Doença Inflamatória Pélvica

A doença inflamatória pélvica (DIP) corresponde a uma infeção polimicrobiana do sistema reprodutor feminino superior. A doença pode afetar o útero, trompas de Falópio, ovários e estruturas adjacentes. A doença inflamatória pélvica está intimamente relacionada com as doenças sexualmente transmissíveis, mais frequentemente as causadas por Chlamydia trachomatis e Neisseria gonorrhoeae, bem como organismos associados à vaginose bacteriana, como a Gardnerella vaginalis. Sintomas comuns são a dor abdominal inferior, corrimento cervical e hemorragia vaginal irregular. As complicações da DIP podem incluir a gravidez ectópica, dor pélvica crónica e infertilidade. O diagnóstico é principalmente clínico, além do teste de PCR de amostras cervicais e, por vezes, da imagiologia ou laparoscopia. Devido à sua natureza polimicrobiana, o tratamento da DIP é feito com esquemas combinados de antibióticos.

Última atualização: Jan 25, 2023

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

Descrição Geral

Definição

A doença inflamatória pélvica (DIP) é uma infeção aguda do trato genital superior em mulheres que afeta o útero, trompas, ovários e possivelmente os órgãos pélvicos adjacentes.

Epidemiologia

  • Aproximadamente 800.000-1.000.000 casos por ano no ambulatório nos Estados Unidos, incluindo as idas ao serviço de urgência
  • Mais comum em mulheres com < 35 anos
  • A DIP é rara antes da menarca.
  • Fatores de risco:
    • Relações sexuais desprotegidas
    • Múltiplos parceiros sexuais
    • História prévia de IST
    • Presença de vaginose bacteriana (dependendo da bactéria)
  • A incidência global da DIP sexualmente transmissível está a diminuir graças ao rastreio de Chlamydia nas mulheres jovens.

Etiologia

  • ISTs (85%):
    • Chlamydia trachomatis (IST bacteriana mais comum, que pode ter uma apresentação subaguda e subclínica)
    • Neisseria gonorrhoeae
    • Mycoplasma genitalium
  • Outras bactérias isoladas:
    • Haemophilus influenzae
    • Streptococcus agalactiae
    • Bacilos entéricos gram-negativos
    • Espécies de Ureaplasma
  • Peritonite pós-operatória
  • Infeção relacionada com instrumentação ou com traumatismo
Corpos de inclusão de chlamydia trachomatis

Fotomicrografia onde se observam monocamadas de células McCoy com corpos de inclusão de Chlamydia trachomatis

Imagem: “Chlamydia trachomatis inclusion bodies” pelo CDC/Dr. E. Arum. Licença: Public Domain

Fisiopatologia

Proteção pélvica normal

  • O canal endocervical serve como uma barreira entre o trato genital superior que é estéril e o canal vaginal, que contém diferentes bactérias.
  • A flora vaginal normal é predominantemente composta por Lactobacillus spp. e uma baixa quantidade de bactérias potencialmente nocivas.

Infeção pélvica

  • Infeção causada por IST ou microorganismos vaginais (pode ser assintomática) → rotura da barreira mucosa → disseminação da infeção para o trato genital superior (geralmente sintomática) → disseminação da infeção para a cavidade peritoneal
  • Locais de infeção:
    • Colo do útero: cervicite
    • Útero/endométrio: endometrite
    • Trompa de Falópio: salpingite
    • Ovários: ooforite
    • Área circundante/peritoneu: peritonite
  • Existe um maior risco de DIP causada por bactérias do trato genital inferior:
    • Durante a menstruação
    • Nas primeiras 3 semanas após a inserção de um dispositivo intrauterino (DIU)
    • Devido a fatores genéticos ou imunológicos mal compreendidos (que afetam a carga bacteriana e a espessura do muco cervical)
Sites pid

Locais de infeção na DIP: colo do útero, endométrio/útero, ovário e trompas de Falópio

Imagem: “PID-Sites” pelo BruceBlaus. Licença: Public Domain

Apresentação Clínica

Sinais e sintomas

  • DIP aguda:
    • Febre
    • Náuseas e/ou vómitos
    • Dor abdominal inferior
    • Corrimento vaginal purulento
    • Hemorragia uterina anormal
    • Dispareunia
    • Disúria
  • DIP subclínica:
    • Os sinais e sintomas podem ser ligeiros, especialmente se causada por C. trachomatis ou M. genitalium.
    • Algumas doentes apresentam-se com infertilidade (por aderências e oclusão distal tubar pela DIP).
  • DIP crónica:
    • Início indolente de febre, dor abdominal e perda de peso
    • Observada na actinomicose e tuberculose

Exame objetivo

  • Corrimento cervical
  • Desconforto à movimentação cervical
  • Defesa ou dor à descompressão
  • Dor uterina e/ou anexial
  • Massa anexial

Complicações

  • Abcesso tubo-ovárico: apresenta-se como uma massa anexial
  • Gravidez ectópica
  • Infertilidade
  • Hidrossalpinge
  • Síndrome de Fitz-Hugh-Curtis (peri-hepatite ou inflamação da cápsula hepática e superfícies peritoneais)

Diagnóstico e Tratamento

Diagnóstico

O diagnóstico é principalmente clínico, com um alto índice de suspeição.

Exames laboratoriais:

  • 50% das doentes apresentam leucocitose no hemograma.
  • Elevação dos marcadores inflamatórios, como a velocidade de sedimentação (VS) ou PCR
  • Presença de > 10 leucócitos por campo de grande ampliação no corrimento vaginal
  • Deteção de N. gonorrhoeae e C. trachomatis através de PCR
  • Culturas para organismos causadores de DIP
  • Testes adicionais para ISTs: VIH, sífilis
  • Teste de gravidez (para descartar gravidez ectópica)

Imagiologia:

  • Ecografia transvaginal se achados clínicos e laboratoriais inconclusivos ou suspeita de complicações
  • Pode observar-se uma trompa de Falópio espessada, líquido livre a nível pélvico ou bordas endometriais indistintas
  • Em casos de abcesso tubo-ovárico: coleção anexial complexa com múltiplos níveis de fluido

Exploração laparoscópica:

  • Falência do tratamento empírico
  • História clínica compatível com DIP e testes negativos
  • Síndrome de Fitz-Hugh-Curtis
  • Abcesso tubo-ovárico

Tratamento

  • Muitas vezes, a antibioterapia empírica quer em regimes de ambulatório, quer em regimes hospitalares, visa a cobertura de infeções aeróbias e anaeróbias
  • Alvos principais: C. trachomatis e N. gonorrhoeae
  • Tratamento em ambulatório:
    • Cefalosporina de ação prolongada (IM) + doxiciclina e metronidazol orais
    • Adicionar metronidazol na presença de Trichomonas vaginalis ou vaginose bacteriana.
  • Tratamento nos doentes internados:
    • Cefalosporina (ceftriaxone, cefoxitina, or cefotetano) + doxiciclina
    • Indicações para realizar o tratamento em regime de internamento:
      • Falência da terapêutica oral
      • Febres altas
      • Gravidez
      • Abcesso tubo-ovárico
      • Quando uma apendicite ou outro diagnóstico alternativo não puder ser descartado
  • Tratamento cirúrgico:
    • Drenagem de abcessos.
    • Em alguns casos, é necessária uma laparoscopia exploradora para estabelecer o diagnóstico
  • Repouso pélvico
  • Educação da doente acerca de práticas sexuais seguras e possíveis complicações
Diagnóstico de doença inflamatória pélvica

Doença inflamatória pélvica: ecografia em escala de cinza (A) e Doppler colorido (B) onde se observa um aumento da vascularização do útero (consistente com DIP). A laparoscopia (C) confirma o diagnóstico de DIP (tumefação uterina e anexial).

Imagem: “Pelvic inflammatory disease” pelo Department of Medical, Surgical and Neuro Sciences, Section of Radiological Sciences, Siena, Italy. Licença: CC BY 2.0

Diagnóstico Diferencial

  • Gravidez ectópica: implantação do óvulo fertilizado fora do útero, muitas vezes devido a alterações da normal anatomia da trompa de Falópio. A dor abdominal é um sintoma comum à medida que o embrião em desenvolvimento cresce. O diagnóstico pode ser feito com ecografia e exames laboratoriais. O tratamento pode ser expectante, clínico ou cirúrgico.
  • Apendicite: inflamação aguda do apêndice vermiforme. Os sintomas clássicos são a dor periumbilical que migra para o quadrante inferior direito, anorexia, febre, náuseas e vómitos. Ao diagnóstico clínico apresentam dor sobre o ponto de McBurney no quadrante inferior direito. A ecografia ou a tomografia computorizada podem ajudar a estabelecer o diagnóstico. O tratamento é a apendicectomia cirúrgica, mas as perfurações, que podem ocorrer em até 20% das vezes, podem ser tratadas de forma não cirúrgica com antibióticos.
  • Endometriose: uma patologia comum causada por implantação de tecido endometrial fora do útero, geralmente dentro da pelve. Os sintomas incluem dor pélvica que piora com a menstruação. Esta patologia pode ser uma causa de dor crónica, desenvolvimento de aderências e infertilidade. O diagnóstico é clínico. O tratamento inclui pílulas anticoncecionais orais com progesterona para suprimir a inflamação. Por vezes, a cirurgia é necessária para estabelecer o diagnóstico e remover os implantes.
  • Rotura de quisto ovárico: a maioria dos quistos ováricos são pequenos e benignos, mas a rotura pode causar dor abdominal inferior unilateral. O diagnóstico é feito por ecografia.
  • Nefrolitíase: os cálculos urinários (pedras) causam dor, náusea, vómito e, possivelmente, febre e arrepios na presença de infeção. O diagnóstico é feito através da urinálise e TC. O tratamento pode incluir alívio da dor, antibióticos, litotripsia e endoscopia.

Referências

  1. Goje, O. (2019). Pelvic Inflammatory Disease (PID). Retrieved February 1, 2021, from https://www.merckmanuals.com/professional/gynecology-and-obstetrics/vaginitis,-cervicitis,-and-pelvic-inflammatory-disease-pid/pelvic-inflammatory-disease-pid
  2. Ross, J., Chacko, M. (2020). Pelvic inflammatory disease: Clinical manifestations and diagnosis. Retrieved February 2, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/pelvic-inflammatory-disease-clinical-manifestations-and-diagnosis
  3. Le T, Bhushan, V, Sochat, M, et al. (2020). First Aid for the USMLE 1, 30th ed.(p.185). McGraw-Hill.

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