Escoliose

A escoliose é uma alteração estrutural da coluna vertebral caracterizada por uma curvatura lateral superior a 10 graus no plano coronal. Esta pode ser classificada como idiopática (a maioria dos casos) ou secundária a uma doença. Existem outras classificações consoante a etiologia, localização e gravidade. Os doentes apresentam uma coluna vertebral assimétrica com, muitas vezes, dor associada. O diagnóstico é inicialmente clínico e posteriormente confirmado por raio-X. O tratamento pode ser conservador ou cirúrgico, dependendo da gravidade.

Última atualização: Jul 12, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Definição

A escoliose é uma curvatura lateral da coluna vertebral superior a 10 graus no plano coronal, que se acompanha normalmente por rotação em quantidades variáveis.

  • Dextroescoliose: curvatura da coluna para a direita
  • Levoescoliose: curvatura da coluna para a esquerda

Epidemiologia

  • Incidência: 10 em cada 200 crianças dos 10 aos 15 anos
  • Apenas 1 em cada 200 doentes se torna sintomático.
  • 70%–90% dos casos são idiopáticos (causa desconhecida).
  • As raparigas têm uma maior probabilidade de progressão da patologia (crescimento rápido → maior mudança na curvatura).
  • A etiologia mais comum é idiopática, seguida pela congénita.
  • Etiologia mais comum na população pediátrica: escoliose idiopática do adolescente (AIS, pela sigla em inglês)

Classificação

  • Genericamente, a escoliose é dividida em primária (idiopática) e secundária a doença:
    • Tipo I: escoliose degenerativa primária (de novo)
    • Tipo II: AIS progressiva com alterações degenerativas secundárias
    • Tipo III: escoliose secundária a outra patologia:
      • Síndrome de Marfan
      • Malformação de Chiari
      • Siringomielia
    • Tipo IIIA: escoliose lombossagrada caudal a uma espondilodese prévia
    • Tipo IIIB: escoliose secundária a doença óssea metabólica (por exemplo, osteoporose), associada a doença degenerativa assimétrica e/ou fratura vertebral
  • A escoliose também pode ser classificada consoante a reversibilidade:
    • Estrutural: as curvaturas estruturais não resolvem com a movimentação.
    • Funcional:
      • Coluna estruturalmente normal
      • A coluna aparenta ter uma curvatura devido a outros problemas (por exemplo, assimetria do comprimento dos membros inferiores, espasmos musculares)
      • A curvatura pode diminuir com movimentos de flexão lateral ou anterior.
    • Mudança de classificação de funcional para estrutural:
      • Encurtamento progressivo dos tecidos moles
      • Alterações corporais
      • Degeneração discal
      • Fibrose dos ligamentos e fáscia
      • Diminuição da amplitude de movimento (ROM, pela sigla em inglês) ativa e passiva
  • Classificação de acordo com a gravidade:
    • Ligeira: 10–15 graus
    • Moderada: 20–45 graus
    • Grave: > 50 graus
  • Classificação de acordo com a causa:
    • Idiopática
    • Congénita
    • Adquirida/secundária
    • Neuromuscular
Escoliose

Escoliose

Imagem: “Blausen 0785 Scoliosis 01” por Blausen. Licença: CC BY 3.0

Fisiopatologia

A escoliose pode ocorrer de novo ou como continuação de uma escoliose congénita, idiopática ou desenvolvida precocemente. Uma carga desigual sobre a coluna vertebral está na origem e exacerba a curvatura patológica desta doença.

  • Escoliose congénita:
    • Defeito congénito estrutural da coluna vertebral
    • Falência da formação ou fusão vertebral
    • Hemivértebras, defeitos do tubo neural (espinha bífida)
    • Pode ser unilateral ou bilateral
  • Escoliose adquirida:
    • Devido a alterações teciduais ou mecânicas, a coluna vertebral é forçada a adotar uma posição patológica que está na origem da curvatura anormal:
      • Osteomalácia
      • Ciatalgia
      • Síndrome do Psoas
      • Fratura da perna ou da anca consolidada
      • Paralisia cerebral
    • Degeneração assimétrica do disco intervertebral e das articulações zigoapofisárias causada por osteoartrose
    • Neuromuscular:
      • Discrepância no comprimento dos membros inferiores
      • Neurofibromatose
      • Tetraplegia
Classification of congenital scoliosis

Classificação da escoliose congénita

Imagem por Lecturio.

Apresentação Clínica

História clínica

  • Dor:
    • Dor em facada e/ou queimadura
    • Associado ao movimento
    • Resolve espontaneamente
  • As queixas do doente variam consoante a faixa etária:
    • Crianças: escoliose idiopática juvenil
      • Frequentemente assintomáticas
      • Progride mais vezes do que a escoliose idiopática do adolescente (AIS, pela sigla em inglês)
      • Deve ser procurada quando existe um crescimento ósseo acelerado entre os 10 e 15 anos: pode observar-se assimetria.
    • Os adolescentes notam que as roupas deixam de servir.
    • Os adultos apresentam:
      • Sintomas de osteoartrose
      • Dor nas costas e pescoço
      • Cefaleia
      • Alguns doentes podem apresentar dor no peito.
  • Questões importantes da história clínica que devem ser abordadas:
    • Idade de início
    • Taxa de progressão
    • Características da dor
    • Queixas neuromusculares
    • Dispneia
    • História familiar de escoliose
    • Estadio da puberdade atual
    • Idade da menarca (raparigas)
    • História prévia de traumatismo, infeção ou artrite dos membros

Exame objetivo

  • Documentar a altura do doente.
  • Estadio da puberdade
  • Exame neurológico com avaliação da presença de fraqueza e da marcha
  • Pele: Procurar manchas café au lait associadas à neurofibromatose.
  • Músculo-esquelético:
    • Teste da flexão anterior de Adams:
      • Exame da coluna quando o o doente está inclinado para a frente
      • Procurar assimetrias nas costas (como um alto nas costelas ou uma proeminência lombar)
      • Tipicamente a “curvatura dupla” na AIS é torácica direita e lombar esquerda.
    • Hiperlaxidão das articulações: possível síndrome de Ehler-Danlos
    • Pés:
      • Pé plano
      • Arcada plantar alta
      • Dedos em martelo/garra
    • Simetria:
      • Membros superiores
      • Nível do occiput, ombros, cristas ilíacas, espinha ilíaca póstero-superior, espinha ilíaca póstero-inferior e grandes trocanteres
      • Comprimento dos membros inferiores
  • Escoliómetro:
    • Mede o ângulo formado pela coluna (ângulo de rotação do tronco) com o indivíduo em flexão anterior:
      • Deve ser medido de forma consistente e padronizada todas as vezes.
      • Usar sempre o mesmo tipo de instrumento nas avaliações subsequentes.
    • O desvio da bola (no metro) do centro é evidente na escoliose.

Diagnóstico

O diagnóstico é inicialmente clínico e confirmado com raio-X, que mostra a presença de uma curvatura na coluna vertebral. A escoliose idiopática é um diagnóstico de exclusão.

  • Programas de rastreio nas escolas
  • Raio-X da coluna: se o rastreio estiver alterado
    • Incidência póstero-anterior (PA) em pé e medição do ângulo de Cobb:
      • Desenhar uma linha na borda superior da vértebra mais alta inclinada para formar a concavidade e, em seguida, desenhar uma linha perpendicular a esta.
      • Desenhar uma linha na borda inferior da vértebra mais caudal inclinada para formar a concavidade e, em seguida, desenhar uma linha perpendicular a esta.
      • O ângulo de Cobb corresponde aos graus medidos pela interseção das duas linhas perpendiculares.
      • O ângulo de Cobb será maior do que o ângulo da rotação do tronco. Um ângulo de rotação de 7º correlaciona-se com um ângulo de Cobb de 20º.
    • Raios-X em flexão lateral
    • Detalhes relevantes para comparação futura:
      • Direção da curvatura (dextro ou levo)
      • Localização: nível da coluna cervical, torácica ou lombar
      • Outros achados radiológicos, como massas, lesões vertebrais congénitas ou radiolucência de um corpo vertebral
  • Indicações para RMN da coluna:
    • Doentes com menos de 10 anos (para avaliar a possibilidade de alterações da medula espinhal)
    • Progressão rápida (ângulo de Cobb ≥ 10º por ano)
    • Em doentes com:
      • Aumento da dor
      • Sintomas neurológicos associados
      • Achados anormais na radiografia simples
  • Laboratório: solicitados de acordo com a suspeita etiológica e tendo em conta a faixa etária

Tratamento

O tratamento varia de conservador a cirúrgico, dependendo do grau de escoliose.

Tratamento

  • Tratamento conservador:
    • O objetivo é otimizar a funcionalidade do doente.
    • Realização do exame objetivo e raio-X (incidência PA) a cada 4–6 meses
    • Utilização de uma ortótese para permitir uma progressão lenta
    • Terapia manual osteopática
    • Programa de exercícios para o domicílio
    • A fisioterapia e a quiropraxia são ineficazes.
  • Referenciação para ortopedia:
    • Se não for possível medir o ângulo de Cobb
    • Ângulo de Cobb de 20–29 graus numa rapariga sem menarca ou rapaz com 12–14 anos (ainda com crescimento esquelético)
    • Ângulo de Cobb > 30 graus em qualquer doente
    • Progressão rápida do ângulo de Cobb maior do que 5 graus
  • Objetivos da cirurgia:
    • Primário: realizar uma fusão vertebral para prevenir a progressão da curvatura da coluna
    • Secundário: a correção parcial da curvatura é frequentemente atingida.
  • Indicações cirúrgicas:
    • Doente com um ângulo de Cobb ≥ 50 graus ao diagnóstico
    • Por vezes, doentes com um esqueleto imaturo e um ângulo de Cobb entre 40 a 50 graus podem necessitar de cirurgia.
  • Procedimentos cirúrgicos: enxerto ósseo, fusão espinhal (anterior ou posterior) e instrumentação
    • Evoluiu desde as varas de Harrington (conexões cefálica e caudal na coluna com ganchos) até à instrumentação segmentar moderna (ganchos, parafusos, fios, varas)
    • A parte mais importante na cirurgia é a obtenção da fusão óssea: autoenxerto ou aloenxerto
    • Pós-operatório:
      • Não praticar desportos durante 9 a 12 meses até que haja fusão da coluna
      • Não praticar desportos de contacto após a fusão da coluna
      • Potenciais complicações da cirurgia: dor crónica, infeção do hardware

Complicações

  • Progressão da deformidade na ausência de tratamento.
  • Desnivelamento sagrado
  • Restrição cardíaca e pulmonar
  • Dor crónica nas costas
  • Questões cosméticas
  • Lesão nervosa
  • Hérnia do disco e radiculopatia lombar
  • Espondilite anquilosante

Prognóstico

O prognóstico da escoliose depende da causa subjacente, comorbilidades e deformidade presentes no momento da apresentação.

  • Progressão:
    • Observada em até 70% dos doentes adultos com escoliose
    • Escoliose não tratada: 0,5 a 1 grau/ano
    • A progressão não é afetada pela gravidez.
    • A gravidez não é afetada pela escoliose.
  • Dor nas costas:
    • Ocorrência ligeiramente aumentada em adultos com AIS, tratada ou não tratada
    • Doentes com AIS tratados com ortóteses ou cirurgia podem também ter uma maior incidência de alterações degenerativas do disco.

Relevância Clínica

As seguintes patologias estão associadas à escoliose:

  • Síndrome de Marfan: uma doença genética autossómica dominante. Esta patologia afeta a elasticidade do tecido conjuntivo em todo o corpo, principalmente a nível cardiovascular, ocular e músculo-esquelético. A pele, os pulmões e o SNC também são afetados.
  • Malformação de Chiari: constituído por um grupo de patologias do SNC caracterizadas pelo subdesenvolvimento da fossa posterior do crânio, com subsequente protrusão de estruturas neuronais através do foramen magno.
  • Paralisia cerebral (PC): uma síndrome de atingimento motor causada por uma lesão não progressiva do SNC. A paralisia cerebral é classificada de acordo com o tónus muscular, a sua distribuição e o momento presumido em que ocorreu a lesão (a diplegia espástica é a mais comum). Está presente em cerca de 3 em 1.000 nados-vivos.
  • Hérnia discal: uma doença caracterizada pela degeneração do anel fibroso e a herniação do núcleo pulposo dos discos intervertebrais. Esta patologia apresenta-se geralmente como radiculopatia (mais frequentemente lombar), devido à pressão exercida pelo núcleo pulposo herniado.
  • Espondilite anquilosante: corresponde a uma espondiloartropatia caracterizada por inflamação crónica e indolente do esqueleto axial. Esta patologia é mais frequente em homens jovens e está fortemente associada ao HLA-B27. A doença grave pode causar fusão e rigidez da coluna vertebral.
  • Artrite idiopática juvenil: anteriormente conhecida como artrite reumatóide juvenil, corresponde a um grupo heterogéneo de doenças inflamatórias caracterizadas por artrite e é a doença reumática mais comum na pediatria.
  • Osteoblastoma: um tumor benigno, formador de osso, mais frequentemente localizado nos elementos posteriores da coluna vertebral, causando sintomas de compressão da raiz nervosa.
  • Neurofibromatose tipo 1: uma doença neurocutânea que leva ao crescimento de tumores no sistema nervoso e pele e é clinicamente caracterizada por manchas café au lait cutâneas.

Referências

  1. Browner, B., et al. (2020). Skeletal trauma: basic science, management, and reconstruction. Philadelphia, Pa: Elsevier.
  2. Hey, L.A. (2018). Scoliosis in the adult. UpToDate. Retrieved July 12, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/scoliosis-in-the-adult
  3. LeFever, D., & Menger, R. P. (2021). Infantile and juvenile scoliosis. StatPearls. Retrieved July 12, 2021, from http://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK519498/
  4. Menger, R.P., & Sin, A.H. (2021). Adolescent and idiopathic scoliosis. StatPearls. Retrieved July 12, 2021, from http://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK499908/
  5. Scherl, S.A. (2020). Adolescent idiopathic scoliosis: Clinical features, evaluation, and diagnosis. UpToDate. Retrieved July 12, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/adolescent-idiopathic-scoliosis-clinical-features-evaluation-and-diagnosis

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