Endometrite Pós-parto

A endometrite pós-parto (PP) é uma inflamação infeciosa do endométrio (a camada interna do útero) que ocorre no contexto pós-parto, aparecendo geralmente nos primeiros dias após o parto. Estas infeções resultam da ascensão da flora vaginal normal para o útero previamente assético através do colo do útero dilatado. As mulheres que tiveram um parto por cesariana têm 10-30 vezes mais probabilidades de desenvolver endometrite PP do que as que tiveram um parto vaginal espontâneo (PVE). As pacientes apresentam-se com febre e dor uterina intensa à palpação; também pode haver corrimento anormal/purulento. O diagnóstico é quase sempre clínico, sendo a imagiologia apenas necessária para excluir outras causas em casos que não respondam à terapia empírica inicial. O tratamento é feito com antibioterapia intravenosa.

Última atualização: Dec 6, 2022

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Definição

A endometrite é uma inflamação do revestimento interno do útero, o endométrio.

Epidemiologia

  • Infeção pós-parto mais comum
  • Incidência após parto vaginal espontâneo (PVE): 1%–2%
  • Incidência após cesariana em mulheres que receberam antibioterapia profilática (o tratamento de eleição mesmo em casos de emergência):
    • 7% para cesariana realizada após o início do trabalho de parto
    • 1,5% para cesariana realizada antes do início do trabalho de parto (por exemplo, casos programados de apresentação pélvica)
  • Incidência após cesariana em mulheres que não receberam antibioterapia profilática:
    • 18% para cesariana após o início do trabalho de parto
    • 4% para cesariana antes do início do trabalho de parto

Fatores de risco

  • Parto por cesariana (factor de risco primário)
  • Infeções/colonização durante o trabalho de parto:
    • Vaginose bacteriana (VB)
    • Corioamnionite (infeção intramniótica); especialmente se não for tratada adequadamente no intra-parto
    • Colonização com Streptococcus do grupo B (SGB)
  • Ruptura prolongada de membranas
  • Trabalho de parto prolongado
  • Líquido amniótico meconial
  • Parto vaginal instrumentado
  • Inserção de corpo estranho no colo do útero/útero:
    • Exames cervicais múltiplos
    • Monitorização fetal e/ou uterina invasiva
    • Remoção manual da placenta
  • Outros fatores maternos:
    • Obesidade
    • Baixo estatuto socioeconómico
    • Diabetes mellitus
    • Infeção por VIH

Fisiopatologia

Mecanismo fisiopatológico

A endometrite PP é causada pelo movimento da flora vaginal normal para o útero → colonização do revestimento uterino danificado → infeção e inflamação.

  • Ocorre espontaneamente ao longo do tempo após a ruptura das membranas amnióticas
  • As bactérias podem ser introduzidas durante intervenções médicas no trabalho de parto (por exemplo, exames vaginais, monitorização intrauterina do feto)
  • Alta incidência de contaminação intrauterina durante o parto por cesariana (especialmente quando a apresentação fetal já está na vagina)
  • Pode também ser causado por lóquios retidos e/ou produtos de conceção
  • Outros fatores envolvidos:
    • Saúde das defesas do hospedeiro (por exemplo, os doentes imunocomprometidos são mais suscetíveis a infeções)
    • Tamanho do inóculo bacteriano
    • Virulência das bactérias colonizadoras

Microbiologia

A endometrite PP é uma infeção polimicrobiana que envolve organismoa aeróbios e anaeróbios. A maioria dos pacientes tem uma média de 2-3 organismos.

Organismos aeróbios:

  • Streptococcus dos grupos A e B
  • Staphylococcus aureus
  • Espécies de Enterobacteriaceae:
    • Klebsiella
    • Proteus
    • Espécies de Enterococcus
    • Escherichia coli
  • Chlamydia (associada a doença de apresentação tardia)

Organismos anaeróbios

  • Peptostreptococcus
  • Peptococcus
  • Bacteroides
  • Clostridium (nota: infeções por C. sordelli e C. perfingens são raras, mas potencialmente letais)
  • Gardnerella vaginalis
  • Ureaplasma urealyticum

Apresentação Clínica

Os pacientes apresentar-se-ão nos primeiros 10 dias pós-parto (e normalmente nos primeiros 2-3 dias), com os seguintes sinais/sintomas:

  • Febre
  • Dor uterina severa/desconforto agudo à palpação (achado chave)
  • Lóquios fétidos e/ou purulentos
  • Hemorragia vaginal intensa (muitas vezes causada por subinvolução uterina)
  • Taquicardia
  • Diarreia (no caso de infeções por Streptococcus do grupo A)
  • Pode progredir para a síndrome do choque tóxico:
    • Mais comum no caso de infeções por Staphylococcus, Streptococcus do grupo A ou Clostridium sordellii
    • Febre alta (> 38,5ºC (101,3°F)); note que este achado pode estar ausente nas infeções por C. sordellii que são altamente letais
    • Taquicardia e hipotensão
    • Desquamação
    • Evidência de envolvimento de dois outros sistemas de órgãos (por exemplo, insuficiência renal, hepática ou pulmonar, coagulopatia)

Diagnóstico

  • Os pacientes são diagnosticados com endometrite PP clinicamente se tiverem:
    • Febre
    • Dor abdominal intensa à palpação abdominal
    • +/- corrimento uterino purulento
  • Geralmente o exame pélvico, culturas vaginais e/ou exames de imagem não são necessários
  • Análises sanguíneas que podem auxiliar no diagnóstico:
    • Hemograma com contagem diferencial mostra leucocitose.
    • Hemoculturas (usadas quando há um elevado grau de suspeição de sépsis)
  • Imagiologia:
    • Geralmente só é necessária para excluir outras causas que não respondam à terapia empírica inicial
    • A ecografia pélvica é a 1.ª modalidade de eleição, procurando-se principalmente:
      • Retenção de produtos de conceção (por exemplo, retenção de um fragmento de placenta)
      • Abcessos intraabdominais
    • TC pélvica: para excluir tromboflebite pélvica sética

Tratamento

Tratamento

O tratamento é com antibioterapia IV.

  • O tratamento é administrado até que a doente esteja apirética durante 24-48 horas.
  • É realizado um exame de imagem se os sintomas persistirem > 72 horas após a antibioterapia.
  • Regimes terapêuticos:
    • Sem colonização por SGB: clindamicina + gentamicina
    • Com colonização por SGB: clindamicina + gentamicina + ampicilina
    • Regime alternativo (com ou sem SGB): ampicilina/sulbactam
  • Os indivíduos geralmente não precisam de antibioterapia adicional (ou seja, oral)

Profilaxia

  • Diminuição significativa da morbilidade
  • Padrão de tratamento em doentes que fazem parto por cesariana
  • Terapêutica:
    • Cefalosporinas de primeira ou segunda geração (por exemplo, cefazolina)
    • Cefalosporina mais azitromicina/metronidazol

Complicações

  • Sépsis
  • Síndrome do choque tóxico
  • Abcesso
  • Infertilidade (devido a tecido cicatricial)
  • Complicações com a ferida cirúrgica
  • Fasceíte necrotizante (infeção potencialmente fatal que envolve o tecido subcutâneo e fáscia)

Diagnóstico Diferencial

  • Infeção do local cirúrgico: uma infeção que ocorre no ou próximo do local de incisão cirúrgica; estas infeções podem ser superficiais (envolvendo a pele e o tecido subcutâneo), profundas (envolvendo as camadas fasciais e/ou musculares) ou envolver órgãos ou o espaço interno. No período pós-parto, esta situação pode ocorrer no abdómen após uma cesariana, ou na vagina após um parto vaginal. O tratamento envolve na maior parte das vezes antibioterapia e potencialmente abertura da ferida +/- desbridamento cirúrgico.
  • Pielonefrite: uma infeção bacteriana do trato urinário superior que resulta numa inflamação dos rins. Os doentes apresentam febre, dores no flanco, náuseas/vómitos e dor no ângulo costovertebral. O diagnóstico é baseado nos achados clínicos, na análise de urina e nas uroculturas. A pielonefrite pode ser tratada em regime ambulatório ou de internamento, dependendo da presença de fatores de risco e da gravidade da doença. O tratamento inclui antibioterapia, analgesia e antipiréticos.
  • Tromboflebite séptica pélvica: uma situação rara em que um trombo infetado numa das veias pélvicas profundas (por exemplo, veia ovárica) provoca uma inflamação venosa. Os doentes apresentam febre resistente à terapêutica antibiótica e dores pélvicas, abdominais inferiores, lombares ou no flanco, que são não-cólicas e constantes. O diagnóstico é muitas vezes clínico, mas pode ser confirmado por imagem (geralmente TC) se for observado um trombo e inflamação. O tratamento inclui anticoagulação e antibioterapia.
  • Corioamnionite: inflamação das membranas amniótica e coriónica. A principal diferença entre a corioamnionite e a endometrite pós-parto é o tempo: a corioamnionite é uma infeção intra-parto das membranas, que muitas vezes se resolve rapidamente após expulsão das membranas fetais, enquanto que a endometrite é uma infeção pós-parto do próprio revestimento uterino. Ambas as situações se apresentam com febre, dor uterina e corrimento vaginal de cheiro fétido. O tratamento da corioamnionite inclui antibioterapia, antipiréticos e o parto.

Referências

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  3. Agrawal, P., Garg, R. (2012). Fulminant leukemoid reaction due to postpartum Clostridium sordellii infection. Journal of global infectious diseases, 4(4):209–211. https://doi.org/10.4103/0974-777X.103899
  4. Mackeen, A. D., Packard, R. E., Ota, E., Speer, L. (2015). Antibiotic regimens for postpartum endometritis. Cochrane Database of Systematic Reviews 2015(2):CD001067. 
  5. Park, H. J., Kim, Y. S., Yoon, T. K., Lee, W. S. (2016). Chronic endometritis and infertility. Clinical and Experimental Reproductive Medicine 43:185–192. https://doi.org/10.5653/cerm.2016.43.4.185
  6. Chen, K. T. (2020). Postpartum endometritis. UpToDate. Retrieved on June 24, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/postpartum-endometritis

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