Gastrite

A gastrite é a inflamação da mucosa gástrica e pode ser classificada por curso temporal (aguda ou crónica), características histológicas e etiologia. Pode ser assintomática ou causar sintomas, tais como dor abdominal em queimadura ou ardor (que ou piora ou melhora com a alimentação), dispépsia, náuseas e vómitos. As etiologias mais comuns de gastrite são a infeção pelo Helicobacter pylori e o uso de aspirina/AINEs. A gastrite crónica (metaplásica) pode-se dever a causas autoimunes ou ambientais e é um fator de risco para cancro gástrico. O tratamento da gastrite aguda e crónica devido à infeção por H. pylori envolve a supressão de ácidos e antibióticos. As outras causas são tratadas através da evicção de agentes agressores e reposição dos défices associados.

Última atualização: Jan 16, 2024

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Definição

A gastrite é a inflamação da mucosa gástrica associada a lesão da mucosa.

Epidemiologia

  • Prevalência de 6,3 por 100.000 habitantes
  • Helicobacter pylori: prevalência na população pediátrica (determinante primário da gastrite por H. pylori):
    • 10% nos países ocidentais
    • 50% nos países em desenvolvimento
    • Transmissão por via fecal-oral
  • Gastrite autoimune:
    • Prevalência: 2%–5% nos países ocidentais
    • Mais comum em mulheres e aumenta com a idade
    • Associada a outras doenças autoimunes (por exemplo, doenças da tireoide, diabetes)

Etiologia

A gastrite é geralmente causada por uma infeção ou por um processo imunomediado.

  • Infeciosa:
    • H. pylori (mais comum)
    • Mycobacterium avium intracellulare
    • Enterococcus
    • Herpes simplex
    • Citomegalovírus
    • Parasitas
  • Autoimune (associada a anticorpos anti-células parietais e anti-fator intrínseco)
  • Causas raras:
    • Doença de Crohn
    • Sarcoidose
    • Vasculite
    • Gastrite colagenosa
    • Gastrite eosinofílica
    • Gastrite isquémica

Fisiopatologia

Gastrite associada ao H. pylori

  • Pode ser aguda ou crónica
  • O H. pylori reside no muco gástrico adjacente às células epiteliais e invade a lâmina própria.
  • Aguda (fase inicial):
    • Inflamação ou gastrite predominantemente no antro
    • Gastrina + ↓ somatostatina = ↑ produção de ácido
    • O aumento do ácido exacerba a lesão e a inflamação da mucosa.
    • Devido à localização antral, a úlcera duodenal é uma complicação.
  • Crónica (fase tardia):
    • Gastrite atrófica metaplásica ambiental (EMAG, pela sigla em inglês)
    • A inflamação contínua da mucosa gástrica resulta na perda de células G (produtoras de gastrina) e de células parietais (produtoras de ácido).
    • Esta alteração permite a migração proximal do H. pylori → disseminação do antro para o corpo gástrico
    • Efeitos:
      • Glândulas atróficas → metaplasia intestinal da mucosa gástrica (risco aumentado de cancro gástrico)
      • Diminuição da produção de ácido → hipocloridria → redução da absorção de ferro
      • Perda de células parietais → ↓ fator intrínseco → deficiência de B12
    • Risco de cancro:
      • Adenocarcinoma gástrico
      • Linfoma de tecido linfoide associado à mucosa (MALT, pela sigla em inglês)
Corpus mucosa

Gastrite crónica por H. pylori:
A: Mucosa normal do corpo
B: Gastrite não atrófica: inflamação mononuclear ligeira observada na camada superior da mucosa (gastrite superficial, como indicada pelas setas). A camada glandular permanece intacta.
C: Gastrite atrófica moderada: inflamação mononuclear crónica intensa ocorre nas camadas inferiores, acompanhada de atrofia das glândulas oxínticas (indicando um estômago com hipocloridria). A secreção de ácido está afetada devido à perda de células parietais (nas glândulas oxínticas).
D: Gastrite atrófica grave, com inflamação ligeira, mas com perda das glândulas oxínticas.

Imagem: “Corpus mucosa” de Patolab Oy, Espoo, Finland and Tartu State University, Tartu, Estonia. Licença: CC BY 4.0

Gastrite atrófica metaplásica autoimune (AMAG, pela sigla em inglês)

  • Inflamação ou gastrite predominantemente no corpo
  • Associada a doença autoimune crónica mediada por células T:
    • As células T destroem a mucosa oxíntica.
    • Anticorpos contra as células parietais e o fator intrínseco
    • Efeitos:
      • Perda de glândulas oxínticas, substituídas por mucosa atrófica → metaplasia intestinal
      • Estas alterações patológicas levam à redução da produção de ácido → hipocloridria / acloridria → ↑ gastrina (perda do feedback negativo)
      • Diminuição do ácido → diminuição da absorção de ferro
      • Perda de células parietais e de fator intrínseco devido aos anticorpos: anemia perniciosa (deficiência de B12)
  • Risco de cancro:
    • Tumores neuroendócrinos / carcinoides gástricos: A gastrina elevada também estimula as células enterocromafins.
    • Adenocarcinoma gástrico

Gastropatia

  • Lesão do revestimento epitelial com inflamação associada mínima ou ausente
  • Tecnicamente é uma entidade separada da gastrite
  • Associada à lesão da mucosa por destruição da barreira protetora normal (mucinas, bicarbonato e epitélio)
  • Pode ter uma apresentação semelhante à gastrite
  • Pode ocorrer hemorragia (gastropatia hemorrágica aguda).
  • Causas comuns:
    • Fármacos
    • Álcool
    • Refluxo biliar
    • Anti-inflamatórios não esteroides (AINEs)
    • Stress (choque, trauma, lesão do sistema nervoso central (SNC))
Alterações na gastrite erosiva aguda

Alterações de gastrite erosiva aguda (vista endoscópica) num doente que fez tratamento prolongado com AINEs COX-2

Imagem: “Acute erosive gastritis” do Department of Medical Sciences II, Medical Rehabilitation, University of Medicine and Pharmacy of Craiova, Romania. Licença: CC BY 2.0

Apresentação Clínica e Diagnóstico

Apresentação clínica

  • Gastrite por H. pylori (aguda e crónica):
    • Assintomática ou dispépsia leve na forma aguda
    • Dor abdominal e dispépsia na EMAG
    • Anemia ferropénica
    • Deficiência de B12
  • AMAG:
    • Pode ser assintomática, mas frequentemente com dispépsia
    • Deficiência de B12 : fadiga, glossite, declínio cognitivo e outras manifestações neurológicas
    • Anemia ferropénica: ocorre antes da deficiência de B12
  • Outros: hematemeses (gastropatia hemorrágica)

Investigação diagnóstica

  • Análises laboratoriais:
    • AMAG:
      • ↑ Níveis de gastrina (jejum) em fase aguda / inicial
      • ↓ razão pepsinogénio I / pepsinogénio II
      • Hemograma completo: anemia (↓ ferro, ↓ B12 )
      • Serologia: anticorpos anti células parietais e fator intrínseco
    • EMAG:
      • Gastrina não tão elevada
      • Níveis baixos de pepsinogénio I no soro ou razão ↓ pepsinogénio I / pepsinogénio II
      • Anemia perniciosa ausente
      • Sem autoanticorpos contra as células parietais e o fator intrínseco
  • Endoscopia digestiva alta:
    • Pode não ter alterações patológicas óbvias
    • Os achados, muitas vezes inespecíficos, podem incluir:
      • Eritema da mucosa / mucosa friável
      • Nodularidade antral
      • Aplanamento das pregas gástricas (gastrite atrófica avançada)
      • Erosões da mucosa, hemorragias petequiais (gastropatia erosiva)
  • Biópsia:
    • São recomendadas múltiplas biópsias (corpo e antro)
    • Todas as áreas de aparência suspeita devem ser biopsiadas.
    • Incluir também tecido normal adjacente.
    • Achados na gastrite aguda por H. pylori:
      • Bacilos em espiral na amostra
      • Neutrófilos na mucosa
    • Achados na gastrite crónica por H. pylori:
      • Linfócitos, plasmócitos, eosinófilos
      • Folículos linfoides
    • Achados na AMAG precoce:
      • Inflamação profunda, eosinófilos
      • Destruição das glândulas oxínticas
      • Metaplasia intestinal ou pseudopilórica
    • Achados na AMAG avançada:
      • As glândulas metaplásicas substituem as glândulas oxínticas.
      • Células epiteliais megaloblásticas
Mucosa do corpo com gastrite crónica "ativa"

Gastrite crónica. A: inflamação da mucosa com muitas células mononucleares (setas); B: mucosa normal.

Imagem: “Corpus mucosa” de Informa Healthcare. Licença: CC BY 4.0

Testes específicos para o H. pylori

  • Não invasivos:
    • Teste de antigénio fecal:
      • Para o diagnóstico inicial
      • Para confirmar a erradicação
    • Teste respiratório da ureia:
      • O doente ingere ureia marcada radioativamente por via oral.
      • A urease produzida pelo H. pylori divide-a e liberta CO2 .
      • O CO2 radioativo é detetado na respiração.
    • Serologia:
      • Deteção de imunoglobulina G (IgG) sérica contra o H. pylori
      • Baixa precisão
      • A IgG permanece positiva após a erradicação.
  • Invasivos (requer uma amostra da mucosa gástrica):
    • Teste da urease na biópsia:
      • A urease produzida pelo H. pylori liberta amónia a partir da ureia.
      • O pH alcalino muda a cor de um reagente de pH.
    • Histologia:
      • Hematoxilina e eosina (H&E), imunohistoquímica, coloração de Giemsa
      • Veem-se bacilos gram-negativos curvos e flagelados.
    • Cultura e sensibilidade da bactéria
Positividade imunohistoquímica do h. Pylori

Coloração imunohistoquímica para H. pylori no antro gástrico

Imagem: “Immunohistochemical H. pylori” do Department of Gastroenterology, Bakirkoy Dr Sadi Konuk Training and Research Hospital, Istanbul, Turkey. Licença: CC BY 2.0

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Tratamento e Complicações

Tratamento

  • Princípios gerais:
    • Inibidores da bomba de protões (IBPs)
    • Tratamento de reposição B12
    • Tratamento da deficiência de ferro
    • Para os doentes sintomáticos: Evitar quaisquer agentes precipitantes / irritantes gástricos.
  • Gastrite associadaao H. pylori :
    • Tratamento de erradicação do H. pylori
    • Um esquema de antibióticos associado a um IBP:
      • Terapia tripla: IBP + claritromicina + amoxicilina ou metronidazol
      • Terapia quádrupla contendo bismuto: IBP + bismuto + tetraciclina + metronidazol

Complicações

  • Cancro gástrico do tipo intestinal:
    • Associado a AMAG e EMAG
    • Progressão da atrofia da mucosa para metaplasia intestinal
    • A metaplasia progride para displasia e, eventualmente, para adenocarcinoma invasivo.
  • MALToma (tumor linfoide associado à mucosa):
    • Linfoma de células B do estômago
    • Associação clara com infeção por H. pylori
    • Geralmente regride com a erradicação do H. pylori

Diagnóstico Diferencial

  • Doença de Ménétrier (DM): gastropatia perdedora de proteínas caracterizada por pregas hiperplásicas gigantes da mucosa do corpo e fundo gástricos. Esta doença apresenta-se com dor abdominal, náuseas e vómitos, no entanto, a perda de peso e a diarreia associadas podem ajudar a diferenciar a DM da gastrite. Uma avaliação adicional por EDA com biópsia permite confirmar a DM.
  • Doença Ulcerosa Péptica (DUP): úlcera de espessura total envolvendo a parede gástrica ou duodenal. A doença ulcerosa péptica manifesta-se por dor abdominal, náuseas / vómitos e, por vezes, hemorragia digestiva alta. Esta doença também se associa ao H. pylori. O diagnóstico é feito por endoscopia.
  • Colelitíase / colecistite: cálculos biliares a obstruir o ducto cístico (colelitíase) que podem estar associados a inflamação da vesícula biliar (colecistite). A colecistite apresenta-se frequentemente com dor epigástrica e no quadrante superior direito, náuseas e vómitos. Ao contrário da gastrite, está frequentemente associada a dor no quadrante superior direito ou subcostal.
  • Gastroenterite vírica: doença aguda autolimitada associada a dor abdominal difusa, vómitos e diarreia. A diarreia aquosa pode ajudar a diferenciar esta doença da gastrite aguda.
  • Pancreatite: inflamação do pâncreas; pode ser aguda ou crónica. A pancreatite manifesta-se, geralmente, por dor epigástrica com irradiação dorsal, náuseas, vómitos e distensão abdominal. As análises sanguíneas irão revelar amilase e lipase elevadas.

Referências

  1. Azer S.A., Akhondi H. (2020). Gastritis. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK544250/
  2. Jensen P.J, Feldman M. (2020). Acute and chronic gastritis due to Helicobacter pylori. Obtido a 25 de novembro de 2020, em https://www.uptodate.com/contents/acute-and-chronic-gastritis-due-to-helicobacter-pylori
  3. Jensen P.J, Feldman M. (2020). Metaplastic (chronic) atrophic gastritis. Recuperado a 25 de novembro de 2020, em https://www.uptodate.com/contents/metaplastic-chronic-atrophic-gastritis
  4. Jensen P.J, Feldman M. (2020). Gastritis: Etiology and diagnosis. Recuperado a 25 de novembro de 2020, em https://www.uptodate.com/contents/gastritis-etiology-and-diagnosis

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