillain-Barré Polineuropatias agudas imunomediadas Campylobacter

Campylobacter

Agente patogénico

  • Campylobacter jejuni são bastonetes curvados, gram-negativos, oxidase-positivos com flagelos polares.
  • Características distintas:
    • Exige um ambiente rico em CO2
    • Cresce a 42.0°C (107.6°F)
    • Pode aparecer em forma de S ou na forma de asas de gaivota devido à sua estrutura helicoidal
  • É o agente patogénico mais frequentemente responsável pela gastroenterite de origem alimentar nos Estados Unidos
  • Altamente contagioso
Espécies de campylobacter

Imagem a mostrar o Campylobacter característico em forma de S ou em forma de asa de gaivota

Imagem: F0001” por the Department of Microbiology/Immunology, Catholic University of Health and Allied Sciences, Mwanza, Tanzania. Licença: CC BY 2.0.

Transmissão

  • Fecal-oral
  • De origem alimentar (carne de aves mal cozida e leite não pasteurizado) e água contaminada
  • Contacto direto com animais infetados (gatos, cães, porcos) ou produtos de origem animal

Patogénese

  • Invade a mucosa do intestino → produz endotoxinas, enterotoxinas e citotoxinas → destrói a superfície da mucosa → sangue e pus nas fezes (diarreia inflamatória)
  • Raramente penetra para causar septicémia

Apresentação clínica

  • Diarreia aguda aquosa e sanguinolenta
  • Febre
  • Dor abdominal grave no quadrante inferior direito semelhante a apendicite (“pseudoapendicite”)
  • Cefaleia
  • Mialgias

Tratamento

  • A maioria dos casos terá uma resolução espontânea.
  • Macrólidos e fluoroquinolonas
  • Nas infeções extraintestinais podem ser administradas cefalosporinas de 3ª geração, imipenem, ampicilina ou gentamicina.

Complicações

  • Síndrome de Guillain-Barré (reação cruzada entre anticorpos C. jejuni e gangliosídeos humanos)
  • Artrite reativa (em doentes positivos para HLA-B27)
  • Anemia hemolítica
  • Endocardite e miopericardite
  • Meningite

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Salmonela não Tifoide

Agente patogénico

  • A S. enteritidis e S. typhimurium são bactérias gram-negativas não fermentadoras de lactose.
  • Produzem sulfeto de hidrogénio e são móveis (ao contrário de Shigella)
  • É o segundo agente patogénico mais frequentemente responsável pela gastroenterite bacteriana transmitida por alimentos

Transmissão

  • Infeção bacteriana transmitida por alimentos (aves, ovos crus, leite)
  • Reservatório: trato intestinal de humanos e animais domésticos (tartarugas, répteis, galinhas)
  • A salmonela é sensível ao ácido estomacal. A redução da acidez estomacal (antiácidos ou gastrectomia) aumenta o risco de infeção.
  • Outros fatores de risco:
    • Condições hemolíticas (anemia falciforme, malária)
    • Esplenectomia
    • Cirrose
    • Leucemia e linfoma
    • Infeção por VIH

Patogénese

  • As bactérias invadem a mucosa na região ileocecal e são libertadas na lâmina própria → influxo de neutrófilos → inflamação → ↑ prostaglandinas e AMPc → diarreia e necrose da mucosa superior
  • A septicémia não é comum (< 5%) com S. enteritidis , mas pode ocorrer com outros subtipos.

Apresentação clínica

  • Período de incubação de 8 a 72 horas, dura 3 a 7 dias
  • Diarreia aquosa inflamatória (ocasionalmente sanguinolenta)
  • Febre, calafrios
  • Cefaleia
  • Mialgias
  • Vómitos graves
  • Cólica abdominal

Tratamento

  • Tratamento de suporte
  • Antibióticos:
    • Não são necessários na maioria dos casos não complicados
    • Prolonga a excreção fecal do agente patogénico
    • Indicado apenas se manifestações sistémicas ou diarreia grave:
      • Fluoroquinolonas (ciprofloxacina)
      • TMP-SMX
      • Azitromicina
      • Cefalosporinas de 3ª geração (ceftriaxona)

Complicações

  • Bacteriemia
  • Artrite reativa
  • Osteomielite (particularmente em doentes com doença de células falciformes)
  • Meningite
  • Miocardite, endocardite

Shigella

A Shigella causa disenteria bacilar, também conhecida como shigelose.

Agente patogénico

  • A S. dysenteriae, a S. flexneri, a S. sonnei e a S. boydii são bastonetes gram-negativos.
  • Resistente ao ácido gástrico
  • S. dysenteriae tipo 1 produz a toxina Shiga (enterotoxina).

Transmissão

  • Fecal-oral
  • Os seres humanos são o único reservatório natural.
  • As moscas são vetores.
  • De origem alimentar (produtos lácteos não pasteurizados e vegetais crus e não lavados)
  • Água contaminada
  • Altamente contagioso

Patogénese

  • A Shigella invade as células M através da macropinocitose → captada pelos macrófagos → escapa ao seu fagossoma → atinge o citoplasma epitelial e replica-se → induz resposta inflamatória → morte das células epiteliais e imunes
  • Os filamentos de actina polimerizados são usados para se disseminar célula a célula sem a necessidade de reentrar no meio extracelular.
  • Libertação de toxina Shiga por S. dysenteriae:
    • Possui 3 propriedades: neurotóxica, citotóxica, enterotóxica
    • Causa secreção intestinal de solutos e água
    • Pode induzir SHU
  • Efeitos resultantes:
    • Diarreia aquosa
    • Secreção de muco
    • Infiltração de leucócitos
    • Úlceras superficiais
    • Raramente causa invasão de vasos sanguíneos
Shigella pathogenesis

Patogénese da infeção por Shigella:
As células com microvilosidades (células M) são invadidas pela Shigella através da macropinocitose e absorvidas pelos macrófagos.
A morte dos macrófagos causa a libertação da bactéria. As células epiteliais são invadidas pelos macrófagos, inferior e lateralmente, através da endocitose. A lise dos endossomas liberta a bactéria no citoplasma.
Os filamentos de actina polimerizados permitem a propagação de célula em célula.
A Shigella multiplica-se e espalha a infeção para a célula adjacente.
A morte das células infetadas desencadeia uma resposta inflamatória aguda (neutrófilos), que resulta em hemorragia e formação de abcesso.

Imagem por Lecturio.

Apresentação clínica

  • Período de incubação de 0-48 horas, dura 2-7 dias
  • Febre
  • Cólica abdominal
  • Tenesmo (urgência para defecar)
  • Diarreia inflamatória com muco, pus e sangue

Antibióticos

  • Geralmente resolve-se espontaneamente
  • Pode ser necessária reidratação e reposição de eletrólitos.
  • Os antibióticos encurtam a duração dos sintomas e a eliminação de agentes patogénicos nas fezes:
    • Fluoroquinolonas
    • Azitromicina
    • Cefalosporinas de 3ª geração
  • Evitar fármacos antimotilidade, pois podem agravar os sintomas e causar megacólon tóxico.

Complicações

  • SHU → devido à toxina Shiga, frequentemente observada em crianças
  • Perda sanguínea aguda → ulcerações da mucosa
  • Complicações intestinais:
    • Megacólon tóxico
    • Perfuração do cólon
    • Obstrução intestinal
    • Proctite
    • Prolapso retal → por tenesmo
  • Artrite reativa
  • Embora invasiva, a Shigella raramente causa septicemia.

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Vibrio

A cólera é uma forma grave de gastroenterite causada pelo Vibrio cholerae ( V. cholerae ) .

Agente patogénico

  • A V. cholerae é um bastonete gram-negativo, oxidase-positivo, curvo com flagelos polares.
  • Cresce em meio alcalino
  • Característica distintiva: motilidade em “estrela cadente” inativada por soro específico
  • Produz a toxina da cólera

Transmissão

  • Habitante de águas costeiras em estuários
  • Disseminação fecal-oral
  • Frutos do mar mal cozidos ou água contaminada
  • Sensível ao ácido estomacal; requer uma dose alta para infeção
  • Os surtos tendem a ocorrer durante os meses quentes.
  • Endémica em áreas da Ásia, África, Oriente Médio, América Central e do Sul e Costa do Golfo dos EUA
  • A suscetibilidade aumenta em:
    • Doentes com sangue tipo O
    • Uso de antiácidos, anti-histamínicos ou inibidores da bomba de protões

Patogénese

  • A motilidade, a mucinase e o pili co-regulado por toxina (TCP, pela sigla em inglês) auxiliam na fixação à mucosa intestinal.
  • Leva à colonização do revestimento intestinal sem invasão da parede intestinal
  • A enterotoxina da cólera é libertada: ativa a adenilato ciclase → ↑ AMPc → efluxo de eletrólitos e água pela mucosa do intestino delgado no duodeno e jejuno

Apresentação clínica

  • O período de incubação é de 1 a 3 dias.
  • Alguns doentes podem ser assintomáticos ou apresentar apenas sintomas leves.
  • Fezes profusas de “água de arroz”
  • Dor abdominal e náusea são menos proeminentes do que noutras formas de gastroenterite.
  • Pode levar, rapidamente, a desidratação grave e depleção de eletrólitos em poucas horas:
    • Sede
    • Oligúria
    • Cãibras musculares
    • ↓ Turgor da pele
  • Casos graves podem levar a alteração do estado mental, necrose tubular renal e colapso circulatório.

Tratamento

  • A reposição urgente de fluidos e eletrólitos é a primeira prioridade.
  • Os antibióticos são usados na doença grave e podem diminuir a diarreia e a descamação:
    • Doxiciclina
    • Azitromicina (eritromicina, em crianças)
    • Ciprofloxacina

Complicações

  • Desidratação severa
  • Insuficiência renal
  • Choque hipovolémico

Infeções por Vibrio não-cólera

A tabela a seguir resume brevemente as formas mais ligeiras de gastroenterite causadas por espécies de Vibrio não-cólera:

Vibrio parahaemolyticus Vibrio mimicus Vibrio vulnificus
Característica distintiva
  • Não fermentadoras de lactose
  • Não produz enterotoxina
  • “Imita” V. cholerae em testes bioquímicos
  • Pode produzir enterotoxina semelhante à cólera
  • Fermentador de lactose
  • Crescimento dependente de ferro
Transmissão Consumo de frutos do mar mal cozidos ou crus Consumo de frutos do mar mal cozidos ou crus
  • Gastroenterite: consumo de frutos do mar mal cozidos ou crus
  • Infeções da pele: nadar em água salobra, descascar ostras
Doença Gastroenterite Gastroenterite
  • Gastroenterite (menos comum)
  • Celulite ou fasceíte necrosante (comum em doentes com doença hepática, especialmente hemocromatose)
Apresentação clínica Diarreia aquosa com cólicas e dor abdominal Diarreia aquosa, náuseas, cólicas abdominais
  • Gastroenterite: diarreia aquosa com cólicas e dor abdominal (na gastroenterite)
  • Infeção cutânea: celulite de rápida disseminação, difícil de tratar, que pode progredir para fasceíte necrosante e, eventualmente, sépsis
Tratamento Auto-limitada Auto-limitada
  • Gastroenterite: autolimitada
  • Celulite/fasceíte necrosante: tetraciclina ou cefalosporinas de 3ª geração

Yersinia

Agente patogénico

  • A Yersinia enterocolitica é um cocobacilos gram-negativo e oxidase-negativo.
  • Anaeróbio facultativo
  • Bactéria pleomórfica que pertence a Enterobacteriaceae
  • Agente patogénico obrigatório
  • Características distintas:
    • Móvel a 25.0°C (77°F), imóvel a 37.0°C (98.6°F)
    • Crescimento a frio

Transmissão

  • Alimentar (carne de porco crua ou mal cozida, leite não pasteurizado)
  • Produtos sanguíneos
  • Água contaminada
  • Contato direto ou indireto com um animal infetado (gado, coelhos, roedores)

Patogénese

  • Adere às células epiteliais no íleo → invade a parede intestinal, provavelmente através das células M → coloniza o tecido linfóide (placas de Peyer)
  • Pode invadir gânglios mesentéricos e disseminar
  • Produção de enterotoxina semelhante à ETEC
  • Leva à ulceração da mucosa no íleo terminal
  • Os estados de sobrecarga de ferro aumentam a patogenicidade.

Apresentação clínica

  • O período de incubação é de cerca de 4 a 6 dias; a duração é de 1-2 semanas.
  • Diarreia sanguinolenta inflamatória
  • Febre
  • Náuseas e vómitos
  • Dor abdominal
  • Faringite (aproximadamente 20%)

Tratamento

  • Geralmente requer apenas cuidados de suporte
  • Antibióticos podem ser usados com base na gravidade, mas o benefício clínico é questionável:
    • Fluoroquinolonas
    • TMP-SMX
    • Cefalosporinas de 3ª geração

Complicações

  • Artrite reativa
  • Eritema nodoso
  • Infeção sistémica
  • Abdominal (raro):
    • Linfadenite mesentérica (“pseudoapendicite” com dor no quadrante inferior direito)
    • Trombose da veia mesentérica (pode levar à necrose intestinal)
    • Perfuração intestinal
    • Megacólon tóxico
    • Colangite
    • Peritonite

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Clostridium

A enterocolite por Clostridium perfringens será discutida aqui.

Agente patogénico

  • Os Clostridium perfringens tipo A são bastonetes gram-positivos, anaeróbios, formadores de esporos.
  • Características distintivas:
    • Imóvel
    • Anaeróbio: “fermentação tempestuosa” em meios lácteos
    • Zona dupla de hemólise em ágar sangue

Transmissão

  • De origem alimentar (carne mal cozida ou mal refrigerada, pratos de carne reaquecidos, legumes)
  • Os esporos podem sobreviver às temperaturas atingidas ao cozinhar.
  • Prolifera em alimentos que são armazenados inadequadamente

Patogénese

  • Os esporos germinam em condições anaeróbicas.
  • A enterotoxina é produzida no intestino → interrompe o transporte de iões → diarreia aquosa, cólicas

Apresentação clínica

  • Período de incubação de 6 a 24 horas, desaparece em 24 a 48 horas (geralmente < 24 horas)
  • Cólicas abdominais severas
  • Diarreia aquosa não inflamatória
  • Vómitos e febre são incomuns.

Tratamento

  • Tratamento de suporte
  • Geralmente é uma doença autolimitada

Outras manifestações patológicas

  • Gangrena gasosa
  • Celulite e fasceíte
  • Enterocolite necrosante (de estirpes do tipo C):
    • A beta-toxina produz necrose segmentar do intestino.
    • Apresenta-se com diarreia sanguinolenta, dor abdominal e vómitos
    • Tratamento:
      • Antibióticos (penicilina G, metronidazol)
      • Possível cirurgia se falha de resposta, perfuração ou obstrução

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Clostridium perfringens

Fotomicrografia de bacilos gram-positivos Clostridium perfringens

Imagem: “Clostridium perfringens” por Centers for Disease Control and Prevention/Don Stalons. Licença: Public Domain

Rotavírus

Agente patogénico

  • O rotavírus é um reovírus de RNA de fita dupla sem evelope, segmentado.
  • É a causa mais comum de diarreia grave entre bebés e crianças em todo o mundo
Partículas de rotavírus

Micrografia eletrónica de transmissão de partículas de rotavírus

Imagem por CDC/Dr. Erskine Palmer, PD.

Transmissão

  • Via fecal-oral
  • Apenas é necessário um pequeno inócuo para a transmissão.
  • Comum durante os meses de inverno

Fisiopatologia

  • Penetra nas células das vilosidades do intestino delgado → produção de proteína semelhante à toxina da cólera → destruição e aplanamento das microvilosidades → interrompe a absorção de eletrólitos e água
  • ↓ Atividade da dissacaridase → má absorção de lactose e D-xilose → influxo osmótico no intestino
  • Desenvolvem-se fezes aquosas devido à secreção ativa de água e absorção prejudicada.

Apresentação clínica

  • O período de incubação é < 48 horas e a duração é de 4 a 5 dias.
  • Febre
  • Mal-estar
  • Dor abdominal
  • Vómitos
  • Diarreia aquosa não inflamatória, não sanguinolenta: pode ser grave e levar à desidratação grave

Gestão e prevenção

  • A doença é autolimitada.
  • Reidratação oral
  • Fluidos IV em doentes com desidratação grave
  • Vacina viva atenuada:
    • Dado a todas as crianças antes dos 8 meses de idade
    • Contraindicações:
      • Doença de imunodeficiência combinada grave (SCID, pela sigla em inglês)
      • História de intussuscepção

Complicações

  • Convulsões
  • Encefalopatia
  • Encefalite

Norovírus

Agente patogénico e epidemiologia

  • O norovírus (também conhecido como vírus Norwalk) é um calicivírus de RNA sem envelope.
  • Os surtos comunitários (asilos, hospitais, navios de cruzeiro, etc.) são comuns.
  • Causa o tipo mais comum de gastroenterite em adultos
Imagem de microscópio eletrônico de transmissão de norovírus murino não tratado

Microscopia eletrónica de norovírus

Imagem : “Norovirus” por Department of Food Science and Technology, Faculty of Marine Science, Tokyo University of Marine Science and Technology, 4 -5-7, Konan, Minato-ku, Tokyo, 108-8477 Japan. Licença: CC BY 4.0 , editado por Lecturio

Transmissão

  • O vírus é altamente virulento.
  • Via fecal-oral através de alimentos, água ou superfícies contaminadas
  • Contacto pessoa a pessoa
  • Aerossolizado

Patogénese

  • O mecanismo não é totalmente compreendido.
  • O esvaziamento gástrico retardado leva a náuseas e vómitos.
  • A biópsia jejunal mostra aplanamento das microvilosidades, mas a mucosa está de resto intacta.
  • A vacuolização citoplasmática é observada juntamente com infiltrados mononucleares de tecido.
  • O vírus parece diminuir as enzimas da bordadura em escova, causando má absorção.
Norovírus suíno recombinante identificado em leitão com diarreia

Coloração de hematoxilina e eosina:
A: Vilosidades longas no duodeno de aparência normal
B: Vilosidades no duodeno demostrando atrofia leve das vilosidades por infeção por norovírus
C: Vilosidades longas e de aparência normal no jejuno
D: Vilosidades no jejuno demostrando atrofia leve das vilosidades por infeção por norovírus

Imagem: “F3” por the Key Laboratory of Veterinary Biotechnology, School of Agriculture and Biology, Shanghai JiaoTong University, 800 Dongchuan Road, Shanghai, People’s Republic of China. Licença: CC BY 2.0.

Apresentação clínica

  • O período de incubação é de 24 a 60 horas.
  • Início abrupto de náuseas e vómitos
  • Diarreia aquosa e não sanguinolenta
  • Cólicas abdominais
  • Cefaleia
  • Mialgias
  • Mal-estar

Diagnóstico e tratamento

  • O diagnóstico geralmente é baseado na suspeita clínica.
  • O tratamento inclui reidratação com fluidos orais ou IV.

Referências

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