Erliquiose e Anaplasmose

A erliquiose e anaplasmose são infeções bacterianas transmitidas por carraças. As espécies causadoras mais comuns incluem Ehrlichia chaffeensis e Anaplasma phagocytophilum, que infetam e multiplicam-se no interior monócitos e granulócitos, respetivamente. A apresentação clínica pode variar muito, mas inclui frequentemente febre, mal-estar, cefaleias, mialgias e artralgias. Em alguns pacientes surge uma erupção maculopapular ou petequial. Também podem surgir sintomas gastrointestinais, neurológicos e respiratórios. O diagnóstico é estabelecido com base na suspeita clínica, associada a testes confirmatórios de PCR ou de anticorpos. O tratamento é com doxiciclina.

Última atualização: Jul 7, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Características Gerais

Características básicas de Ehrlichia e Anaplasma

  • Gram negativos
  • Bactérias intracelulares obrigatórias
  • Cocobacilos
  • Crescimento em vacúolos com membrana nos leucócitos, particularmente:
    • Monócitos
    • Granulócitos
  • Microscopia de luz:
    • São difíceis de visualizar organismos individuais.
    • São frequentemente visualizadas como mórulas (microcolónia de organismos num vacúolo)
    • Coloração:
      • Wright
      • Giemsa
Anaplasma com coloração giemsa

Imagens microscópicas de células infetadas com anaplasmose com coloração de Giemsa:
Os núcleos celulares estão marcados com “N” e as setas apontam para Anaplasma morulae.

Imagem: “Giemsa stained cells infected with Ap.” por University of Minnesota, Department of Entomology, Saint Paul, Minnesota 55108, USA. Licença: CC BY 2.0

Espécies clinicamente relevantes

As espécies mais relevantes são:

  • Ehrlichia chaffeensis erliquiose monocítica humana
  • Anaplasma phagocytophilum → anaplasmose granulocítica humana

Causas raras de erliquiose em humanos:

  • E. ewingii
  • E. muris eauclairensis

Epidemiologia e Fatores de Risco

Epidemiologia

  • Incidência nos Estados Unidos:
    • Erliquiose monocítica humana: 3,2 casos por milhão por ano
    • Anaplasmose granulocítica humana: 6,3 casos por milhão por ano
  • Áreas endémicas nos Estados Unidos:
    • Erliquiose monocítica humana:
      • Sudeste
      • Centro-sul
      • Médio-Atlântico
    • Anaplasmose granulocítica humana:
      • Nordeste
      • Região mais a norte do centro-oeste e grandes lagos
  • Áreas endémicas fora dos Estados Unidos:
    • Europa
    • Sudeste asiático
    • América do Sul
  • A incidência é maior nos homens que nas mulheres.
  • Ocorre geralmente entre Abril e Setembro

Fatores de risco

Para erliquiose/anaplasmose

  • Viajar ou viver em áreas endémicas
  • Ter animais de estimação
  • Participar em atividades ao ar livre em áreas florestais:
    • Acampar
    • Fazer caminhadas
    • Caçar

Para doença grave:

  • Imunossupressão:
    • Infeção por VIH
    • Quimioterapia
    • Transplante de órgão
  • Idosos e crianças pequenas

Patogénese

Transmissão

  • Carraças como vetores:
    • E. chaffeensis é transmitido por Amblyomma americanum (conhecida em inglês como “Lone Star tick”).
    • A. phagocytophilum é transmitido por carraças Ixodes .
  • Iatrogénico (raro):
    • Transfusão de sangue
    • Transplante de órgãos sólidos

Reservatórios

Uma grande variedade de animais selvagens e domésticos podem servir como reservatórios. Os mais comuns são:

  • Veado-de-cauda-branca(E. chaffeensis)
  • Rato-de-pés-brancos(A. phagocytophilum)

Fatores de virulência

  • Proteínas da superfície:
    • Permitem a ligação às células do hospedeiro, permitindo entrada no organismo do hospedeiro
    • A variação antigénica ajuda a evitar o sistema imunitário do hospedeiro.
  • Proteínas bacterianas:
    • Permitem translocação para uma célula hospedeira
    • Modificação do citoesqueleto da célula para permitir a entrada da bactéria
    • Permitem a formação de vacúolos com bactérias no interior, para evitar a fusão pelos lisossomas
    • Alteração da expressão génica no núcleo da célula hospedeira

Fisiopatologia

Erliquiose monocítica humana :

  • E. chaffeensis entra em contacto com a pele durante a picada da carraça.
  • Infeta monócitos e macrófagos
  • Dissemina-se através dos vasos linfáticos ou sanguíneos para:
    • Medula óssea
    • Fígado
    • Gânglios linfáticos
    • Baço
  • A apresentação clínica deve-se aos efeitos da resposta inflamatória do hospedeiro.

Anaplasmose granulocítica humana:

  • A. fagocytophilum entra em contacto com a pele durante a picada da carraça → recrutamento de neutrófilos
  • A. phagocytophilum entra nos neutrófilos:
    • Modifica a morte intracelular
    • Induz a ativação dos neutrófilos e a libertação de citocinas → contribui para a lesão tecidual e consequentes manifestações clínicas
  • A infeção dissemina-se pela via hematogénica.

Apresentação Clínica

Sinais e sintomas

O período de incubação é tipicamente de 1-2 semanas, e a apresentação clínica pode variar.

Características tanto da erliquiose monocítica humana como da anaplasmose granulocítica humana:

  • Sintomas inespecíficos:
    • Febre
    • Mal-estar
    • Cefaleias
    • Mialgias
    • Artralgias
  • Sintomas gastrointestinais (GI):
    • Dor abdominal
    • Náuseas
    • Vómitos
    • Diarreia
  • Sintomas respiratórios:
    • Tosse
    • Dispneia

Descobertas mais frequentemente observadas na erliquiose monocítica humana:

  • Exantema:
    • Macular, maculopapular ou petequial
    • Mais comum em crianças
  • Sintomas neurológicos:
    • Alteração do estado de consciência
    • Rigidez da nuca
    • Clónus
    • Meningoencefalite

Complicações

  • Convulsões
  • SDRA
  • Miocardite e insuficiência cardíaca
  • Derrame pericárdico e tamponamento
  • Insuficiência renal
  • Coagulopatias
  • Choque séptico
  • Linfohistiocitose hemofagocítica (complicação rara e grave da anaplasmose granulocítica humana)
  • Infeções oportunistas

Diagnóstico e Tratamento

Diagnóstico

Estudos definitivos:

  • Teste de fluorescência indireta para anticorpos (FIA)
  • Teste de ELISA para anticorpos
  • PCR para detetar o DNA do microorganismo
  • Exame de esfregaço de sangue periférico ou exame da camada leucocitária após centrifugação de amostra sanguínea: As mórulas intracitoplasmáticas são observadas nos leucócitos do sangue periférico.

Estudo laboratorial adicional:

  • Trombocitopenia
  • Leucopenia
  • Anemia
  • ↑ AST e ALT
  • ↑ Fosfatase alcalina
  • ↑ Lactato desidrogenase
  • ↑ Creatinina
Agentes granocíticos e monocíticos de erliquiose

Exame do esfregaço de sangue periférico para erliquiose e anaplasmose:
Estes esfregaços de sangue apresentam mórulas intracelulares de A. phagocytophilum (1) e E. chaffeensis (2).

Imagem: “Etiologic agents of ehrlichioses” por CDC/NCID. Licença: Public Domain

Tratamento

O antibiótico de eleição é a doxiciclina.

  • O tratamento deve ser iniciado em pacientes com suspeita de erliquiose monocítica humana ou anaplasmose granulocítica humana, enquanto os estiverem pendentes os resultados do estudo laboratorial.
  • Se os pacientes não melhorarem com o tratamento, devem ser avaliados para uma infeção concomitante por Babesia.

Prevenção

É fundamental evitar picadas de carraças para prevenir estas doenças.

  • Uso de roupa de proteção apropriada
  • Usar repelentes de carraças
  • Inspeção de carraças após atividade ao ar livre
  • Remoção de carraças para reduzir o risco de infeção
  • Desparatisação de carraças em animais domésticos
  • Não está recomenda profilaxia com doxiciclina após uma picada de carraça.

Comparação de Bactérias Gram-negativas Transmitidas por Carraças

Tabela: Comparação de várias bactérias gram-negativas clinicamente relevantes, transmitidas por carraças
Microorganismo Ehrlichia chaffeensis Anaplasma phagocytophilum Rickettsia rickettsii Borrelia burgdorferi
Doença Erliquiose monocítica humana Anaplasmose granulocítica humana Febre maculosa das Montanhas Rochosas Doença de Lyme
Microscopia
  • Intracelular obrigatório
  • Cocobacilo
  • Intracelular obrigatório
  • Cocobacilo
  • Intracelular obrigatório
  • Pleomórfico
  • Coloração Gram fraca
  • Microaerofílico
  • Espiroqueta
  • Difícil de visualizar com a coloração Gram
Vetor Carraça Amblyomma americanum(conhecida em inglês como “Lone Star tick”). Carraça Ixodes Carraça Dermacentor Carraça Ixodes
Reservatório Veado-de-cauda-branca Rato-de-pés-brancos Carraça Dermacentor
  • Roedores
  • Veado
Distribuição geográfica nos Estados Unidos Estados do sudeste e centro-sul Estados do nordeste e região superior do centro-oeste Estados do sudeste e centro-sul Estados do nordeste e centro-oeste
Diagnóstico
  • PCR
  • ELISA
  • Imunofluorescência indireta para anticorpos (IFI)
  • Esfregaço de sangue
  • PCR
  • ELISA
  • IFI
  • Esfregaço de sangue
  • Clínica
  • Biópsia de pele
  • IFI
  • PCR
  • Clínica
  • ELISA
  • Western blot
Tratamento Doxiciclina
  • Doxiciclina
  • Amoxicilina
  • Ceftriaxone

IFI: Imunifluorescência indireta para anticorpos

Diagnóstico Diferencial

  • Babesiose: uma infeção transmitida por carraças, causada por Babesia. Os pacientes podem ser assintomáticos ou desenvolver febre, fadiga, mal-estar e artralgias. Os pacientes asplénicos, imunocomprometidos e idosos têm risco de desenvolver doença grave, com anemia hemolítica, trombocitopenia, hepatoesplenomegalia, insuficiência renal e morte. O diagnóstico é confirmado com esfregaço de sangue periférico, testes serológicos e PCR. O tratamento inclui antibioterapia, como a atovaquona e a azitromicina.
  • Febre maculosa das Montanhas Rochosas: doença causada porRickettsia rickettsii, e apresenta-se com febre, fadiga, cefaleias e erupção cutânea após picada de carraça. No entanto, esta doença está associada à caraça Dermacentor, e a erupção cutânea apresenta-se com mais frequentemente do que na erliquiose monocítica humana ou na anaplasmose granulocítica humana O diagnóstico é baseado nas características clínicas, biópsia da erupção cutânea e testes serológicos. O tratamento inclui antibioterapia, nomeadamente doxiciclina.
  • Hepatite vírica: inflamação hepática causada por infeção com algum vírus da hepatite. Os pacientes podem apresentar uma fase pródromica vírica com febre, anorexia e náusea. Também podem surgir: dor abdominal no quadrante superior direito, icterícia e elevação das transaminases. O diagnóstico é baseado em testes serológicos virais, que diferenciam a hepatite da erliquiose monocítica humana ou da anaplasmose granulocítica humana. O tratamento da hepatite aguda é de suporte.
  • Mononucleose: doença causada pelo vírus Epstein-Barr, caracterizada por febre, fadiga, linfadenopatias e faringite. Estas 2 últimas características são menos frequentemente observadas na erliquiose monocítica humana ou na anaplasmose granulocítica humana. O diagnóstico é baseado nas características clínicas e testes laboratoriais, como o teste de anticorpos heterófilos ou serologia. O tratamento é de suporte.
  • Doença de Lyme: uma infeção causada por B. burgdorferi, transmitida pela carraça Ixodes. A apresentação depende do estadio da doença e pode incluir a erupção característica de eritema migrans. Em fases posteriores da doença, são comuns as manifestações neurológicas, cardíacas, oculares e articulares. O diagnóstico depende dos achados clínicos e da exposição a picadas de carraça, apoiado por testes serológicos. O tratamento inclui antibioterapia.
  • Brucelose: uma infeção causada por Brucella, que se propaga principalmente após a ingestão de produtos lácteos não pasteurizados ou contacto direto com produtos animais infetados. As manifestações clínicas incluem febre, artralgias, mal-estar, linfadenopatias e hepatoesplenomegalia. O diagnóstico é baseado nas manifestações clínicas, histórico de exposição a carraças, serologias e culturas. O tratamento envolve uma combinação de antibióticos, incluindo doxiciclina, rifampicina e aminoglicosídeos.

Referências

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