Fibrose Pulmonar

A fibrose pulmonar idiopática é uma doença pulmonar intersticial que pertence à categoria das principais pneumonias intersticiais idiopáticas. Como o próprio nome indica, as causas exatas não estão bem esclarecidas. Frequentemente os pacientes apresentam-se em estadio moderado a avançado com dispneia progressiva e tosse não produtiva. O diagnóstico é realizado através de achados imagiológicos característicos, testes de função pulmonar que indicam doença pulmonar restritiva e biópsia pulmonar (se necessária). Existem poucas opções terapêuticas com o objetivo de atrasar a progressão da doença. O transplante pulmonar é a única intervenção com intuito curativo se o paciente for candidato.

Última atualização: Aug 1, 2023

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Definição e Epidemiologia

Definição

A fibrose pulmonar idiopática (FPI) é o tipo mais comum de doença pulmonar intersticial (DPI) e é caracterizada por fibrose crónica, progressiva e irreversível do parênquima pulmonar.

Epidemiologia

A FPI tem sido uma doença difícil de estudar pela sua raridade e evolução na prática diagnóstica.

  • Incidência e prevalência:
    • Rara
    • Maior na América do Norte e na Europa do que no resto do mundo
    • Prevalência estimada nos Estados Unidos: 10-60 por cada 100.000
    • Provavelmente subestimada em termos de ocorrência e impacto na saúde pública (e.g., custos de saúde e utilização de recursos)
  • Ocorre principalmente em idosos (> 65 anos)
  • Mais frequentemente observada em homens

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Etiologia e Fisiopatologia

Etiologia

A causa da FPI mantém-se pouco clara. No entanto, na hipótese atual sobre a patogénese da FPI, as seguintes exposições podem levar à lesão epitelial alveolar inicial:

  • Fumo do tabaco (mais comum)
  • Poluentes ambientais e poeiras
  • Infeções víricas
  • DRGE
  • Microaspirações crónicas
  • Apneia obstrutiva do sono

Fisiopatologia

O mecanismo subjacente é pouco compreendido.

  • Exposição ambiental e possível predisposição genética → dano epitelial alveolar recorrente
  • Migração e ativação de fibroblastos → transformação em miofibroblastos
  • Falha na apoptose normal de miofibroblastos → acumulação exagerada de matriz extracelular → destruição e cicatrização do parênquima pulmonar
  • Mediadores adicionais de alterações profibróticas incluem:
    • Fator de transformação de crescimento beta
    • Fator de crescimento de fibroblastos 2
    • Fator de crescimento derivado de plaquetas (PDGF, pela sigla em inglês)
    • Metaloproteinase de matriz 7 (MMP-7, pela sigla em inglês)
  • Consequência: ↓ trocas gasosas → insuficiência respiratória hipóxica crónica

Apresentação Clínica

Sintomas

Pacientes com FPI podem ter apresentações variáveis e, no início do seu curso clínico, a FPI pode ser assintomática.

  • A apresentação de sintomas sugere um estadio moderado a avançado:
    • Dispneia crónica:
      • Inicialmente para esforços (quase universal)
      • Progressiva, eventualmente ocorre em repouso
    • Tosse crónica não produtiva
    • Diminuição da tolerância ao exercício
  • Os sintomas sistémicos associados são incomuns, mas podem incluir:
    • Fadiga
    • Febre baixa
    • Perda ponderal
    • Mialgias

Exame objetivo

Achados gerais:

  • Crepitações inspiratórias finas bibasilares (“semelhante a velcro”) na auscultação
  • Estridor inspiratório final na doença avançada com bronquiectasias
  • Hipocratismo digital

Os pacientes podem apresentar hipertensão pulmonar (HP) e cor pulmonale:

  • Edema depressível (pedal ou sacral)
  • Distensão venosa jugular
  • Cianose
  • Divisão do segundo som cardíaco com componente P2 dominante
Nail clubbing

Baqueteamento digital:
Corresponde à alteração do leito ungueal, que adquire uma forma arredondada, muitas vezes observada em condições que causam hipoxemia crónica, como a fibrose quística ou doença pulmonar intersticial.

Imagem: “Nail clubbing” por Department of Internal Medicine, Cleveland Clinic Florida, 2950 Cleveland Clinic Boulevard, Weston, FL 33331, USA.  Licença: CC BY 3.0

Diagnóstico

O diagnóstico de fibrose pulmonar idiopática é realizado através de uma combinação de achados radiológicos, patológicos e clínicos.

História médica do paciente

É fundamental obter uma história clínica completa para garantir a exclusão de outras causas de DPI:

  • História ocupacional
  • História recreativa
  • História ambiental
  • Fatores de risco para VIH
  • Exposição a radiação
  • Fármacos associados a fibrose pulmonar:
    • Amiodarona
    • Bleomicina
    • Nitrofurantoína
    • Metotrexato

Testes de função pulmonar

Achados típicos:

  • Padrão ventilatório restritivo
  • ↓ Capacidade de difusão do monóxido de carbono (DLCO, pela sigla em inglês)

Parâmetros:

  • Através da pletismografia corporal, obtêm-se os volumes pulmonares estáticos que normalmente revelam ↓ volumes pulmonares (restrição), como:
    • Capacidade vital
    • Capacidade residual funcional (CRF)
    • Capacidade pulmonar total (CPT)
    • Capacidade vital forçada (CVF)
  • Relação volume expiratório forçado no primeiro segundo (FEV1)/CVF normal ou ↑
  • Curva volume-pressão estática deslocada para baixo e para a direita → ↓ complacência pulmonar

Imagiologia

Radiografia de tórax:

  • Pode parecer normal na doença inicial
  • Infiltrados reticulonodulares
    • Bilaterais
    • Basais
    • Simétricos

Tomografia computorizada de alta resolução (TCAR):

  • Significativamente mais sensível e específica para o diagnóstico de FPI
  • Características (predominantemente observadas nos lobos inferiores):
    • Espessamento septal reticular periférico e subpleural
    • Bronquiectasias de tração
    • Quistos de favo de mel
    • Distorção da arquitetura pulmonar
    • Podem ser observadas opacidades em vidro fosco sobrepostas.
Paciente com fibrose pulmonar

Imagem de TC de um paciente com fibrose pulmonar:
Observa-se um padrão reticular basal.

Imagem: “Patient with pulmonary fibrosis” por Department of Respiratory Medicine, Peking Union Medical College Hospital, Chinese Academy of Medical Sciences & Peking Union Medical College, #1 Shuaifuyuan Street, Beijing, Dongcheng District 100730, China. Licença: CC BY 2.0

Biópsia pulmonar

As amostras cirúrgicas podem ser obtidas através de cirurgia toracoscópica videoassistida (CTVA). Os pacientes com FPI podem apresentar um padrão de pneumonia intersticial usual:

  • Zonas alternadas de tecido pulmonar normal e anormal
  • Fibrose
  • Focos de fibroblastos (áreas de fibroproliferação ativa)
  • Padrão favo de mel

Broncoscopia

  • A broncoscopia com lavado broncoalveolar (LBA) e/ou biópsia transbrônquica apresentam benefício limitado no diagnóstico de FPI.
  • Pacientes com hipóxia grave podem não ser capazes de tolerar a broncoscopia.
  • Pode ser utilizada para:
    • Exclusão de diagnósticos alternativos, se a imagiologia for inconclusiva.
    • Avaliação de infeção coexistente.

Análise laboratorial de suporte

As seguintes análises podem ser realizadas para excluir outras causas de DPI e serão orientadas pela suspeita clínica:

  • VS e PCR
  • Anticorpos antinucleares
  • Fator reumatóide e anticorpos anti-peptídeo citrulinado cíclico
  • Aldolase e CK
  • Anticorpos específicos para miosite
  • Anticorpos anti-SSA/Ro e anti-SSB/La
  • Nível sérico de ECA

Tratamento

Tratamento farmacológico

As opções de tratamento farmacológico da FPI são limitadas e nenhuma fornece a cura.

Agentes antifibróticos:

  • Aprovados para atraso da progressão da doença
  • Não melhoram significativamente a mortalidade
  • Opções:
    • Pirfenidona
    • Nintedanib

Gestão da HP:

  • Prostaciclinas inaladas (treprostinil)
  • A diurese é utilizada para manter a euvolemia na presença de insuficiência cardíaca direita.

Gestão da DRGE:

  • Inibidores da bomba de protões
  • Antagonistas H2

Tratamento não farmacológico

  • Oxigenoterapia de longa duração quando os pacientes apresentam saturações < 88% em repouso ou deambulação
  • Reabilitação pulmonar:
    • Alívio dos sintomas evidentes.
    • Melhoria do estado funcional.
    • Pode incluir:
      • Treino de exercícios
      • Cessação tabágica
      • Assistência psicossocial
      • Cuidados de suporte
  • Vacinação:
    • Gripe
    • Pneumonia
  • Transplante pulmonar:
    • O único tratamento definitivo
    • O transplante pulmonar bilateral é mais frequentemente utilizado do que o transplante pulmonar único.
    • Considerar referenciação precoce.
  • Cuidados paliativos:
    • Foco na redução dos sintomas e melhoria do conforto.
    • O seu uso não se limita a cuidados de fim de vida.

Complicações e Prognóstico

Complicações

  • Infeções respiratórias
  • Doença tromboembólica
  • Neoplasia do pulmão
  • HP tipo 3 e cor pulmonale
  • Insuficiência respiratória

Prognóstico

A progressão da FPI está associada a um tempo médio de sobrevida estimado de até 5 anos após o diagnóstico.

  • A taxa de declínio e progressão para a morte em pacientes com FPI pode assumir diversas formas clínicas:
    • Deterioração fisiológica lenta com agravamento da dispneia
    • Deterioração rápida e progressão para a morte
    • Períodos de relativa estabilidade intercalados com períodos de declínio respiratório agudo
  • A insuficiência respiratória aguda é uma causa comum de admissão hospitalar e morte e pode resultar de:
    • Progressão da doença
    • Pneumonia
    • Hipertensão pulmonar

Diagnóstico Diferencial

  • Sarcoidose: uma doença granulomatosa que afeta vários sistemas orgânicos sem uma etiologia conhecida: a apresentação mais comum inclui opacidades reticulares pulmonares, adenopatia hilar bilateral e lesões cutâneas, articulares ou oculares. Os pacientes são geralmente assintomáticos, embora possam apresentar tosse, dispneia, febre e mal-estar. O diagnóstico é realizado através de imagiologia, níveis séricos elevados de ECA, LBA e frequentemente requer uma biópsia. O tratamento é normalmente realizado com glicocorticóides.
  • Pneumonite de hipersensibilidade: doença inflamatória imunologicamente induzida que afeta os alvéolos, os bronquíolos e o parênquima pulmonar resultante da exposição a antigénios inalados: os pacientes podem desenvolver tosse, dispneia e fadiga. A TCAR mostrará micronódulos centrilobulares difusos e mal definidos ou opacidades em vidro fosco. Os testes de função pulmonar são variáveis. A abordagem inclui a evicção do agente desencadeante e a administração de corticóides em casos subagudos e crónicos.
  • Pneumoconiose: doença ocupacional que resulta da inalação de partículas inorgânicas pelos pulmões: nos pulmões, essas partículas podem causar inflamação crónica e fibrose. Os pacientes apresentarão dispneia progressiva e tosse seca. Os achados da radiografia de tórax podem variar de acordo com a partícula desencadeante, mas podem incluir opacidades em vidro fosco, calcificações, nódulos pulmonares e irregularidades pleurais. O tratamento é principalmente sintomático.
  • Doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC): doença pulmonar caracterizada por obstrução progressiva e irreversível do fluxo de ar: os sintomas incluem dispneia progressiva e tosse crónica. Ao exame físico podem ser encontrados os seguintes achados: expiração prolongada, sibilância e/ou diminuição dos sons respiratórios. Ao contrário da FPI, o teste de função pulmonar é compatível com obstrução. A abordagem inclui cessação tabágica, reabilitação pulmonar e farmacoterapia.
  • Insuficiência cardíaca: incapacidade de produzir um débito cardíaco normal para responder às necessidades metabólicas: os pacientes apresentam dispneia, hipóxia e edema periférico. O BNP estará elevado e pode ser observado edema pulmonar no raio-x. A ecocardiografia irá confirmar o diagnóstico. A abordagem depende da diurese e da otimização médica da função cardíaca com betabloqueadores e inibidores da ECA.

Referências

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