Flucitosina, Griseofulvina e Terbinafina

Para além das 3 outras classes principais de agentes antifúngicos (azóis, polienos e equinocandinas), existem outros agentes antifúngicos importantes, utilizados na prática clínica, como a flucitosina, a griseofulvina e a terbinafina. Cada um destes fármacos possui um mecanismo de ação, características e indicações clínicas distintas. A flucitosina é um análogo da pirimidina que interrompe a síntese de DNA e RNA dos fungos. A flucitosina deve ser sempre administrada em combinação com outros agentes antifúngicos e está indicada no tratamento da meningite criptocócica. Tanto a griseofulvina como a terbinafina atuam no estrato córneo da pele e estão indicadas no tratamento das dermatofitoses da pele, cabelos e unhas.

Última atualização: Feb 17, 2023

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Classificação e Química

Classificação

Além das 3 principais classes de agentes antifúngicos (azóis, polienos e equinocandinas), existem outros agentes antifúngicos clinicamente importantes, nomeadamente:

  • Flucitosina (também conhecida como 5-fluorocitosina (5-FC))
  • Griseofulvina
  • Terbinafina

Estruturas químicas

  • Flucitosina: análogo de pirimidina
  • Griseofulvina: composto de oxaspiro (possui uma estrutura cíclica na qual 1 dos componentes do anel é uma molécula de oxigénio)
  • Terbinafina:
    • Uma alilamina: contém um átomo de nitrogénio e uma ligação dupla carbono-carbono
    • Contém um grupo funcional alquinil (ligação tripla carbono-carbono)

Farmacodinâmica: Mecanismos de Ação

Flucitosina

A flucitosina é um análogo da pirimidina que impede a síntese de DNA e RNA.

  • Entra nas células fúngicas através de uma proteína conhecida como citosina permease
  • No interior da célula fúngica, a flucitosina é convertida na sua forma ativa, 5-fluorouracil (5-FU), pela enzima citosina desaminase.
    • Mamíferos não possuem citosina desaminase → efeitos seletivos nas células microbianas
    • Considera-se que a conversão em 5-FU pela flora intestinal seja responsável pela toxicidade nos humanos.
  • 5-FU:
    • Compete com o uracilo → incorporado nas cadeias de RNA, impedindo a síntese de RNA → inibe a síntese de proteínas fúngicas
    • Inibe irreversivelmente a timidilato sintetase → inibição da produção de timina → incapacidade de sintetizar ou corrigir o DNA → DNA danificado
  • Pode exercer efeitos fungistáticos ou fungicidas, dependendo do microorganismo
  • Pode gerar efeitos sinérgicos em combinação com anfotericina B e azóis
  • Resistência:
    • Resistência primária/intrínseca: devido a mutações na citosina permease → ↓ captação de 5-FU nas células fúngicas
    • Resistência secundária/adquirida:
      • Devido a mutações na citosina desaminase
      • A resistência é significativa quando usada em monoterapia.
    • Resistência na espécie C. albicans: aproximadamente 10%
Agentes antifúngicos e mecanismos de ação

Agentes antifúngicos e mecanismos de ação

Imagem por Lecturio. Licença: CC BY-NC-SA 4.0

Griseofulvina

Os mecanismos exatos da griseofulvina não estão completamente esclarecidos, mas foram propostos 2 mecanismos de ação:

  • Ligação à queratina na pele recém-formada, tornando as novas células humanas resistentes à invasão
    • Previne a infeção de novas estruturas da pele → agente fungistático
    • Com o tempo (semanas a meses), as novas estruturas de cabelo/pele/unha não infetadas substituirão as antigas e infetadas.
  • Inibição da replicação celular em dermatófitos:
    • A griseofulvina liga-se à tubulina e inibe a organização dos microtúbulos
    • Leva à inibição da formação do fuso mitótico →inibição da mitose na metáfase

Terbinafina

A terbinafina provoca a deterioração da membrana celular fúngica, inibindo a produção de epóxido de esqualeno, um precursor do ergosterol.

  • Síntese de ergosterol:
    • O esqualeno é convertido em epóxido de esqualeno, pela enzima esqualeno epoxidase.
    • O epóxido de esqualeno é convertido em lanosterol.
    • O lanosterol é convertido em ergosterol, pela enzima lanosterol 14-α-demetilase (a 14-α-demetilase é inibida pelos azóis).
  • A terbinafina inibe de forma não competitiva a enzima esqualeno epoxidase.
  • Os seus efeitos incluem:
    • ↓ Produção de epóxido de esqualeno → ↓ ergosterol
    • Os fungos são incapazes de sintetizar ou manter as suas membranas celulares sem ergosterol.
    • ↑ Permeabilidade da membrana celular fúngica → lise celular
  • A terbinafina desempenha efeitos fungicidas nos dermatófitos.

Farmacocinética

Tabela: Farmacocinética da flucitosina, griseofulvina e terbinafina
Fármacos Flucitosina Griseofulvina Terbinafina
Absorção
  • Bem absorvida
  • Biodisponibilidade: 75%‒90%
  • Não absorvida na forma tópica
  • Solubilidade em água muito baixa
  • Melhor absorção oral com alimentos gordurosos
  • Bem absorvida
  • Biodisponibilidade: 40% (devido ao metabolismo de 1ª passagem)
Distribuição
  • Ligação mínima a proteínas
  • Boa penetração em todos os compartimentos de fluidos corporais, incluindo no LCR
  • Estrato córneo (camada de queratina) da pele, cabelo e unhas
  • Concentra-se no/em:
    • Fígado
    • Gordura
    • Músculo esquelético
  • Estrato córneo
  • Ligação às proteínas:> >99%
Metabolismo Metabolizado intracelularmente por leveduras na forma ativa 5-FU
  • Metabolismo hepático extenso
  • Indutor do CYP450 (interações medicamentosas)
  • Metabolismo hepático via enzimas CYP450 para metabolitos inativos
  • Inibidor moderado do CYP2D6
Excreção
  • Eliminação renal por filtração glomerular, essencialmente como fármaco inalterado
  • T 1/2 : 3‒6 horas
  • Ajustar a dose na insuficiência renal.
  • Eliminação:
    • Fecal (33%)
    • Transpiração
  • T 1/2 : 9‒24 horas
  • Eliminação:
    • Urina: 80%, sobretudo como metabolitos inativos
    • Fezes: 20%
  • T 1/2 efetivo: aproximadamente 36 horas
  • T 1/2 terminal: 200‒400 horas (libertação do fármaco da pele e tecido adiposo muito lenta)
CYP450: citocromo P450
5-FU: 5-fluorouracil
T 1/2 : semi-vida
Camadas da pele

Camadas da pele:
A griseofulvina e a terbinafina penetram no estrato córneo.

Imagem por Lecturio. Licença: CC BY-NC-SA 4.0

Flucitosina

Indicações

A flucitosina tem um espectro de atividade estreito. Devido à sua sinergia demonstrada com outros agentes antifúngicos e ao risco elevado de resistências quando como monoterapia, a flucitosina é utilizada em regime de terapêutica combinada.

  • Ativo contra:
    • Cryptococcus neoformans
    • Algumas espécies Candida spp.
    • Cromoblastomicose
  • Não ativo contra:
    • Micoses endémicas: Histoplasma, Blastomyces, Coccidioides
    • Aspergillus
    • Ziomicetos
    • A maioria dos dermatófitos
  • Utilização clínica:
    • Usado em combinação com anfotericina B no tratamento da meningite criptocócica e da pneumonia (principal utilização)
    • Usado em combinação com itraconazol no tratamento da cromoblastomicose
    • Usado em combinação com outros agentes no tratamento de infeções fúngicas sistémicas suscetíveis, incluindo:
      • Septicemia
      • Endocardite
      • Infeções do trato urinário
      • Peritonite
      • Infeções pulmonares

Efeitos adversos

A flucitosina é frequentemente administrada com anfotericina B, sendo este um agente altamente nefrotóxico. A insuficiência renal induzida pela anfotericina B pode levar à acumulação de 5-FC (eliminada pelos rins) e, consequentemente, aos efeitos da sua toxicidade direta:

  • Efeitos hematológicos: devido à toxicidade da medula óssea
    • Leucopenia
    • Trombocitopenia
    • Anemia
  • Efeitos gastrointestinais e hepáticos:
    • Desconforto GI (6% dos indivíduos): náuseas, vómitos e/ou diarreia
    • ↑ das transaminases nas análises sanguíneas
    • Foram relatados casos de necrose hepática, embora raros.

Contraindicações

  • Hipersensibilidade à flucitosina (apenas contraindicação absoluta)
  • Ponderar a sua utilização em indivíduos com:
    • Depressão da medula óssea
    • Disfunção hepática
    • Insuficiência renal
  • Evitar terapêutica em monoterapia.

Monitorização

  • Hemograma completo: para monitorizar sinais de toxicidade hematológica
  • Avaliação da função hepática: para monitorizar sinais de hepatotoxicidade
  • BUN e creatinina: para monitorizar sinais de disfunção renal, que pode exigir ajustes de dose
  • Concentrações séricas de flucitosina: janela terapêutica estreita

Griseofulvina

Indicações

A griseofulvina é usada principalmente no tratamento de dermatofitoses do cabelo, pele ou unhas. No entanto, atualmente, são favorecidos outros agentes mais novos, como a terbinafina ou o itraconazol, em substituição da griseofulvina.

  • Ativa contra:
    • Trichophyton spp.
    • Microsporum spp.
    • Epidermophyton floccosum
  • Indicações clínicas:
    • Tinea pedis: “pé de atleta”
    • Tinea cruris: “prurido na virilha”, na região genital/inguinal
    • Tinea corporis: micose em qualquer parte do corpo
    • Tinea barbae: infeção da barba ou bigode, frequentemente observado em homens adultos
    • Tinea capitis: infeção do couro cabeludo e da haste capilar
      • A eficácia é mais elevada se tratamento associado um champô com sulfeto de selénio na sua composição.
    • Tinea unguium (onicomicose): infeção das unhas
  • Nota: A griseofulvina não é eficaz no tratamento da tinea versicolor.

Efeitos adversos

No geral, a griseofulvina tem níveis relativamente baixos de toxicidade. Os efeitos adversos podem incluir:

  • Sintomas gastrointestinais: náuseas, vómitos e/ou diarreia
  • Cefaleias
  • Efeitos da histamina:
    • Febre
    • Rash
    • Rubor
  • Reações cutâneas:
    • Fotossensibilidade
    • Rash
    • Síndrome de Stevens-Johnson
  • Crise de porfiria
  • Exacerbação de lúpus eritematoso sistémico (LES)
  • Hepatotoxicidade (raro, mas pode ser grave)
  • Possível alergia cruzada com penicilinas
  • Leucopenia

Contraindicações

  • Hipersensibilidade à griseofulvina
  • Insuficiência hepática
  • Porfiria
  • Gravidez

Terbinafina

Indicações

  • Infeções por dermatófitos, especialmente onicomicose
  • Mais eficaz que os fármacos griseofulvina ou itraconazol na onicomicose
  • Disponível nas formas oral e tópica (ao contrário da griseofulvina, que só está disponível por via oral)

Efeitos adversos

A maioria dos efeitos adversos são ligeiros e autolimitados.

  • Desconforto GI: náuseas, vómitos e/ou diarreia
  • Efeitos da histamina:
    • Febre
    • Rash
    • Rubor
  • Exacerbação de LES
  • São raros os casos relatados de toxicidade hepática e hematológica.

Contraindicações

  • Hipersensibilidade à terbinafina ou outras alilaminas (por exemplo, naftifina)
  • Doença hepática crónica ou ativa
  • Precaução na sua utilização em indivíduos com insuficiência renal.

Comparação de Fármacos Antifúngicos

Tabela: Comparação de fármacos antifúngicos
Classe de fármacos (exemplos) Mecanismo de ação Relevância clinica
Azóis (Fluconazol, Voriconazol) Inibem a produção de ergosterol (um componente essencial da membrana celular fúngica) bloqueando a enzima lanosterol 14-α-desmetilase
  • Antifúngicos muito utilizados com um espectro de atividade relativamente amplo
  • Muitas interações medicamentosas devido a efeitos no sistema CYP450
  • Hepatotoxicidade
  • Menos tóxico que a anfotericina B
Polienos (Anfotericina B, Nistatina) Liga-se ao ergosterol na membrana da célula fúngica, criando poros artificiais na membrana → resulta na saída de componentes celulares e na lise celular (morte) Anfotericina B:
  • Reservada para o tratamento de infeções fúngicas com risco de vida
  • Espectro de atividade amplo
  • Toxicidade relativamente ↑ (especialmente nefrotoxicidade)

Nistatina:
  • Apenas de uso tópico: pele, membranas mucosas, lúmen GI
Equinocandinas (Caspofungina, Micafungina, Anidulafungina) Inibe a β-glucano sintetase (enzima que sintetiza β-glucano, um componente estrutural importante da parede celular fúngica) → parede celular frágil → lise celular
  • Tratamento de infeções por Candida e Aspergillus em pacientes criticamente doentes e neutropénicos
  • Toxicidade mínima
  • Interações medicamentosas mínimas
Griseofulvina
  • Liga-se à queratina na pele recém-formada, tornando as células humanas resistentes à invasão → ao longo do tempo, as novas estruturas de cabelo/pele/unha não infetadas substituem as estruturas antigas e infetadas
  • Inibe a formação de microtúbulos nos dermatófitos → inibe a replicação de células fúngicas
  • Tratamento de dermatofitoses do cabelo, pele e unhas
  • Apenas via oral (via tópica não ativa)
  • Afeta o sistema CYP450 (mais interações medicamentosas)
  • Frequentemente substituído por agentes mais novos (por exemplo, terbinafina)
Terbinafina Inibe a enzima esqualeno epoxidase → bloqueia a produção de epóxido de esqualeno, um precursor do ergosterol e componente essencial da membrana celular
  • Tratamento de dermatofitoses do cabelo, pele e unhas
  • Tratamento de primeira linha da onicomicose
  • Toxicidade relativamente baixa
Flucitosina Análogo da pirimidina com metabolitos:
  • Compete com o uracilo e interrompe a síntese de RNA
  • Inibe irreversivelmente a timidilato sintetase → o fungo é incapaz de sintetizar ou corrigir o DNA
  • Utilizado em combinação com outros agentes devido a:
    • Efeitos sinérgicos positivos
    • ↑ Resistência com monoterapia
  • Principais indicações:
    • Meningite criptocócica
    • Cromoblastomicose
  • Toxicidade: mielossupressão

Referências

  1. Sheppard, D., Lampiris, H.W. (2012). Antifungal agents. In Katzung, B.G., Masters, S.B., and Trevor, A.J. (Eds.), Basic and Clinical Pharmacology, 12th Ed., pp. 852‒853, 855‒856.
  2. Drew, R.H. (2020). Pharmacology of flucytosine (5-FC). In Bogorodskaya, M (Ed.), UpToDate. Retrieved July 23, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/pharmacology-of-flucytosine-5-fc 
  3. Nivoix, Y., Ledoux, M., Herbrecht, R. (2020). Antifungal therapy: New and evolving therapies. Semin Respir Crit Care Med. 2020, 41, 158-174. Retrieved July 23, 2021, from https://www.medscape.com/viewarticle/924712_7 
  4. Padda, I. (2021). Flucytosine. In StatPearls. Retrieved July 23, 2021, from https://www.statpearls.com/articlelibrary/viewarticle/21829/ 
  5. Olson, J. (2020). Griseofulvin. In StatPearls. Retrieved July 23, 2021, from https://www.statpearls.com/articlelibrary/viewarticle/22435/ 
  6. Maxfield, L. (2021). Terbinafine. In StatPearls. Retrieved July 23, 2021, from https://www.statpearls.com/articlelibrary/viewarticle/42970/ 
  7. Lexicomp Drug Information Sheets (2021). In UpToDate. Retrieved July 22, 2021, from:

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