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Doença de Whipple

A doença de Whipple é uma síndrome rara de má absorção com manifestações sistémicas (neurológicas, cardíacas e musculoesqueléticas) causada pela bactéria Tropheryma whipplei. Os doentes geralmente apresentam perda de peso, diarreia/esteatorreia e artralgias, bem como manifestações neurológicas e cardíacas. A doença de Whipple é diagnosticada com biópsia após a visualização de macrófagos espumosos, positivos para ácido periódico-Schiff (PAS, pela sigla em inglês) nos tecidos envolvidos ou com PCR para o ADN bacteriano. É tratada com antibióticos, nomeadamente ceftriaxone ou penicilina G e sulfametoxazol.

Última atualização: Jan 10, 2024

Responsibilidade editorial: Stanley Oiseth, Lindsay Jones, Evelin Maza

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Descrição Geral

Definição

A doença de Whipple é uma síndrome de má absorção com manifestações sistémicas que é causada por infeção por Tropheryma whipplei.

Epidemiologia

  • Doença rara com distribuição mundial
  • Incidência geral: 1–3 em 1 milhão de indivíduos
  • Maior prevalência em agricultores (uma vez que T. whipplei vive no solo) e trabalhadores de esgoto
  • Possivelmente associado ao haplótipo HLA-B27
  • Mais comum em homens leucodérmicos (relação homem : mulher = 8 : 1)
  • Idade média de início dos sintomas: 49 anos

Etiologia

O agente causador é o T. whipplei :

  • Bacilo Gram-positivo, em forma de bastonete, imóvel
  • Relacionado com Actinomycetes
  • Esfregaço ácido-resistente – negativo
  • Ácido periódico-Schiff (PAS, pela sigla em inglês) – positivo
  • Envolvido por uma membrana plasmática trilamelar e coberto por uma parede celular
  • Bactérias que vivem no solo e no esgoto
  • Coloniza o trato intestinal, o sistema linforreticular e o SNC

A imunodeficiência do hospedeiro tem sido implicada em infeções sintomáticas.

Fisiopatologia

  • A patogénese não está totalmente delineada.
  • Caracterizada por uma falta geral de resposta inflamatória do hospedeiro ao T. whipplei
  • Os distúrbios imunológicos específicos incluem:
    • Diminuição da atividade das células T auxiliares tipo 1 e aumento das células T auxiliares tipo 2
    • Diminuição da razão de células T CD4 : CD8
    • Défice na expressão do recetor do complemento tipo 3 em células mononucleares hospedeiras
    • Diminuição da apresentação de antigénios pelo complexo principal de histocompatibilidade (MHC, pela sigla em inglês) classe 2 em células epiteliais intestinais
  • Não há efeitos citotóxicos pronunciados nas células hospedeiras, de modo que o organismo pode acumular-se nos tecidos em grande número.
  • O organismo é ingerido e incorporado em macrófagos teciduais.
  • O T. whipplei invade uma variedade de tecidos e órgãos:
    • Epitélio intestinal
    • Macrófagos
    • Endotélio capilar e linfático
    • Fígado
    • Cérebro
    • Rins
    • Medula óssea
    • Sinóvia
    • Pele
  • A infiltração da lâmina própria dos intestinos interrompe a função das vilosidades e causa má absorção.
  • A infiltração de outros órgãos causa sintomas específicos do órgão (e.g., artralgias na infiltração sinovial).

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Apresentação Clínica

Doença de Whipple clássica

  • Artralgias:
    • Frequentemente o primeiro sintoma de apresentação
    • Envolve grandes articulações
    • Migratório e não destrutivo
  • Perda de peso
  • Diarreia:
    • Aquosa ou esteatorreica
    • Também pode ocorrer hemorragia gastrointestinal oculta ou grosseira.
  • Dor abdominal (intermitente, cólica)

Outras manifestações

  • Cardíacas:
    • Endocardite (envolvimento valvular; mais comum)
    • Miocardite, pericardite
    • Insuficiência cardíaca congestiva
  • Neurológicas:
    • Confusão
    • Convulsões
    • Delirium
    • Deficiência cognitiva
    • Hipersónia
    • Sintomas extrapiramidais
    • Ataxia e clónus
    • Achados patognomónicos:
      • Miorritmia oculomasticatória (movimentos contínuos de convergência ocular com contrações concomitantes dos músculos mastigatórios)
      • Miorritmia óculo-facial-esquelética
      • Paralisia do olhar vertical
  • Sistémicas:
    • Febre
    • Perda de peso
    • Linfadenopatia mesentérica ou mediastinal (50% dos casos)
    • Edema periférico (devido à hipoproteinemia secundária à má nutrição e enteropatia perdedora de proteínas)

Diagnóstico

História clínica

  • Homens leucodérmicos de meia idade
  • Exposição ocupacional: agricultores, trabalhadores de esgoto
  • Diarreia crónica/de longa duração sem causa identificável
  • Dor abdominal
  • Artralgias
  • Perda de peso

Exame objetivo

  • Inespecífico
  • Aparência emancipada, desnutrida, com edema generalizado
  • Podem estar presentes achados neurológicos/psiquiátricos com envolvimento do sistema nervoso.

Exames laboratoriais

  • Anemia devido a doença crónica e défice de ferro, folato ou vitamina B12
  • Linfopenia leve
  • Hipoalbuminemia com níveis normais de globulina
  • Tempo de protrombina prolongado
  • Cultura de fezes para excluir outras causas infeciosas de diarreia
  • Testes serológicos para excluir doenças autoimunes/reumáticas (ou seja, fator reumatoide, anticorpo antinuclear)

Biópsia

  • Definitivo
  • O 1º exame geralmente é a endoscopia digestiva alta, com biópsia do intestino delgado a demonstrar macrófagos espumosos PAS-positivos:
    • A mucosa pode ou não apresentar alterações grosseiras.
    • São comuns resultados falsos negativos se o doente começar a tomar antibióticos antes dos exames diagnósticos.
  • A biópsia de outros tecidos (cardíaco, sinovial, líquido cefalorraquidiano) deve ser realizada se:
    • Os únicos sintomas apresentados são extraintestinais.
    • A biópsia intestinal é negativa, mas a suspeita permanece alta.
  • Se a coloração PAS for negativa, o diagnóstico pode ser feito com os seguintes exames:
    • Identificação de T. whipplei via PCR ou deteção de rRNA 16s
    • Coloração imuno-histoquímica positiva para anticorpo de T. whipplei
Linfangiectasia na endoscopia

Visão endoscópica da mucosa jejunal na doença de Whipple:
lesões brancas compatíveis com linfangiectasia intestinal difusa

Image: “Endoscopy” por Department of Internal Medicine, Hospital General Universitario de Alicante, c/ Pintor Baeza, 12, 03010, Alicante, Spain. Licença: CC BY 4.0

Tratamento e Prognóstico

Tratamento

A base do tratamento é antibioterapia:

  • Como existe o risco de envolvimento do SNC, é necessário um antibiótico que possa penetrar na barreira hematoencefálica.
  • Regime de 1ª linha:
    • Ceftriaxone intravenoso ou penicilina G durante 2 semanas (4 semanas se endocardite)
    • Trimetoprim-sulfametoxazol oral durante 12 meses
  • Esquemas alternativos para doentes com alergia à penicilina e/ou sulfa:
    • Meropenem intravenoso durante 2 ou 4 semanas
    • Doxiciclina oral + hidroxicloroquina durante 12 meses

Prognóstico

  • A maioria dos doentes com tratamento adequado tem bom prognóstico.
  • Pode ser vista uma melhoria dramática em 7 a 21 dias.
  • Por vezes, o dano neurológico pode ser irreversível.
  • Complicações:
    • Síndrome inflamatória de reconstituição imune (IRIS, pela sigla em inglês):
      • Pode desenvolver-se nas primeiras semanas após o início do esquema de antibiótico
      • Febre alta e sintomas que simulam uma recaída
    • Recorrência:
      • Falência da resposta clínica aos antibióticos
      • PCR-positivo em biópsia de repetição

Diagnóstico Diferencial

  • Infeção pelo VIH: O VIH pertence à família Retroviridae. Os sintomas da infeção primária são semelhantes aos da gripe, com febre baixa, mialgias e linfadenopatia. Após décadas de infeção latente e enfraquecimento da imunidade do hospedeiro, desenvolve-se a SIDA, caracterizada por infeções oportunistas e neoplasias. O diagnóstico é estabelecido pelo teste de PCR sanguíneo e o tratamento é baseado em fármacos antirretrovirais.
  • Tuberculose: doença infeciosa causada pelo Mycobacterium tuberculosis, bactéria álcool-ácido resistente que pode sobreviver em macrófagos, permitindo infecões latentes e assintomáticas por décadas: Os sintomas incluem febre, tosse, anorexia, perda de peso, mal-estar e manifestações extrapulmonares, incluindo pericardite. O diagnóstico é estabelecido com teste tuberculínico, cultura de expectoração e imagem pulmonar, e a base do tratamento são os fármacos antimicobacterianos.
  • Doenças do tecido conjuntivo: As doenças do tecido conjuntivo compreendem várias condições: (1) lúpus eritematoso sistémico (LES), (2) síndrome antifosfolípidos, (3) esclerodermia, (4) miosite e (5) síndrome de Sjögren. Estas patologias autoimunes são caracterizadas pela produção de autoanticorpos e apresentam sintomas de disfunção imune. Os doentes apresentam sintomas dermatológicos, artropáticos e sistémicos. Cada doença tem os seus próprios marcadores serológicos e patogénese. O tratamento frequentemente inclui esteroides e fármacos imunomoduladores.
  • Hipertiroidismo: estado de excesso de síntese e secreção de hormonas tiroideias: O hipertiroidismo é mais frequentemente causado pela doença de Graves ou pelo bócio multinodular tóxico. Os doentes relatam palpitações, insónia, ansiedade, perda de peso, diarreia, sudorese e intolerância ao calor. O exame físico mostra taquicardia, perda de peso e tremores das extremidades. O diagnóstico é estabelecido medindo-se os níveis de hormonas tiroideias no sangue e o tratamento envolve fármacos antitiroideus e betabloqueadores.
  • Doença inflamatória intestinal (DII) com artropatia:
    • Doença de Crohn: condição crónica e recorrente que causa inflamação transmural irregular, que pode envolver qualquer parte do trato gastrointestinal: a doença de Crohn geralmente apresenta-se com diarreia intermitente não sanguinolenta e cólicas abdominais. A artropatia é uma manifestação extraintestinal em ambos os tipos de DII. O diagnóstico é confirmado por biópsia intestinal e o tratamento inclui esquemas de imunossupressores.
    • Colite ulcerosa: condição inflamatória idiopática que envolve a superfície mucosa do cólon: O reto está sempre envolvido e a inflamação pode estender-se proximalmente através do cólon. A colite ulcerosa, geralmente, apresenta-se com diarreia intermitente não sanguinolenta e dor abdominal em cólica. A artropatia é uma manifestação extraintestinal em ambos os tipos de DII. O diagnóstico é confirmado por biópsia intestinal e o tratamento inclui esquemas de imunossupressores.

Referências

  1. Antunes C., Singhal M. Whipple Disease. (2020). In: StatPearls. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK441937/
  2. Apstein M. D., Schneider T. (2020). Whipple’s Disease. Retrieved February 21, 2021, from https://www.uptodate.com/contents/whipples-disease
  3. Bally J. F., Méneret A., Roze E., Anderson M., Grabli D., Lang A. E. (2018). Systematic review of movement disorders and oculomotor abnormalities in Whipple’s disease. Mov Disord. 33(11):1700-1711.
  4. Hujoel I. A., Johnson D. H., Lebwohl B., Leffler D., Kupfer S., Wu T. T., Murray J.A., Rubio-Tapia A. (2019). Tropheryma whipplei Infection (Whipple Disease) in the USA. Dig Dis Sci. 64:213-223. 
  5. Dolmans, R. A. V., Boel, C. H. E., Lacle, M. M., Kusters, J. G. (2017). Clinical Manifestations, Treatment, and Diagnosis of Tropheryma whipplei Infections. Clin Microbiol Rev. 30:529-555.

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