Ependimoma

Os ependimomas são tumores de células da glia que surgem das células ependimárias produtoras de LCR que revestem o sistema ventricular. Ependimomas surgem mais frequentemente na fossa posterior em contacto com o 4º ventrículo ou na medula espinhal intramedular. A sua apresentação clínica varia com a localização do tumor. A ressonância magnética é o exame de imagem de escolha, mas é necessário um exame histopatológico para confirmação do diagnóstico. O tratamento dos ependimomas intracranianos assenta na ressecção cirúrgica e na radioterapia adjuvante; no caso de doentes jovens, realiza-se quimioterapia. Os ependimomas da medula espinhal são tratados com ressecção cirúrgica, devendo esta ser tão completa quanto possível.

Última atualização: Jun 20, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Definição

Os ependimomas são tumores de células da glia no SNC que surgem das células ependimárias.

  • As células da glia são tecidos de suporte no cérebro e do sistema nervoso.
  • As células ependimárias são produtoras de LCR.
  • Pode surgir em qualquer parte do sistema ventricular (ependimoma intracraniano) ou do canal espinhal (ependimoma espinhal), mas mais frequentemente:
    • Crianças: na fossa posterior do 4º ventrículo
    • Adultos: medula espinal lombo-sagrada ou filum terminal.

Classificação dos tumores do sistema nervoso

Tabela: Classificação dos tumores do sistema nervoso
Categorias Tumores específicos
Tumores neuroepiteliais no SNC
  • Astrocitomas, incluindo glioblastoma multiforme
  • Oligodendroglioma
  • Ependimoma e tumores do plexo coroide
  • Meduloblastoma e tumores embrionários
Tumores meníngeos
  • Meningioma
  • Hemangioblastoma
Tumores da região selar
  • Craniofaringioma
  • Adenoma da hipófise
  • Pinealoma
Linfoma primário do SNC Linfoma primário do SNC
Metástases cerebrais (5x mais comum do que os tumores cerebrais primários) Que resultam frequentemente de:
  • Neoplasia do pulmão, da mama e do carcinoma de células renais
  • Melanoma
Tumores Periféricos
  • Schwannomas, incluindo o neurinoma do acústico
  • Neuroblastoma

Epidemiologia

Ependimoma intracraniano:

  • Incidência:
    • <6%–9% dos tumores primários do SNC
    • 30% das neoplasias primárias do SNC em crianças < 3 anos
    • Em crianças, 90% dos ependimomas são intracranianos.
    • 3º tumor cerebral pediátrico mais comum (após o meduloblastoma e o astrocitoma pilocítico)
  • Idade:
    • Mais comum nas crianças do que em adultos
    • Idade média de diagnóstico: 4-5 anos
    • 25%–40% dos pacientes têm < 2 anos.
    • Nos adultos, o ependimoma intracraniano surge geralmente antes dos 40 anos.
  • Sexo: ligeira predominância nos homens
  • Localização: ocorre mais frequentemente na fossa posterior

Ependimoma espinhal:

  • Incidência:
    • Cerca de 25% dos tumores primários da medula espinhal
    • Nos adultos, 75% dos ependimomas surgem na medula espinhal.
  • Idade:
    • Mais comum em adultos
    • Idade média de diagnóstico: 30-40 anos
  • Localização:
    • Cerca de 50% surgem na medula espinhal lombo-sagrada ou no filum terminal.
    • Os restantes 50% surgem noutras partes da medula espinhal cervical ou torácica.

Etiologia

  • A etiologia de ependimoma não é conhecida
  • Tem-se reparado na existência de certos clusters familiares
  • Aumento da incidência de ependimoma espinhal na neurofibromatose 2 (NF2)

Fisiopatologia

  • Surge das células ependimárias:
    • As células revestem os ventrículos cerebrais e as vias no cérebro e na medula espinhal.
    • Derivado das células da glia radiais na zona subventricular
  • Transformação das células ependimárias normais em células neoplásicas:
    • Mutações genéticas
    • Alterações epigenéticas
  • Podem ser localmente invasivas e espalharem-se pela medula espinhal.
  • Características tumorais:
    • Normalmente lesões bem circunscritas.
    • Múltiplas áreas com calcificações, hemorragias e quistos
    • As células tumorais formam frequentemente rosetas ependimárias (as pseudo-rosetas perivasculares são achados histológicos característicos dos ependimomas).
  • Vários “padrões” moleculares foram identificados com base em combinações específicas de anomalias genéticas e epigenéticas das células tumorais:
    • Os ependimomas podem ser classificados nos seguintes subgrupos, de acordo com os padrões:
      • Ependimoma da fossa posterior grupo A (PF-EPN-A)
      • Ependimoma fossa posterior grupo B (PF-EPN-B)
      • Ependimoma RELA fusão positivo supratentorial (ST-EPN-RELA)
      • Ependimoma supratentorial com fusão YAP (ST-EPN-YAP)
    • Fusão: RELA
      • Fusão oncogénica entre o RELA e o C11orf95
      • O RELA é o principal agente de sinalização da NF-κB.
    • A classificação em subgrupos ainda não está completa e são necessários mais estudos para compreender eventuais implicações prognosticas e terapêuticas.

Apresentação Clínica

A apresentação clínica depende da localização do ependimoma e da idade do doente. Na maioria dos doentes os sintomas surgem cerca de 3-6 meses antes do diagnóstico.

  • Ependimoma da fossa posterior:
    • Sinais do aumento da pressão intracraniana devido à hidrocefalia obstrutiva:
      • Dor de cabeça (frequentemente com agravamento matutino)
      • Náuseas e vómitos potencialmente significativos
      • Ataxia
      • Vertigo
      • Papiledema
      • Nistagmo
    • Paralisia de nervos cranianos
    • Alterações da personalidade, de humor e distúrbios cognitivos
  • Ependiomas supratentoriais:
    • Convulsões
    • Défices neurológicos focais
  • Ependimoma da medula espinhal:
    • Défices motores e sensoriais que podem envolver os feixes nervosos descendentes, os feixes nervosos ascendentes e os nervos periféricos de saída.
    • Os défices específicos dependem da localização do tumor

Diagnóstico

Imagiologia

Os exames de imagens são o primeiro passo na marcha diagnóstica, mas a avaliação histopatológica é necessária para confirmação. Os achados dos exames de imagem podem sugerir ependimoma e orientar o processo cirúrgico.

  • Ressonância magnética:
    • Exame de imagem de escolha tanto para o cérebro como para a medula espinhal
    • Massas hipointensas na ressonância magnética quando ponderada emT1
    • Massas hiperintensas na RM com ponderação em T2 ou na RM com densidade de protãos
    • O realce com contraste de gadolinium é notável.
  • Achados na TAC:
    • Hiperdenso com um realce homogéneo
    • Os quistos e as calcificações estão frequentemente presentes.
  • Achados sugestivos de ependimoma (que permitem distinguir de outros tumores da fossa posterior):
    • Tumor que surge do 4º ventrículo
    • Tumor que se estende até à junção craniocervical
    • Extensão significativa através do foramina de Luschka
    • Difusão restrita nas imagens ponderadas em difusão
    • Calcificações no 4º ventrículo
A ressonância magnética revela um ependimoma anaplásico

A ressonância magnética revela um ependimoma anaplásico que se estende do tronco cerebral até ao 4º ventrículo.

Imagem: “Giant duodenal ulcers after neurosurgery for brainstem tumors that required reoperation for gastric disconnection: a report of two cases” por BMC Surgery. Licença: CC BY 4.0

Classificação histológica

O diagnóstico do ependimoma é histológico; portanto, o exame histopatológico de uma amostra de tecido é o método gold standard. Os ependimomas são classificados por graus histológicos de acordo com a OMS.

  • Grau I OMS:
    • Subependimoma:
      • Tumores raros e benignos do 4º ou dos ventrículos laterais em adultos
      • Tecido hipocelular que consiste numa densa matriz de glia que contem aglomerados de células com núcleos uniformes e microquistos.
    • Ependimomas mixopapilares:
      • Constituem a maioria dos tumores benignos que surgem no cone medular e no filum terminale da medula espinhal
      • Estruturas pseudopapilares com microquistos com conteúdo mucoso (mucina).
      • Células cuboides dispostas em volta de um estroma mixoide
  • Grau II OMS: ependimoma clássico:
    • Podem surgir em qualquer parte do sistema ventricular ou do cone medular.
    • Possíveis variantes incluem:
      • Variante papilar
      • Variante de células claras
      • Variante tanicítica
    • Os achados incluem:
      • Massa sólida ou papilar
      • Pseudo-rosetas perivasculares: células tumorais que se parecem como uma glândula envolvendo a vasculatura (diagnóstico de ependimoma)
      • Células com núcleos regulares e arredondados com grandes quantidades de cromatina granular
      • Densa matriz fibrilhar
  • Grau III OMS: ependimoma anaplásico:
    • Contagem elevada de células mitóticas
    • Necrose em pseudo-paliçada
  • Ependimoma RELA fusão-positivo.
    • Nova característica na classificação da OMS
    • Pode incluir o grau II e III
    • Determinado com base em testes genéticos
Ependimoma intracraniano de grau iii da oms:

Ependimoma intracraniano de grau III da OMS:
Podem ser vistas pseudo-rosetas perivasculares e uma actividade mitótica aumentada, o que classifica o tumor como um ependimoma anaplásico.

Imagem: “Exomic sequencing of four rare central nervous system tumor types” por Bettegowda C., et al. Licença: CC BY 2.5

Outros testes

  • Avaliação citológica do LCR:
    • Passo importante no diagnóstico para avaliar a presença de metástases
    • Idealmente deve ser realizado antes da cirurgia (os detritos da cirurgia podem dificultar a interpretação)
    • Está muitas vezes contraindicado ao momento da apresentação inicial pela hidrocefalia obstrutiva
  • EEG:
    • Não é necessário para o diagnóstico
    • Nos doentes com lesões supratentorais, encontramos um traçado difusamente lento e/ou picos epileptogênicos nas áreas que envolvem o tumor.

Tratamento e Prognóstico

Tratamento

  • O tratamento deve ser em centros especializados, sempre que possível.
  • Ependimoma intracraniano:
    • Ressecção cirúrgica, devendo ser tão completa quanto possível.
    • Radioterapia adjuvante
    • Quimioterapia:
      • > 1 ano de idade: pode ser usada após radioterapia em determinados casos.
      • < 1 ano de idade: usada para atrasar o uso de radioterapia (para diminuir os efeitos adversos da radiação)
  • Ependimoma espinhal:
    • O tratamento ideal inclui a ressecção cirúrgica completa.
    • O papel da radioterapia adjuvante não é claro.
    • A quimioterapia não tem um papel no tratamento.
  • Corticosteroides: para reduzir o edema peritumoral
  • Anticonvulsivantes: terapêutica contra as convulsões nos doentes com ependimomas intracranianos

Prognóstico

  • Taxas de sobrevivência:
    • Crianças:
      • Sobrevida aos 10 anos: até 70% nos doentes com tumores com ressecção cirúrgica total.
      • Sobrevida aos 10 anos: 30%–40% nos doentes com tumores parcialmente ressecados
    • Adultos:
      • Sobrevivência aos 5 anos: 67%-85%
      • Sobrevivência aos 10 anos: 50%–77%
  • Fatores que afetam a sobrevivência:
    • Extensão da ressecção cirúrgica (fator mais importante)
    • Grau histológico e subgrupo genético molecular
    • Localização do tumor
    • As crianças diagnosticadas numa idade mais avançada têm um melhor prognóstico.
    • Status na escala de desempenho Karnofsky (mede o status funcional) nos adultos
  • Os sobreviventes a longo prazo têm risco aumentado de:
    • Défices neurocognitivos
    • Défices neurológicos focais
    • Perda auditiva neurossensorial
    • Anomalias endócrinas e de crescimento.
    • Vasculopatias
    • Outras neoplasias

Diagnóstico Diferencial

  • Meduloblastoma: é um tumor que surge na fossa posterior. O meduloblastoma é o tumor cerebral maligno mais comum nas crianças. Os doentes apresentam sintomas resultantes do aumento da pressão intracraniana e sinais cerebelosos que se agravam com o tempo. O tratamento resulta numa combinação de cirurgia, radiação e quimioterapia. Ao contrário dos ependimomas, os meduloblastomas raramente têm extensão foraminal e os tumores primários não surgem na medula espinhal.
  • Astrocitoma pilocítico: o 2º tumor cerebral mais frequente em crianças. A ressonância magnética ajuda na distinção do astrocitoma pilocítico de outros tumores. Um astrocitoma pilocítico é geralmente quístico com um nódulo mural ou tem necrose central com uma borda espessa de tecido de sustentação. Por outro lado, os ependimomas surgem frequentemente no 4º ventrículo e são geralmente acompanhados por difusão restrita nas imagens ponderadas pela difusão.
  • Tumores do plexo coroide: tumores primários raros do SNC, que surgem do plexo coroide nos ventrículos. Os tumores do plexo coroide geralmente apresentam-se em crianças com sinais e sintomas de hidrocefalia. Histologicamente, os tumores do plexo coroide assemelham-se a adenocarcinomas e podem estar associados à síndrome de Li-Fraumeni.
  • Oligodendroglioma: Tumor do SNC que surge de oligodendrócitos. Os oligodendrogliomas surgem normalmente no hemisfério cerebral (geralmente nos lobos frontais). Pode apresentar-se com défices neurológicos focais, convulsões e mudanças de personalidade. O diagnóstico é feito com recurso à ressonância magnética e a uma biópsia. O tratamento envolve ressecção cirúrgica e eventualmente radioterapia e/ou quimioterapia.

Referências

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  2. DeAngelis, L.M., Wen, P.Y. (2018). Primary and metastatic tumors of the nervous system. In Jameson, J., et al. (Eds.), Harrison’s Principles of Internal Medicine, 20e. McGraw-Hill. https://accessmedicine-mhmedical-com.aucmed.idm.oclc.org/content.aspx?bookid=2129&sectionid=192016511
  3. Genetic and Rare Disease Information Center. (2021). Ependymoma. Retrieved April 19, 2021, from https://rarediseases.info.nih.gov/diseases/6353/ependymoma
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  6. National Cancer Institute. (2020). Childhood Ependymoma Treatment (PDQ®)–Patient Version. Retrieved April 19, 2021, from https://www.cancer.gov/types/brain/patient/child-ependymoma-treatment-pdq
  7. National Cancer Institute. (2021). Ependymoma Diagnosis and Treatment. Retrieved April 19, 2021, from https://www.cancer.gov/rare-brain-spine-tumor/tumors/ependymoma
  8. Upadhyaya, S.A., Tinkle, C. (2020). Intracranial ependymoma and other ependymal tumors. UpToDate. Retrieved April 19, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/intracranial-ependymoma-and-other-ependymal-tumors
  9. Welch, W.C., Schiff, D., Gerszten, P.C. (2020). Spinal cord tumors. UpToDate. Retrieved April 19, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/spinal-cord-tumors

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