Estrongiloidíase

A estrongiloidíase é uma doença parasitária comum provocada por uma infeção pelo parasita Strongyloides stercoralis. A transmissão ocorre através da penetração cutânea, principalmente por andar descalço. O parasita Strongyloides tem um ciclo de vida único que pode ser totalmente completado no hospedeiro humano, migrando da pele para o sistema pulmonar e depois para o trato gastrointestinal. Os sintomas incluem irritação cutânea, obstipação, diarreia, tosse seca e sibilância, dependendo do local onde se encontra o parasita no seu ciclo de vida. A erradicação do parasita pode ser obtida com fármacos anti-helmínticos, nomeadamente a ivermectina.

Última atualização: Jun 22, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Epidemiologia e Etiologia

Epidemiologia

  • Prevalência mundial: 100 milhões de casos, atualmente
  • Mais comum em regiões tropicais e de clima temperado, com ¾ de casos no Sudeste Asiático, África e países do Pacífico Ocidental

Etiologia

A estrongiloidíase é provocada por uma infeção pelo parasita (nemátode) Strongyloides stercoralis. Os “roundworms” são vermes não segmentados que podem infetar o trato gastrointestinal, o sangue ou a pele.

  • A capacidade de “autoinfetar” o seu hospedeiro leva a casos crónicos.
  • Machos adultos: 0.9 mm (0.04 in) de comprimento, podem ser distinguidos das fémeas pelo tamanho e presença de espículas (estrutura de acasalamento tipo agulha)
  • Fémeas adultas: 2.0-2.5 mm (0.08-0.10 in) de comprimento
Strongyloides sp.

Strongyloides sp.:
Fotomicrografia com uma ampliação de 128X de Strongyloides sp. filariforme, microorganismo na fase de larva

Imagem: “1547” por Dr. Mae Melvin. Licença: Public Domain

Fisiopatologia

Ciclo de vida de S. stercoralis

  1. As larvas filariformes no solo contaminado penetram na pele humana.
  2. As larvas migram através da circulação sanguínea e linfática para os pulmões.
    • No parênquima pulmonar, as larvas penetram nos alvéolos e migram para cima da traqueia e laringe.
    • As larvas são então deglutidas pelo hospedeiro.
  3. As larvas deglutidas entram no trato gastrointestinal.
    • As larvas maturam-se na mucosa do intestino delgado.
    • As larvas adultas originam ovos, que produzem larvas rabditiformes não infeciosas, que migram para o lúmen intestinal e são excretadas nas fezes.
  4. A autoinfeção pode ocorrer em hospedeiros imunodeprimidos:
    • Larvas não infeciosas, rabditiformes, transformam-se em larvas infeciosas filariformes, dentro do intestino.
    • As larvas filariformes penetram na mucosa intestinal ou na região cutânea perianal para migrarem através da circulação sanguínea e linfática, de forma a reiniciarem o ciclo infecioso.

Reservatórios

  • Humanos (mais comuns)
  • Gatos e cães

Transmissão

  • Mais comum: larvas encontradas em areia ou solo contaminado penetram na pele
  • Transmissão fecal-oral (menos comum)

Fatores de risco do hospedeiro

  • Andar descalço em solo contaminado
  • Contacto com resíduos humanos ou esgotos
  • Ocupações que aumentam o contacto com solos contaminados (agricultura e extração de carvão)
  • Imunossupressão
The life cycle of strongyloides stercoralis

Ciclo de vida de Strongyloides stercoralis:
O nématode S. stercoralis tem um ciclo de vida único que pode ser completado dentro do seu hospedeiro humano definitivo. O parasita é transmitido a outros hospedeiros através das fezes excretadas, mas em pacientes imunodeprimidos pode ocorrer autoinfeção, levando a formas mais graves e crónicas da doença.

Imagem por Lecturio.

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Apresentação Clínica

Fases da infeção por estrongiloidíase

A estrongiloidíase pode causar infeção aguda e crónica. Os sintomas estão correlacionados com a migração das larvas da pele, pulmão e intestino.

  • Fase cutânea: secundária à penetração das larvas na pele
    • Edema
    • Eritema
    • Prurido
    • Erupção maculopapular com lesões serpiginosas (cordão de larvas)
  • Fase pulmonar: secundária à migração das larvas através da árvore brônquica e dos alvéolos.
    • 1 semana após a penetração cutânea
    • Síndrome de Löffler (eosinofilia pulmonar): distúrbio respiratório transitório caracterizado pela acumulação de eosinófilos nos pulmões devido a infeção parasitária.
      • Tosse seca
      • Irritação da garganta
      • Sibilos
  • Fase GI: secundária às larvas adultas dentro da mucosa do intestino delgado
    • 3-4 semanas após a penetração cutânea
    • Sintomas:
      • Dor abdominal
      • Diarreia ou obstipação
      • Anorexia
      • Náuseas/vómitos

Manifestações graves

  • Síndrome de hiperinfeção: ocorre devido à aceleração do ciclo de vida do Strongyloides
    • Carga parasitária excessiva dentro da via reprodutiva tradicional (pele, pulmões e intestinos)
    • Ocorre com mais frequência em pacientes imunodeprimidos
  • Estrongiloidíase disseminada: devido à disseminação generalizada de larvas fora da via reprodutiva tradicional, muitas vezes com envolvimento do fígado, cérebro, coração e trato urinário.
    • SNC:
      • Cefaleias
      • Alteração do estado de consciência
      • Crises convulsivas focais
      • Desorientação
      • Coma
    • Respiratório:
      • Asfixia
      • Hemoptises
      • Toracalgia
      • Palpitações
      • Dispneia (pode evoluir para síndrome do desconforto respiratório agudo)
    • Imune:
      • Sépsis
      • Anafilaxia
      • Choque
    • Gastrointestinal:
      • Malabsorção
      • Dor abdominal
      • Distensão abdominal
      • Inflamação e hemorragia gastrointestinal
      • Obstrução do intestino delgado
Intestinal strongyloidiasis

Estrongiloidíase intestinal:
A) TC com contraste num plano coronal mostra distensão duodenal e gástrica acentuada (setas longas) e gás no trato biliar e pâncreas (setas curtas).
B) TC num plano sagital mostra o sinal do barril de chumbo, caracterizado pelo espessamento das paredes, rigidez e estreitamento do lúmen do intestino delgado (seta longa).

Imagem: “Intravenous contrast-enhanced CT scan” por José Henrique Frota Júnior et al. Licença: CC BY 4.0

Diagnóstico e Abordagem

Diagnóstico

O diagnóstico requer um teste de alta suspeita clínica, com base nos sintomas.

  • Eosinofilia
    • Achado comum nas infeções crónicas
    • Achado inespecífico
  • Biópsia cutânea: pode fornecer a identificação microscópica de larvas rabditiformes móveis
  • Estudos serológicos
    • ELISA
    • Microscopia de imunofluorescência indireta
    • Western Blot
  • Estudo das fezes: identifica parasitas nas fezes
  • Endoscopia realizada de forma não rotineira
Larvas de strongyloides

Amostra de fezes a demonstrar larvas de Strongyloides

Imagem: “Strongyloides Hyperinfection in a Renal Transplant Patient: Always Be on the Lookout” por Case Reports in Infectious Diseases. Licença: CC BY 4.0

Tratamento

  • Fármacos anti-helmínticos:
    • 1ª linha: ivermectina
    • Nas infeções complicadas em indivíduos imunodeprimidos, pode ser associado albendazol.
  • Nas infeções persistentes pode ser necessário repetir o tratamento.

Prevenção

  • Utilização de calçado ao ar livre, especialmente no solo ou na areia, em regiões endémicas
  • Saneamento básico e gestão fecal adequados

Diagnósticos Diferenciais

  • Fase pulmonar:
    • Tuberculose: infeção bacteriana pulmonar provocada por Mycobacterium tuberculosis, que pode apresentar-se de forma assintomática ou com febre, perda de peso, suores noturnos, hemoptises e tosse produtiva.
    • Ascaridiose: infeção provocada pelo parasita Ascaris lumbricoides. Pode apresentar-se de forma assintomática ou com desconforto abdominal, obstrução intestinal e síndrome de Löffler.
  • Fase GI:
    • Doença de Crohn: doença inflamatória intestinal caracterizada por inflamação do trato gastrointestinal, apresentando sinais de mal-absorção, dor abdominal e diarreia crónica, não sanguinolenta.
    • Úlcera péptica: presença de 1 ou mais lesões ulcerosas no estômago ou na mucosa duodenal, manifestando-se com dispepsia. Pode evoluir com sinais de hemorragia gastrointestinal.

Referências

  1. La Hoz RM, Morris MI; AST Infectious Diseases Community of Practice. (2019). Intestinal parasites including Cryptosporidium, Cyclospora, Giardia, and Microsporidia, Entamoeba histolytica, Strongyloides, Schistosomiasis, and Echinococcus: Guidelines from the American Society of Transplantation Infectious Diseases Community of Practice. Clin Transplant. 2019 Sep;33(9):e13618. doi: 10.1111/ctr.13618. Epub 2019 Jun 23. Erratum in: Clin Transplant. 2020 Mar;34(3):e13807. PMID: 31145496. Retrieved from https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31145496/.
  2. Chu E, Whitlock WL, Dietrich RA. (1990). Pulmonary hyperinfection syndrome with Strongyloides stercoralis. Chest. 1990 Jun;97(6):1475-7. doi: 10.1378/chest.97.6.1475. PMID: 2347234. Retrieved from https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/2347234/.
  3. Krolewiecki A, Nutman TB. (2019). Strongyloidiasis: A Neglected Tropical Disease. Infect Dis Clin North Am. 2019 Mar;33(1):135-151. doi: 10.1016/j.idc.2018.10.006. PMID: 30712758; PMCID: PMC6367705. Retrieved from https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/30712758/.
  4. Mehta RK, Shah N, Scott DG, Grattan CE, Barker TH. (2002). Case 4. Chronic urticaria due to strongyloidiasis. Clin Exp Dermatol. 2002 Jan;27(1):84-5. doi: 10.1046/j.0307-6938.2001.00951.x. PMID: 11952686. Retrieved from https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/11952686/.

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